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Atenas 1896 – Grécia: um país recém-independente e já bastante endividado

Paulinho Oliveira 14 de janeiro de 2021
Charilaos Trikoupis, primeiro-ministro grego entre 1893 e 1895, tenta juntar os cacos da economia grega em frangalhos.

Desde o fim dos Jogos Olímpicos da Era Antiga, em 393 d. C., fez-se um intervalo de mais de quinze séculos entre o fim dos Jogos da Antiguidade e a cerimônia de abertura de Atenas 1896, no Estádio Panatenaico. Mil e quinhentos anos em que o povo grego se viu dominado por romanos e, depois, por turcos otomanos, mas não se desvinculou de suas raízes, seu idioma, seus costumes. Um grande espaço de tempo, até que o Barão de Coubertin decidisse reviver o sonho olímpico remoto, o que, no seu pensamento original, deveria ser em 1900, em Paris, sua cidade natal.

Entretanto, o recém-formado Comitê Olímpico Internacional, que se reunia na capital francesa em seu primeiro congresso em 1894, temeu que o espaço de seis anos fosse o suficiente para que se perdesse o interesse popular pelo assunto e sugeriu que o renascimento olímpico já fosse em 1896. Quanto ao país-sede, só se consentiu com a escolha da Grécia após a intervenção decisiva de seu soberano, o rei Jorge I, em carta enviada ao Comitê Olímpico Internacional no dia 21 de junho de 1894. Dois dias depois, Demetrios Vikelas, empresário e escritor grego que fora eleito o primeiro presidente da entidade, defendeu a proposta de levar os Jogos para Atenas, o que seria ratificado, ao final do congresso, por unanimidade.

É fato que descobertas arqueológicas realizadas entre 1875 e 1881 recuperaram importantes evidências das antigas olimpíadas, inclusive ruínas localizadas em Olímpia. Porém, isso não pode ser apontado como o único determinante da escolha do COI pela capital grega. A Grécia, no final do Século XIX, havia ganho um protagonismo condizente à influência que o rei Jorge I possuía junto a outras nações europeias e à ousadia de seu povo em desafiar o Império Otomano, que, durante mais de seis séculos, fora uma das potências do continente europeu e, consequentemente, do mundo civilizado. A Guerra de Independência 1821-1829) foi um conflito bastante sangrento, e a Grécia, embora conquistasse a independência, começou sua sina de devedora internacional.

Em 10 de dezembro de 1893, o então primeiro-ministro Charilaos Trikoupis declarou à Assembleia Nacional: “Lamentavelmente, estamos falidos”. Os empréstimos vultosos concedidos pelas Grandes Potências para a reconstrução do país após a Guerra de Independência e para grandes projetos de infraestrutura – como o Canal de Corinto, por exemplo – começavam a pesar na economia, e, como normalmente se sucede, era o povo grego quem pagava a conta. Em meados de 1893, mais da metade do orçamento grego estava comprometida com o serviço da dívida externa.

Por conta da crise econômica severa, Trikoupis era contra a realização dos Jogos Olímpicos de 1896 em Atenas, mas o Barão de Coubertin, idealizador do renascimento olímpico, por ser um aristocrata com trânsito constante entre as Cortes europeias, tinha a simpatia do rei Jorge I, que, por sua vez, enviou uma carta ao COI desejando que os Jogos de 1896 viessem para a capital grega, por sua ligação histórica com os Jogos Olímpicos da Antiguidade. A preocupação de Charilaos Trikoupis tinha lógica: segundo o próprio comitê organizador, o custo dos Jogos, no final de 1894, já estava em mais de 3,7 milhões de dracmas, o que equivalia ao triplo do orçamento original. Com a renúncia de Trikoupis, em 24 de janeiro de 1895, o caminho ficou livre para a empreitada olímpica grega, com o apoio explícito do rei, e a vitória do ultranacionalista Theodoros Deligiannis nas eleições parlamentares seguintes completou o cenário político favorável às Olimpíadas.

Atenas 1896, porém, não sairia do papel, não fosse o rico empresário George Averoff, que doou 920 mil dracmas e foi o grande responsável pela reforma do Estádio Panatenaico, sede da maior parte das disputas do atletismo, inclusive sendo palco da chegada da maratona, e cujas obras duraram aproximadamente um ano, de 1895 até abril de 1896.

Abertura dos I Jogos Olímpicos no Estádio Panathinaiko, em 1896, Atenas.

O sucesso dos Jogos Olímpicos de Atenas rendeu mais popularidade ao rei Jorge I e à família real grega. Coube ao soberano ser, em 6 de abril daquele ano, o primeiro chefe de Estado a declarar, solenemente, a abertura de uma edição de Jogos Olímpicos, sob os aplausos efusivos da plateia que enchia os 80 mil lugares das arquibancadas de mármore do Panatenaico.

(Mais detalhes sobre a Grécia ao tempo de Atenas 1896 são encontrados no Capítulo 1 de JOGOS POLÍTICOS DA ERA MODERNA, disponível na plataforma Amazon.)


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Paulinho Oliveira

Jornalista (MTb 01661-CE), formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2004.Escritor, com duas obras publicadas: GUERREIROS DE SANTA MARIA (Fortaleza, Premius Editorial, 2013, ISBN 9788579243028) e JOGOS POLÍTICOS DA ERA MODERNA (Fortaleza, publicação independente, 2020, ASIN B086DKCYBJ).

Como citar

OLIVEIRA, Paulinho. Atenas 1896 – Grécia: um país recém-independente e já bastante endividado. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 19, 2021.
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