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A base vem forte, mas quem vê?

Luciane de Castro 14 de janeiro de 2018

E eis que chegou o sábado recheado de ressaca pós uma sexta-feira de projetos encaminhados, encontros que cansaram de ser protelados e finalmente aconteceram e desopilança necessária.

No meio disso tudo, sou lembrada que é o dia de subir o texto para o querido Ludopédio. Entre o desespero de não encontrar/ter um mote decente e o tempo pra junção das palavras todas, recorro a internet. E quando bem usada, ela salva.

Professora Katia Rúbio faz uma sugestão sensacional, mas que demanda um tempo de pesquisa mínima pra desenrolar o assunto, o que não tenho condições neste momento. Me lembra o companheiro Jesus que não temos futebol nesta época. O que, convenhamos, é um mote.

Mas temos Sul Americano Sub-20 rolando. Você sabia?

Convém lembrar que a sub-20 é importante por ser a categoria imediatamente anterior à principal e de onde devem vingar atletas para os próximos ciclos olímpicos. O mundial, que será disputado na França entre os dias 5 e 24 de agosto, é importante e deve servir de ponto de observação para diversas seleções visando a Copa do Mundo de 2019, também na França.

Se temos algumas manifestações de interesse nos jogos da seleção feminina principal, o número de pessoas interessadas em acompanhar o Sul Americano Sub-20 cai drasticamente. Não por desinteresse puro e simples, mas mais por falta de conhecimento.

São 10 seleções brigando pelo título e vaga no Mundial da França deste ano. A seleção brasileira, ainda sob o comando de Doriva (que incrivelmente não perdeu o cargo mesmo com eliminações no Mundial do Canadá em 2014 e na Papua Nova Guiné em 2016) está no Equador com um reforço louvável: Daniela Alves.

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Daniela Alves (branco) participa do treino da Seleção Feminina Sub-20 na Granja Comary. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

A ex meio campista da seleção brasileira e notável por seu futebol, integra a comissão técnica da Sub-20 e tem transferido seu conhecimento para as meninas. Lamentavelmente, não conseguimos saber o quanto houve de evolução no coletivo da seleção, já que não temos nenhum canal por onde acompanhar.

O Sul Americano teve início neste sábado, 13/01, com dois jogos do grupo A: Colômbia x Paraguai e Equador x Argentina. Neste domingo, 14/01, jogam seleções do grupo B: as brasileiras enfrentam a seleção do Chile, a partir das 19h15 (horário local) e a Venezuela enfrenta o Uruguai.

Mas a pergunta retorna: Como saber a quantas anda a seleção sub-20 se não temos transmissão?

Acompanhei algumas manifestações no Twitter sobre a ausência de transmissão dos jogos do Sul Americano e elas são legítimas. Se a Conmebol determinou que os clubes que disputarão a Libertadores a partir de 2019, deverão ter equipes femininas, por que não providenciou transmissão para os jogos do torneio qualificatório para o Mundial da França?

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Seleção sub-20 treina para o Sul-Americano. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Suas ideias não correspondem aos fatos
Tomo as palavras de Cazuza para reforçar o que é tomado como praxe no universo do futebol feminino: dizer uma coisa e fazer outra ou cobrar do outro uma atitude que a gente não tem.

Pleno século XXI e ainda temos que cobrar TRANSMISSÃO de competição oficial. A entidade responsável pelo futebol sul americano cobra dos clubes a implementação de times femininos, mas não faz o mínimo do mínimo para a massificação da modalidade, que é justamente a transmissão.

Como posso gostar ou não gostar de algo que desconheço a existência? Alguém me explica, como se eu tivesse, sei lá, uns 4 anos, como é possível demonstrar gosto ou aversão por algo que eu sequer sei que existe?

Não tem espaço para o Sul Americano Feminino Sub-20, mas tem pra jogo amistoso masculino. Não tem espaço para a Libertadores Feminina, mas tem toda uma grade destinada para a competição mais importante da base masculina.

Não sei vocês, mas ando bastante cansada das mesmas conversas sobre transmissão de jogos. Dizem que a modalidade está avançando, mas não lidam de maneira adequada com uma das partes fundamentais na construção da sustentabilidade do jogo das mulheres: a mídia, mais especificamente, a televisão.

Como construir interesse por um assunto se ele não aparece pra ninguém? E é fácil incutir esse interesse. Pelo século XXI e ainda temos que cobrar transmissão de jogos do feminino e ficar caçando algum link bom para ver as competições que nos interessam.

A gente sabe que a base vem forte, mas quem está vendo? Como cobrar DE VERDADE um técnico por resultados, se o que ele faz não é amplamente acompanhado?

Se a desculpa esfarrapada sobre resultados foi utilizada com a Emily em jogos amistosos, estou curiosa para saber como ficará Doriva caso fracasse mais uma vez no Mundial. E olha que já estou colocando o Mundial na conta de competições que disputaremos porque se classificar na América do Sul é OBRIGAÇÃO.

Como podemos cobrar o trabalho de um técnico, se não sabemos que material humano ele tem nas mãos e como está fazendo para seu melhor desenvolvimento? Como podemos verificar a habilidade das meninas que são convocadas, se não temos uma competição sub-20 em nível nacional ou estadual, para fazer essa avaliação?

A base vem forte que a gente sabe, mas quem vê? Acho que é dever das instituições que se dizem donas do jogo, fazer o possível e o impossível para levar aos milhões de aficionados pelo futebol, todos os jogos com os quais estas instituições enchem o bolso. Porque sobre essas maneiras de encher o bolso, todos nós assistimos, lemos, e ouvimos. Essa “base” é forte e todo mundo vê.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. A base vem forte, mas quem vê?. Ludopédio, São Paulo, v. 103, n. 14, 2018.
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