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Beckenbauer e Zagallo: símbolos de alto rendimento da era de ouro do futebol

Matheus Galdino 11 de fevereiro de 2024
Zagallo - Beckenbauer
Como jogadores e como técnicos, a dupla que faleceu na mesma semana atravessou cinco décadas como referência das duas escolas mais vencedoras do futebol mundial. Eilmes/picture alliance via Getty Images


Memórias ecoam, sobretudo quando testemunhadas com a genuína emoção de quem as protagoniza. Um privilégio sociocultural que aproxima seres humanos e, por vezes, desafia a nossa relação com o tempo. Acontece na música, na culinária, no esporte. Memórias pertencentes a universos românticos, cíclicos e recursivos, cuja perícia artística se manifesta mediante o cultivo e a celebração de seus protagonistas.

Mário Jorge Lobo Zagallo e Franz Beckenbauer tornaram-se lendas memoráveis do fenômeno futebol. Ícones que transcendem gerações e culturas esportivas, justamente por suas capacidades em implementar, inovar e influenciar comportamentos enquanto atuavam dentro e fora do terreno de jogo.

Para as ciências do esporte, Zagallo e Beckenbauer personificam a expertise. Ao serem capazes de identificar e diferenciar padrões de jogo, antecipando as sequências de ações entre os jogadores de suas equipes de modo a aprimorar o desempenho esportivo durante uma competição, os indivíduos tido como expertos (sejam eles atletas ou treinadores) se distinguem por sua eficiência em produzir benefícios coletivos. Historicamente, por exemplo, Zagallo é respeitado como o pioneiro da variação tática que fortaleceu o equilíbrio entre os setores ofensivo e defensivo da seleção brasileira no bicampeonato mundial de 1958 e 1962. Por sua vez, Beckenbauer é invariavelmente reconhecido a partir da função de líbero, inicialmente voltado a fortalecer o sistema defensivo, mas que o permitiu orquestrar a construção do jogo ofensivo da seleção alemã rumo ao seu segundo título mundial em 1974.

Especialmente na complexa dinâmica prática de um jogo de futebol, as inovações se nutrem por especialistas técnico-táticos. Talvez por isso a expertise no ambiente esportivo tende a evoluir por meio da aquisição de habilidades técnicas, da capacidade de antecipação e da transferência na leitura de jogo, bem como pela experiência motora e cognitiva percebida pelo indivíduo que desempenha as ações no alto rendimento. A prática e o engajamento contínuo na modalidade expõem o atleta e/ou o treinador a distintas intervenções perceptivas, motoras e cognitivas, incluindo oportunidades de desenvolvimento do talento em questão por meio de treinamentos visuais e verbais, que apoiam o aprendizado implícito.

Ao avaliar os potenciais estágios de desenvolvimento da sua expertise perceptiva-cognitiva, por exemplo, os treinadores ampliam as suas habilidades de leitura, identificação e interpretação de padrões de comportamento em sessões de treino e ações reais de jogo. Tais habilidades se relacionam à utilização de movimentos corporais, direcionamento visual e informações contextuais que possam auxiliar a previsão e a antecipação de situações de jogo, contribuindo com a resolução de problemas e decisões no ambiente competitivo.

É válido argumentar que o tempo lapida a experiência humana. Vinte anos, então, fomentam coincidências à parte. Isto porque enquanto o Brasil conquistara a sua terceira Copa do Mundo em 1970 regido por Zagallo como treinador, a Alemanha atingira o seu tricampeonato mundial em 1990 com Beckenbauer na condução do comando técnico. Resumindo a representatividade de ambos em números, Zagallo esteve presente em sete Copas do Mundo, disputando cinco finais. Já Beckenbauer competiu em cinco Copas do Mundo, chegando a quatro finais. Um seleto e exclusivo dueto de campeões mundiais como atletas e treinadores (posteriormente expandido a um trio histórico, já que foram acompanhados pelo francês Didier Deschamps desde 2018).

Símbolos do alto rendimento, sinônimos de conhecimento tácito. Sob essa perspectiva, o treinador experto aprofunda o significado das mensagens, adapta-se com maior flexibilidade e reconhece padrões de comportamento com rapidez em seu domínio de atuação. Por outro lado, embora sejam hábeis propagadores de confiança e criatividade, treinadores instintivos que se baseiam estritamente no conhecimento tácito e abstrato são condicionados com maior frequência à sua intuição para articular e explicar suas decisões.

Parafraseando Albert Einstein: “Somente aquele que se dedica a uma causa com toda a sua força e alma pode ser um verdadeiro mestre. Por essa razão, a maestria exige tudo de uma pessoa.” Logo, torna-se possível considerar como a expertise e a maestria caminham juntas, ecoando as memórias que as acompanham.

Descansem em paz, Kaiser e Velho Lobo. Os amantes do futebol vos agradecem.The Conversation

Matheus Galdino, Mestre em Gestão Esportiva da Universidade do Esporte da Alemanha, Bielefeld University

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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Como citar

GALDINO, Matheus. Beckenbauer e Zagallo: símbolos de alto rendimento da era de ouro do futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 11, 2024.
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