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Blumenau: uma cidade, dois clubes e nenhum time

Albio Fabian Melchioretto 5 de setembro de 2023

O município de Blumenau tem a terceira maior população de Santa Catarina, o quarto PIB, entre as cidades do estado, e é reconhecido nacionalmente pela Oktoberfest – uma das maiores festas de memória alemã, fora da Europa. No esporte é celeiro de resultados em diversas modalidades como basquete, vôlei e atletismo. Tem um retrospecto histórico relevante nos Jogos Abertos de Santa Catarina (JASC) – espécie de olimpíadas estaduais. Entretanto, no futebol, amarga uma realidade de fracassos.

Em um domingo, 6 de agosto, o Clube Atlético Metropolitano, foi eliminado da Série B do Catarinense, onde, em 10 jogos disputados, venceu apenas 2, empatou 1 e amargou 7 derrotas, com três trocas de técnico. O torneio foi composto por 9 agremiações, com 8 classificados para a fase final. Nas últimas 4 rodadas, havia chance de não classificação. O outro clube da cidade, o Blumenau Esporte Clube, BEC, disputará a terceira divisão do estado, ainda nesta temporada. 

Diante disto, este artigo objetiva refletir sobre algumas condições que justificam a ausência de um clube de futebol competitivo na cidade de Blumenau. Para tal utilizar-se-á da literatura jornalística como fonte, e da escrita ensaística, como estratégia para refletir três condições. Primeiro, a ausência de um estádio na cidade de Blumenau; por segundo, o distanciamento do empresariado local e a terceirização do departamento de futebol como problemas a ser enfrentado pelos clubes citadinos, como última condição.

Antes de analisas os aspectos anunciados, pensar a história local é um subsídio interessante para sustentar os argumentos que serão apresentados. O BEC “original”, quem tem uma história diferente do atual BEC, remonta a sua história para 1919, quando foi criado como Brasil Football Club. Já na sua segunda década de vida, teve o nome alterado para Recreativo Brasil, devido a dívidas. Pela lei varguista de guerra, em 1944, chamou-se Palmeiras, em homenagem à Rua das Palmeiras, onde esteve o velho Deba (estádio Aderbal Ramos da Silva), hoje demolido, como lembra Glatz (2022). O maior título conquistado pelo BEC foi o torneio estadual da Série B, em 1987.

Blumenau Esporte Clube
Fonte: Wikipédia

Além do velho BEC, o município contou com a participação de outras equipes no certame estadual. O maior vitorioso foi o Grêmio Esportivo Olímpico, que levantou o Catarinense, da primeira divisão, em duas ocasiões, 1949 e 1964. Também criado em 1919, com o nome de Football Club Blumenauense. Este foi erguido por imigrantes alemães, mudou a sua denominação em 1949 para Grêmio Esportivo Olímpico. Segundo Glatz (2022) o Olímpico desativou o seu futebol profissional nos anos de 1970, continua hoje apenas como um clube social.

O futebol em Blumenau nasceu dividido. De um lado, os descendentes de Hermann Blumenau e associados, de outro, o ideário nacionalista que tentava imprimir valores de brasilidade nas práticas desportivas. A rivalidade, da colônia ocupada às margens do Rio Itajaí, atingia os gramados, além das disputadas nos clubes de caça e tiro, e no remo, tradicionais na região, como destaca Petry (1982). Brasileiros e alemães em campos ideológicos diferentes.

Nos anos de 1980, na esteira das várias fusões de clubes pelo estado de Santa Catarina, o Palmeiras, novamente cheio de dívidas, alterou o seu nome, para Blumenau, aproximou-se do Olímpico, assumindo a cor grená, o branco veio do Guarani, da Itoupava Norte. O novo tricolor apresentou cores de união, mas isso não significou uma fusão de propósitos e ideais. Tanto que, a sua excursão pelos gramados durou apenas duas décadas.

A história do futebol na cidade mostrou uma condição, mas ela não é a única para entender o fracasso futebolístico, numa cidade economicamente relevante. As questões da história são fundamentais para entender o contexto que o futebol se encontra, mas há outras condições, do tempo presente, que contribuem para a reflexão do momento presente do futebol.

A começar pela ausência de um estádio de futebol. A cidade tem hoje o Complexo Esportivo Bernardo Wolfgang Werner, o Monumental do SESI, ligado a FIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina), conforme descreve ALESC (2023). Ele não cumpre com as normativas de segurança, exigidas pelos órgãos reguladores, para receber jogos profissionais de futebol. O Metropolitano manda os seus jogos em Ibirama, e o BEC, na cidade de Indaial.

Monumental do SESI
Monumental do SESI. Fonte: divulgação

Os torneios citadinos, na primeira parte da segunda metade do século passado, mostraram vários “campos” na cidade com potencial de tornar-se grandes estádios. Espaços já utilizados em competições profissionais de outrora. Todos pararam no tempo, forçando uma expressão. Parar no sentido de, não se adequar as exigências do tempo presente. O estádio não é apenas o espaço do jogo, mas o celeiro onde a torcida cria vínculos afetivos com o mandante, onde a dança dos deuses acontece (Franco Jr., 2007).

A escolha de Metropolitano e BEC, por mandarem os seus jogos longe da cidade sede, evidencia um distanciamento com o torcedor, que sem vínculo atual, recorre à memória para forçar uma aproximação. O distanciamento esfria, a formação de novos torcedores é prejudicada, porque tudo está na distância e não faz parte do dia a dia da cidade. Mesmo que os veículos de imprensa falem da campanha dos times, ela nunca é uma entidade presente, este sempre fora de casa. A casa, como lugar afetivo, não é criada ou gerada na memória do torcedor, se não há casa, há apenas a vizinhança, há sempre o outro. Quando se fala dos clubes, fala-se do outro, daquele que está longe.

Evidente que existem questões econômicas de interesse do mantenedor do estádio, questões políticas envolto na municipalização do Monumental do SESI, mas não é de interesse do texto explorá-las. Mas sim, apontar a ausência da casa como um problema afetivo entre os clubes, a cidade e os torcedores.

Para além do estádio, ou da ausência de aporte financeiro para se construir, ou se adequar o existente as exigências, há as condições financeiras para fazer um time jogar. Para desenvolver algumas linhas, delimitar-se-á a reflexão ao Metropolitano, pois é o único em ação, no momento da escrita do texto. O clube disputou a Série B, de 2023, com 10 marcas de patrocinadores, conforme o site do clube. Considerando a sede de cada empresa, apenas 50% delas são da cidade. Isso é um problema? Não.

Entretanto, há um fator limitante para a criação de uma marca forte regionalmente. Ao se tomar os clubes da Série A do brasileiro, constatar-se-á que a regionalização do patrocínio não é uma condição, mas cabe lembrar que existe outra realidade, tanto financeira, quanto de exposição das marcas, tanto dos patrocinadores, quanto dos clubes.

Clube Atlético Metropolitano
Fonte: Wikipédia

Na temporada de 2022, o Metropolitano foi patrocinado por um centro comercial. Durante a competição havia faixas e cartazes em frente do prédio anunciado os jogos e o clube. A ideia de localismo, no nível de competição estadual, é um elemento de desenvolvimento regional. Gera-se a associação da marca ao clube, tornando visível as ações para além das quatro linhas. A independer do jogo e dos resultados, o clube estava na faixada do centro comercial. Um envolvimento que cria uma relação diferenciada com o torcedor.

O apoio de marcas locais vai além do dinheiro para manter as atividades do clube. É uma questão de vínculo, de comunicação afetiva entre os envolvidos. Uma simbiose entre clube, patrocinador e consequentemente, torcedor, recordando os princípios de identidade de marca, apontadas por Raposo (2018).

E por último, a terceira condição que se aponta aqui com um problema, o qual é a terceirização do departamento de futebol. Assim como a reflexão anterior, não é um problema em si, mas é espaço de reflexão. Nos últimos anos, especialmente o Metropolitano, tem terceirizado a condução do departamento de esporte. Mais que o ato é o questionamento sobre como a terceirização aconteceu.

O clube disputou apenas as competições de base obrigatórias pela federação e o torneio da Série B. Não existe calendário anual. Um problema de muitos outros clubes. O departamento de terceiros não investe na formação de atletas, apenas monta e desmonta para o interesse da competição. Fator que limita a criação de um time a longo prazo. Apenas um grupo de jogadores para dar conta de uma temporada de algumas semanas. Sem plano, senão para aquela competição específica. Sem equipe, sem craques, e, sem ídolos. Para quem a torcida gritará nas arquibancadas?

Terceirizar o departamento e abnegar a formação de um elenco forte e de continuidade. O BEC, quando venceu a Série C em 2021, disputou com elenco base do Sub20 do Joinville. Camisa de aluguel. Condição que não é exclusiva das equipes de Blumenau. O torcedor via uma camisa em campo com jogadores de outro time.

Em suma, oferece-se uma análise das condições que explicam a ausência de um clube de futebol competitivo em Blumenau. Explorou-se a história, o contexto atual e aspectos como estádios, patrocínios e terceirização do departamento de futebol. São estas condições que podem, em certo grau, oferecer insights sobre os desafios enfrentados pelos clubes da cidade e por tantos outros que vivem no mesmo ostracismo. O texto também enfatiza a importância de considerar não apenas aspectos econômicos, mas também emocionais e culturais na busca por soluções que possam revitalizar e fortalecer a presença do futebol na vida da comunidade.

Referências

AGÊNCIA ALESC. Blumenau apoia municipalização do Complexo Esportivo do Sesi. Disponível em: <https://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/gabinetes_single/naatz-blumenau-apoia-municipalizacaeo-do-complexo-esportivo-do-sesi/>. Acesso em: 9 ago. 2023.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

GLATZ, Marlos. Entre idas e vindas, Blumenau Esporte Clube completa 103 anos. Disponível em: <https://omunicipioblumenau.com.br/entre-idas-e-vindas-blumenau-esporte-clube-completa-103-anos/>. Acesso em: 8 ago. 2023.

PETRY, Sueli Maria Vanzuita. Os clubes de caça e tiro na região de Blumenau: 1859-1981. Blumenau: Editora da FURB, 1982.

RAPOSO, Daniel. Design de identidade e imagem corporativa: Branding, história da marca, gestão de marca, identidade visual corporativa. Castelo Branco: Edições IPCB, 2008.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Albio Fabian Melchioretto

Doutor em Desenvolvimento Regional, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Regional de Blumenau, (2023); Mestre em educação pela Universidade Regional de Blumenau (2016), com Pós-graduação lato sensu em Mídias e Educação (Universidade Federal do Rio Grande, 2012); Filosofia (Universidade Regional de Blumenau 2010) e Gestão Escolar (SENAC Florianópolis, 2007); graduado em Filosofia pelo Centro Universitário de Brusque (2006) e Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul, 2023. Atualmente, professor pesquisador ligado a Faculdade SENAC Blumenau e pesquisador líder do grupo ECOS (Estudo e Conhecimento SENAC)

Como citar

MELCHIORETTO, Albio Fabian. Blumenau: uma cidade, dois clubes e nenhum time. Ludopédio, São Paulo, v. 171, n. 5, 2023.
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