170.17

Breves notas sobre o recente mata-mata da Libertadores em seus (re)encontros

Fabio Perina 17 de agosto de 2023

Esse texto será dividido em um breve mapeamento comentado dos recentes confrontos e reencontros. E a seguir alguns comentários um pouco mais profundos buscando articular as violências e polêmicas neles envolvidos. Na falta de tempo nos últimos meses para comentar sobre a FASE DE GRUPOS da atual edição, primeiro cabe mencionar alguns daqueles (re)encontros que aproximam passado e presente:

Racing-ARG x Flamengo-BRA (tal qual oitavas de final de 2020 com classificação da “Academia” nos pênaltis)

Nacional-URU x Inter-BRA (tal qual a épica final de 1980 com título do “Bolso”)

Palmeiras-BRA x Cerro Porteño-PAR (tal qual oitavas de final de 2018 e 2022 com classificação alviverde, além de inúmeros em fases de grupos por edições anteriores)

River Plate-ARG x Fluminense-BRA (tal qual fase de grupos de 2021)

Del Valle-EQU x Corinthians-BRA (tal qual semifinal da Sulamericana de 2019 com surpreendente classificação equatoriana rumo ao título)

Boca Juniors-ARG x Colo Colo-CHI (tal qual a épica semifinal de 1991 com classificação do “Cacique” rumo ao título)

Atlético-MG x Athletico-PR (tal qual final da Copa do Brasil de 2021 com título mineiro)

Atlético Nacional-COL x Olimpia-PAR (tal qual a épica final de 1989 com título colombiano após interminável definição de pênaltis)

Oitavas de final

Nas quais além de destaques históricos, colocando entre parêntesis o número de taças de cada um para se ter a dimensão do peso da história presente em campo, a seguir um resumo das principais polêmicas e confusões:

– Épica “remontada” do Racing-ARG (1) sobre o Atl. Nacional-COL (2) de 2×4 para 3×0

– Épica classificação do Boca-ARG (6) x Nacional-URU (3) por pênaltis (assim como no mesmo confronto de 2017). Menção adicional da imensa expectativa de agora em diante de tentar salvar uma temporada mediana na Liga local, sobretudo pela estréia do craque veterano uruguaio Cavani. Quem rompeu o caminho previsível de um final descendente de carreira: nem voltou a seu país de origem nem foi “desbravar” algum novo mercado como o árabe ou o estadunidense conforme tantos nessa atual janela de transferências. Mas sim fez questão de conhecer e sentir um dos estádios mais icônicos da Libertadores e do mundo que é a Bombonera. Uma menção adicional sobre a ida em Montevidéu com intensa repressão da polícia uruguaia contra torcedores argentinos. O que exigiu um reforço na preparação preventiva para a volta em Buenos Aires tal qual um operativo de Superclássico.

– Duelo de potências emergentes entre Pereira-COL x Del Valle-EQU com classificação colombiana

– Imensa expectativa no repetido duelo brasileiro entre Palmeiras (3) x Atlético-MG (1) assim como em 2021 e 2022. Portanto uma crônica que por si só já fomentaria um texto inteiro de confrontos que entregaram aos torcedores tanta qualidade de jogo quanto de emoção. Havendo nova classificação alviverde, novamente em resultados muito apertados, assim como em 2021 por gol fora e em 2022 pelos pênaltis, e com imensas polêmicas de arbitragem com reclamação atleticana em cada caso.

Atlético Mineiro
Foto: Pedro Souza / Atlético/Fotos Públicas

– Duelo de potências emergentes entre Bolívar-BOL x Athletico-PR com classificação boliviana

– Inter-BRA (2) x River Plate-ARG (4) com a definição de pênaltis mais agônica dessa edição com inúmeras cobranças e até mesmo revisão de VAR em batia irregular por duplo toque. Se já não fosse pouco, também aleatória foi a necessidade de alterar a área das cobranças devido a más condições do gramado. Uma menção adicional que o River novamente se encontra em cenário totalmente oposto nos últimos anos ao seu rival Boca: o “Millonario” se especializa em ligas por pontos corridos e o “Xeneize” se especializa em copas por mata-matas. Assim como o “sistema” midiático argentino (também conhecido pejorativamente como “Bover” por falar apenas de Boca e River) incita essa e outras discussões polarizadas permanentes: como qual estádio é mais copeiro e decisivo, o Monumental ou a Bombonera, e como qual goleiro veterano é mais decisivo em decisões por pênaltis: Chiqui Romero no Boca (mundialista de 2010 e 2014) ou Franco Armani no River (mundialista de 2018 e 2022).

Fluminense
Foto: Marcelo Gonçalves/Fluminense FC/Fotos Públicas

– Polêmica foi também o que não faltou dentro e fora de campo no Fluminense-BRA x Argentinos Jrs.ARG (1). Aliás, um confronto por si só de partida conter a curiosidade da única taça já conquistada em campo ser do “Bicho” e não do Tricolor, quem se “ilusionou” em repetir a proeza de 1985 de calar o Maracanã rumo à glória eterna. Na ida, pelo tão comentado lance da fratura de Sanchez ocasionada acidentalmente pelo lateral Marcelo, e que por si só já fomentaria um único texto sobre valores e regras no esporte como um todo. Na volta, com enorme clima de revanche, briga entre torcedores na praia e repressão policial contra os argentinos no Maracanã seguida de prisão. Uma menção histórica adicional ao agônico encontro entre ambos na fase de grupos de 2011 com classificação tricolor no campo do adversário e grande briga entre jogadores, naquele elenco conhecido como “time de guerreiros”.

Internacional
Foto: Ricardo Duarte/Internacional/Fotos Públicas

– Por fim, no Olimpia-PAR (3) x Flamengo-BRA (3) houve de fato uma revanche concluída pelo clube paraguaio após duas goleadas sofridas em 2021. A paridade formal entre dois tricampeões esconde o abismo real do alvinegro paraguaio ter revertido uma improvável classificação em proeza. Inclusive passando a se “ilusionar” mais do que nunca de repetir os passos de seus títulos anteriores, nos quais ao eliminar o vigente campeão. E por fim uma menção adicional que essa façanha por um lado infelizmente frustrou tricolores e rubro-negros que esperavam um Fla x Flu na próxima fase (e assim se encontrariam novamente tal qual já esse ano no Campeonato Carioca e na Copa do Brasil com um triunfo de cada lado), porém por outro lado felizmente permite muitos torcedores de vários clubes se “ilusionarem” que nem sempre o maior poder financeiro vence e ainda há brechas para vitórias de surpresas emergentes e sobretudo clubes tradicionais aparentemente esquecidos nos últimos anos.

Quartas de final

Além dos confrontos com claro favoritismo, Palmeiras-BRA x Pereira-COL e Inter-BRA x Bolívar-BOL, os demais confrontos que virão fomentam um interessante clima de reencontro e revanche: Boca-ARG x Racing-ARG tal qual em 2020 e Olímpia-PAR x Fluminense-BRA, sendo que nos primeiros encontros houveram classificações do “Xeneize” e do “Decano”. Uma menção adicional sobre o confronto argentino que virá. Dentro de campo vem sendo o clássico mais repetido nos últimos anos em instâncias de eliminatórias, o que aumenta o clima de revanche. Porém fora de campo rapidamente teve decretada pelas autoridades a condição de proibição de visitantes, fazendo o regulamento continental se adequar à lei argentina em partidas de Liga nacional (porém inexplicavelmente não por partidas de Copa nacional).

Balanço: arbitragem, violência policial e racismo

Após esse panorama, parto novamente para aquele movimento comum em meus textos de pensar as questões de dentro de campo para fora de campo, Através de algumas percepções iniciais a possíveis elementos a serem ampliados, tendo destaque em negrito 3 delas, das quais apenas a segunda desenvolverei mais por ser o que mais pesquiso e o menos visibilizado em sua repercussão. No conjunto dos confrontos houve várias classificações de brasileiros e várias eliminações de argentinos, tal qual nas últimas edições. Acompanhando um pouco do noticiário “mainstream” de Brasil e Argentina e um pouco de “youtubers”, se esboçam intensas disputas discursivas. Com cada lado tendo muita convicção que a Conmebol (o “sistema”) beneficia abertamente o lado rival sobretudo com arbitragem. Havendo de um lado muitos brasileiros que alegam algo do tipo: “somente com irregularidades que os argentinos voltarão a ganhar a Libertadores”, enquanto do outro lado há muitos argentinos que alegam algo do tipo: “somente com irregularidades que os brasileiros seguirão ganhando a Libertadores”, vide haver um imenso mercado consumidor de audiência televisiva, e com um agravante nessa edição da final única ser o Maracanã.

E até mesmo no uso do problema endêmico da violência policial contra torcedores, sendo 3 casos no Brasil de um total de 4 para a breve amostra selecionada. Sobretudo de torcedores brasileiros e alguns comentaristas com algo parecido como: “Lá fora sofremos quando viajamos para torcer, mas aqui eles são bem tratados até demais”. Uma convicção bastante incompleta, amparada apenas na experiência ou percepção pessoal imediata, desconsiderando que no dia-a-dia dos estádios argentinos há várias e profundas violências, dentre eles a repressão policial, por uma série de fatores e circunstâncias que não aprofundarei. Cabe apenas fazer menção à premissa crucial que a violência policial não é “inventada” apenas contra o torcedor estrangeiro, mas ela se potencializa em relação a condições prévias dessa violência contra torcedores de um modo geral e principalmente contra as classes populares de forma mais geral ainda. Vide como nota de conjuntura no noticiário geral de política e sociedade dos dois países serem fartas as informações e análises sobre casos violentos os mais diversos.

Em suma, esse segundo elemento se articula cada vez mais a outro do racismo. Aqui basta concluir que xenofobia contra “eles” jamais será “remédio” diante do racismo “deles”. Evidências disso tem sido a concentração de casos notórios de racismo de argentinos contra brasileiros justamente em uma mesma semana nas seguintes partidas: no dia 8 de agosto no Fluminense x Argentinos e no Newell’s x Corinthians (com o agravante de uma “avalanche” e tentativa de invasão ao setor visitante para confronto entre torcedores) e no dia 10 no São Paulo x San Lorenzo. (Obs: como breve comentário sobre a Sul-Americana, na competição novamente se ligará um alerta máximo pelo próximo confronto Estudiantes x Corinthians. E poderão ocorrer possíveis confrontos brasileiros nas próximas fases entre Botafogo, São Paulo e Corinthians. Assim como ocorrerá um confronto América-MG x Fortaleza de novos clubes emergentes se acostumando a “pegar casca” em copas continentais).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Breves notas sobre o recente mata-mata da Libertadores em seus (re)encontros. Ludopédio, São Paulo, v. 170, n. 17, 2023.
Leia também: