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Caso Rojas: o dia que uma farsa quase tirou o Brasil da Copa

No dia 3 de setembro de 1989, o Brasil recebeu o Chile, no Maracanã, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1990. Ao final do jogo, dois improváveis personagens foram os destaques: Rojas e Rosinery Mello, a Fogueteira do Maracanã.

Foto: Wikipedia.

Há uma irrefutável aura folclórica que recobre o futebol dos anos 1980. Principalmente na América Latina, muitas disputas ultrapassaram as quatro linhas do gramado e fizeram aquela década palco de batalhas como as finais da Libertadores de 1981 e 1983 para citar apenas as que vem primeiro a memória.

Entre seleções, a situação era um pouco mais organizada, mas nada que impedisse a monumental confusão envolvendo Rojas, considerado um dos melhores goleiros da história chilena, e uma série de eventos que poderiam inclusive tirar a Seleção Brasileira pela primeira vez de uma Copa do Mundo.

A Seleção Brasileira, dirigida pelo contestado Sebastião Lazaroni, disputava as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1990 e, justamente, naquela noite de setembro enfrentaria o Chile pela última rodada do grupo 3, precisando da vitória para conquistar a vaga no Mundial da Itália.

O Chile não veio ao Brasil para passear e em caso de triunfo em solo carioca, os chilenos estariam classificados para a Copa. O jogo não seria fácil e, se perdessem, venderiam caro a derrota.

Foi com esse espírito, de vencer a qualquer custo, que o time chileno entrou em campo. O goleiro Roberto Rojas entrou no gramado com uma ideia um pouco além da motivação pela partida.

O caso Rojas

Aos 24 minutos do segundo tempo, quando o Brasil vencia por 1 a 0, com gol de Careca, um lance mudou o rumo da partida e quase alterou o destino da Copa do Mundo que seria disputada no ano seguinte.

Um sinalizador que caiu no gramado, aproximadamente a um metro de distância de Rojas, causou um escândalo que quase tirou o Brasil da Copa, um pequeno incidente diplomático e acabou com o banimento futebolístico do goleiro chileno.

Rojas, de maneira premeditada, foi a campo com uma lâmina dentro da luva e quando viu o sinalizador cair tão perto decidiu que era hora de colocar em ação seu plano. Na confusão o goleiro começou a se contorcer como se sentisse muita dor e sem que ninguém pudesse perceber, tirou as lâminas da luva e cortou o próprio supercílio.

O sangue na roupa do goleiro assustou todos que se aproximaram e foram impactados com a dimensão da lesão. Às pressas o goleiro foi carregado aos vestiários do Maracanã, os jogadores chilenos também se recolheram e após meia hora de negativas da Seleção Chilena em retornar ao gramado, o árbitro da partida, Juan Carlos Lostau, encerrou o jogo.

https://www.youtube.com/watch?v=JuDIzR00JWE

O imbróglio estava armado e a vaga para a Copa do Mundo, provavelmente, seria decidida nos tribunais. A situação gerou inclusive um pequeno problema diplomático: jornais da época relataram que em Santiago, os torcedores comemoravam como se o Chile tivesse obtido a classificação e a embaixada brasileira foi apedrejada.

Rosinery Mello, que depois ficaria conhecida como a “Fogueteira do Maracanã”, foi a responsável pela controversa comemoração que possibilitou a encenação de Rojas, partiu dela o sinalizador atirado no gramado. Ela foi presa depois do jogo, depôs e junto a outras evidências, a farsa de Rojas começou a ruir.

Rosinery Mello, apenas alguém no lugar errado

À polícia, Rosinery contou que não tinha experiência com sinalizadores e que havia perdido o controle do artefato quando tentou acender e o explosivo tomou o rumo do gramado.

Eurico Miranda, então diretor da CBF, foi o primeiro a denunciar a farsa. Dizia nos bastidores e a quem mais quisesse ouvir que “rojão não corta, e se cortasse, teria queimado o rosto do goleiro”. A prova cabal veio quando surgiram as primeiras fotografias do argentino Ricardo Alfieri que capturou as imagens do exato momento em que o rojão atinge o gramado do Maracanã a pelo menos um metro de distância de Rojas.

A sequência do fotógrafo argentino mostra claramente o goleiro chileno rolando para próximo do explosivo. No dia seguinte, o Jornal Nacional apresentou uma cobertura épica que em mais de nove minutos de reportagem desmontou a farsa de Rojas e colocou o goleiro chileno como um dos grandes vilões do Brasil nos anos 1980.

Descoberto o golpe, as punições começaram com uma celeridade e severidade poucas vezes vista em decisões da FIFA. A Seleção Chilena foi suspensa por quatro anos das competições organizadas pela instituição e não pôde sequer disputar as Eliminatórias para a Copa de 1994.

Astengo, o zagueiro que apareceu ao lado do goleiro no momento do lance, foi suspenso por quatro anos. O técnico Orlando Aravena, o médico Daniel Rodríguez e o dirigente Sergio Stoppel foram banidos permanentemente do futebol assim como Roberto Rojas, mas o goleiro recebeu em 2001 uma anistia. Recentemente em entrevista a Benjamin Back, Rojas admitiu o erro:

“Me cortei com uma gilete e a farsa foi descoberta. Foi um corte à minha dignidade. Foi um minuto de estupidez”.

Depois da farsa

Além dos efeitos futebolísticos o caso teve um desdobramento que não é privilégio da atualidade: concedeu 15 minutos de fama a alguém, Rosinery Mello foi a agraciada da vez. Depois da prisão em flagrante, foi solta quando descobriu-se a farsa e chegou a fazer certo sucesso, principalmente com o público masculino da época, fato que a levou a posar nua e ser capa da revista Playboy. O apelido pegou e a perseguiu até sua prematura morte, em 2011, aos 45 anos, vítima de um aneurisma cerebral.

Após o perdão da FIFA, Roberto Rojas se tornou um grande treinador de goleiros e marcou época no São Paulo, time que o contratou do Colo Colo ainda como atleta e que com a punição, havia ficado sem o ótimo goleiro chileno. Na nova função no Tricolor do Morumbi, Rojas acabou se redimindo ao treinar Rogério Ceni durante boa parte de sua carreira.

Porém, tudo que aconteceu naquele domingo de 1989 e durante as horas que se passaram até que a farsa de Rojas no Maracanã fosse desmascarada, entraram para a controvertida história do futebol brasileiro.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. Caso Rojas: o dia que uma farsa quase tirou o Brasil da Copa. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 16, 2020.
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