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Os clubes potiguares na última divisão do futebol brasileiro

Após muitas incertezas por conta da pandemia da Covid-19, a Série D do Campeonato Brasileiro teve o pontapé inicial no dia 19 de setembro.

Foto: Gabriel Leite / Universidade do Esporte.

A competição reúne representantes de todos os estados da Federação, mas além disso, a Série D apresenta clubes tradicionais inclusive em cenário nacional, jogadores na reta final de suas carreiras, estádios bem distantes do padrão FIFA, péssimas transmissões que escondem jogos em meio à pandemia, e para além do futebol, a última divisão do Campeonato Brasileiro pode ser interpretada como uma reprodução das desigualdades brasileiras.

No Rio Grande do Norte, a participação dos clubes locais se divide em duas linhas. Globo e Potiguar de Mossoró têm perfis diferentes, mas não há quem questione o atual lugar que ocupam no futebol nacional. Entre torcedores de ABC e América, existe a sensação de que não estão no lugar que lhes é devido, mesmo que os dois clubes mais tradicionais do estado tenham traçado trajetórias dignas de figurar na Série D.

Tanto a forma como chegaram à última divisão do futebol brasileiro, quanto o momento por qual passam na competição diferem entre os quatro. O que liga o futebol potiguar à Série D, sem dúvidas, é uma falência generalizada do ponto de vista de manutenção dos clubes fora dos grandes eixos do país.

A seguir vamos resgatar a trajetória de ABC, América, Globo e Potiguar, além de aproveitar que a Série D está em andamento para contextualizar como estão os quatro potiguares.

ABC

O Alvinegro da Frasqueira nunca havia visitado a Série D, mas depois de duas temporadas na Série C, o rebaixamento foi inevitável. A chegada à última divisão nacional é o último efeito de uma crise econômica causada por décadas de gestões incompetentes.

A cartilha de destruição da entidade foi cumprida com louvor e, ano após ano, diretorias acumularam dívidas em contratações além de suas capacidades financeiras e colocaram o ABC no banco dos réus em várias ações trabalhistas. O enredo fica ainda mais cruel quando analisamos o círculo vicioso que tira receita dos clubes conforme eles caem de divisões.

Nesse cenário de decadência, o fundo do poço se aproximava a cada temporada e depois de cair na Série B, em 2017, os anos seguintes foram o prenúncio do desastre. Mesmo assim, após o vexatório rebaixamento como vice-lanterna da Série C, em 2020, o ABC chegou à última divisão nacional amparado pela conquista do Campeonato Potiguar.

No estadual, o Alvinegro superou justamente o arquirrival América, após vencer os dois turnos e ficar com o troféu. O ABC parecia pronto para a disputa da Série D, mas o interesse de clubes de divisões tirou atletas importantes do time.

Foto: Gabriel Leite / Universidade do Esporte.

Por isso, o início não foi como esperado. Apenas um empate com o Itabaiana colocou a dúvida no torcedor abcedista. Depois disso, a goleada sobre o Jacyobá por 7 a 0 e o triunfo sobre o Vitória da Conquista, fora de casa, levaram o ABC à liderança do grupo A4 com 7 pontos.

Apesar do que, agora, pode ser considerado bom início, a caminhada é longa, o ABC ainda vai enfrentar muitos desafios e, em caso de classificação, terá a fase eliminatória, quando, se quiser o acesso, vai precisar de muita força para sair da Série D.

América

Se o título do estadual foi o trunfo para que o ABC chegasse à Série mais leve, o América é a outra face da moeda. Além de ter perdido o Potiguar para o arquirrival, o Alvirrubro amarga a quarta temporada na última divisão do futebol nacional.

Todo o roteiro de depredação do clube que foi cumprido no ABC e o círculo vicioso que segue esse tipo de gestão pode ser aplicado ao caso do América. Porém, no Alvirrubro, a decadência foi mais abrupta, pois após a queda da Série B, em 2014, duas temporadas na Série C, e, desde 2017, o América está soterrado na Série D.

Durante esse período na Série D, o torcedor americano tem muito do que se lamentar, mas a temporada 2020 tem sido um pouco pior que as anteriores. O ano até começou com bons presságios, finalmente foi eleito um presidente fora dos clãs políticos que dividem a direção do clube há décadas. Leonardo Bezerra — anotem esse nome — assumiu cheio de planos para democratizar o América e colocar o clube nos rumos do profissionalismo.

O planejamento foi desenhado com a contratação de um treinador com experiência recente na competição, Waguinho Dias foi o escolhido, principalmente por ter conduzido o Brusque ao título da quarta divisão em 2019.

Com atuação na montagem do elenco, o treinador pensou a temporada do América junto ao presidente. Tinha tudo para dar certo, mas a segunda derrota em um clássico contra o ABC encerrou a passagem do treinador pelo clube da Rodrigues Alves.

Daí em diante o ano americano descarrilou e a pandemia acabou de vez com o planejamento. Roberto Fernandes assumiu um elenco que não montou e pediu contratações. Não deu liga e o América acabou com o vice-campeonato estadual, que ocasionou a segunda demissão de treinador na temporada, além de ser eliminado na Copa do Brasil.

Foto: Gabriel Leite / Universidade do Esporte.

A Série D passou a ser a prioridade do clube e o acesso é tratado como questão de vida ou morte. Um ídolo foi contratado para ser o terceiro técnico do América em 2020, Paulinho Kabayashi chegou sem tempo para treinar e o início não poderia ser outro: em três partidas, foram dois empates e uma derrota.

Ao perder em casa para o Salgueiro, a crise não derrubou mais um treinador como era o esperado, mas dessa vez, Leonardo Bezerra renunciou à presidência do clube e deixou o América mais desgovernado ainda num dos anos mais difíceis de sua existência centenária.

Globo F.C

O mais jovem clube potiguar na Série D foi fundado em outubro de 2012. Desde então percorreu um caminho de sucesso nos primeiros anos com direito a conquistar a segunda divisão estadual logo no primeiro ano de existência e em 2014, o Globo levou o primeiro turno da primeira divisão potiguar.

Em 2015, o Globo disputou a Copa do Brasil pela primeira vez e foi campeão do primeiro turno do estadual novamente. Com isso, ganhou a vaga para disputar a Série D e começou sua caminhada no futebol nacional em busca de repetir o mesmo sucesso local.

Foto: Gabriel Leite / Universidade do Esporte.

E surpreendentemente aconteceu. Em 2017, o Globo conquistou o acesso e foi vice-campeão da Série D após passar pelo URT e perder o título para o Operário na finalíssima. No entanto, na Série C, a Águia de Ceará-Mirim demonstrou que não tinha condições para disputar a terceirona.

Em 2018, o clube sofreu e garantiu a permanência apenas na última rodada, o calvário se repetiu no ano seguinte, mas o rebaixamento foi concretizado após a derrota para o ABC no encerramento da competição.

Após uma participação discreta no Campeonato Potiguar deste ano, o Globo chegou desacreditado para a disputa da Série D, mas conseguiu vencer suas duas primeiras partidas e sofreu um revés contra o Afogados. Com seis pontos lidera o grupo A3 e é uma incógnita para a sequência da competição.

Potiguar de Mossoró

O time da segunda maior cidade potiguar ostenta em suas redes sociais o título de ser o único clube do interior norte riograndense a disputar a Série A do Campeonato Brasileiro. E é verdade, aconteceu em 1979, porém, depois disso, a trajetória é bem discreta.

Nunca chegou à Série B e na C, a última participação já tem mais de 10 anos e mesmo na Série D, o time mossoroense não é dos mais assíduos, com apenas cinco participações. No Rio Grande do Norte, o Potiguar é um dos poucos que conseguiram interromper a hegemonia de ABC e América no estadual ao vencer as edições de 2004 e 2014.

Foto: Gabriel Leite / Universidade do Esporte.

Em 2020, também atingido fortemente pela crise econômica, o Potiguar está longe de figurar entre as principais forças da competição e na terceirona já provou isso com dois empates e uma derrota. Se ainda não venceu, o time mossoroense ao menos pode se gabar de sofrer poucos gols e ainda faz seu torcedor sonhar com um ou outro ponto conquistado, mas na dura realidade da Série D, o mais calejado já entendeu que essa temporada não deve passar da fase de grupos.

A Série D na pandemia

Os estádios sem torcida tornam-se ainda mais vazios nas partidas da Série D, que muitas vezes não contam com o mínimo aparato para realização dos confrontos. Na semana passada, a partida entre Central e Itabaiana atrasou mais de 20 minutos por conta da ausência de ambulâncias no estádio.

No Rio Grande do Norte, a realidade é um pouco diferente principalmente em relação aos estádios de Natal. A Arena das Dunas foi palco de Copa do Mundo e é um dos estádios mais modernos do país, enquanto o Frasqueirão, de propriedade do ABC, é um estádio relativamente jovem, inaugurado em 2006 e tem boas condições em quase todos os setores.

A Série D é onde tudo começa ou termina, depende de onde venha o clube que vai disputá-la. Alcançar o acesso é uma das tarefas mais difíceis no país que se diz do futebol, mas desconhece a última divisão do seu próprio futebol.

Foto: Gabriel Leite / Universidade do Esporte.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. Os clubes potiguares na última divisão do futebol brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 10, 2020.
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