179.13

Colo-Colo e a organização do Campeonato Sul-Americano de clubes de 1948

Hugo da Silva Moraes 12 de maio de 2024

No dia 11 de fevereiro comemora-se 75 anos da Copa América del Sul, competição que inspirou a Conmebol Libertadores. Principal torneio esportivo de clubes da América do Sul, a Copa Libertadores da América foi disputada pela primeira vez em 1960.[1] Dominado até meados dos anos de 1970 por clubes argentinos e uruguaios, o torneio despertava pouco interesse dos clubes brasileiros, dedicados às competições nacionais. Além disso, as tensões políticas entre as confederações brasileira e Sul-americana, os custos elevados e a falta de lisura esportiva refletida principalmente nas más arbitragens, também afastavam as equipes brasileiras da competição sul-americana.

Essa tendência mudou partir dos anos de 1980. Diante de um processo cada vez mais acelerado de mercantilização do futebol sul-americano num cenário global (RINKE, 2007, p. 206), a competição passou a atrair gradativamente a atenção do público e o interesse de clubes, imprensa e patrocinadores. Não por acaso, entre os anos de 1990 e 2000, com ascensão de clubes brasileiros, colombianos, paraguaios e equatorianos, a competição tornou-se mais competitiva.

Dominada desde os anos de 2020 pelos brasileiros, a atual CONMEBOL Libertadores é uma das competições mais populares do continente. Obsessão dos clubes sul-americanos, além da disputa pela “Glória Eterna”[2], a sua fama se estende às premiações, ao retorno comercial de clubes, empresas e confederações.

Colo-Colo e a organização do Campeonato Sul-Americano de clubes de 1948
Imagem 1: Charge representando a Conquista da primeira Libertadores pelo Fluminense. Jornal Lance!, 4 nov. 2023. p.1. Disponível em: https://www.lance.com.br/institucional/ta-no-ar-faca-a-sua-capa-historica-do-lance-para-a-libertadores-2023.html Imagem 2: Jogadores do Internacional erguendo a taça da Copa Libertadores da América. Jornal Correio da Manhã, 19 ago. 2010. p.1. Disponível em: https://historiadoesporte.files.wordpress.com/2024/02/647d6-bra5erg_cdp.jpg Imagem 3: Imagem representando o continente sul-americano. Dentro, destaca-se jogadores do C.R. do Flamengo erguendo o troféu da Copa Libertadores. Jornal Extra, 24 nov. 2019. Disponível em: https://www.facebook.com/jornalextra/photos/a.208847352481556/3058880180811578/?type=3

 

Organizados desde a primeira década do século XX, os amistosos e torneios futebolísticos entre clubes se tornaram uma constante, inicialmente na região do Prata. Sob o ponto de vista simbólico, estes eram e ainda são significativos na construção de representações que, em geral associam a hegemonia clubística à “gloria” nacional dentro do cenário sul-americano e mundial.

Além de construir discursos que exaltavam a nação, esses torneios foram determinantes para o desenvolvimento econômico das agremiações esportivas. Diante desta perspectiva, o Colo-Colo decide organizar em 1948 um torneio inédito entre os dias 11 de fevereiro e 14 de março reunindo os campeões nacionais da América do Sul, recebendo o nome Copa America del Sur (ESTADIO. 3 de janeiro de 1948, p.5).

Desde finais dos anos de 1920, o Chile experienciou um processo de desenvolvimento socioeconômico com a expansão de demandas dos setores urbanos, principalmente a classe média e o operariado. Visando a construção de uma nova ideia de nação (PARRA, 2013, p. 25-26), os governos atuavam diretamente em questões sociais e culturais do país – como a educação e o esporte, por exemplo.

Ocorridas entre 1941 a 1962 – ano do Mundial do Chile -, o governo aprovou medidas legislativas, em apoio ao esporte profissional e amador investindo em educação, formação de profissionais de educação física e na construção de aparelhos esportivos, como o caso do estádio Nacional.

Inspirado nos governos europeus e americanos (SANTA CRUZ, 2005, p.142), o Estado atuaria como promotor do esporte para o desenvolvimento educacional, social, a saúde pública e moral da raça chilena. Dessa maneira seria possível superar o atraso nacional despontando o Chile como um país pujante, superando o isolacionismo, equiparando-se aos demais países do Prata. Todavia:

Las respuestas de los poderes públicos, al menos durante las dos primeras décadas no fueron más allá de meras declaraciones de buenas intenciones o de normativas legales que solo tenían existencia en el papel” (SANTA CRUZ, 2005, p. 143).

No que tange ao futebol, além de limitado como gestor e provedor, o Estado era pressionado por outros atores como Federações, clubes e a imprensa esportiva, igualmente importantes no desenvolvimento do esporte. Amador até os anos de 1933, o futebol tem no processo de apropriação, massificação e mercantilização, seus principais sustentáculos para a organização de uma estrutura profissional (SANTA CRUZ, 2005,  p. 139).

Neste quesito o Club Social y Deportivo Colo-Colo merece o nosso destaque. Dissidência do Magallanes, o clube foi fundado em abril de 1925 se tornando em pouco tempo um dos pioneiros no processo de profissionalização do futebol chileno ao introduzir treinamentos obrigatórios, treinadores e modelos táticos (SANTA CRUZ, 1991, p. 32). Entre os anos de 1930 a 1960, o Colo-Colo se consolidou no cenário nacional ao realizar partidas pelo interior do país, excursões ao exterior e, em especial, pequenos torneios de verão, convidando clubes e seleções de todo o mundo.

Com apoio de parte do campo esportivo, o Campeonato Sul-Americano de 1948 representou o esforço do Colo-Colo e da comunidade esportiva na (re)construção da nação chilena que, mesmo diante de suas contradições, tentava se equiparar às grandes nações sul-americanas (Manual do 1º Campeonato Sul-americano de Campeões, 11 de fevereiro de 1948). Registrado nas páginas da revista Estadio, esse empenho é referendado, dentre outras coisas, pelo esforço logístico e diplomático do Colo-Colo em reunir numa só capital todos os campeões do continente[3]. Pode-se considerar tal trabalho algo digno de um espetáculo promissor, de grande magnitude, jamais visto na América do Sul e até mesmo na Europa (ESTADIO, 3 de janeiro de 1948, p.5).

Colo-Colo e a organização do Campeonato Sul-Americano de clubes de 1948
Poster do 1º Campeonato Sul-Americano de Campeões realizado em Santiago entre 11 de fevereiro a 14 de março de 1948. Disponível em:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Sul-Americano_de_Campe%C3%B5es_de_1948

Outro aspecto ressaltado pela revista foi o esforço empreendido pelo clube albo na aquisição de recursos financeiros para a realização do campeonato. Neste quesito, destaca-se a figura de Róbinson Álvarez Marín, advogado, empresário, político e presidente do Colo-Colo. Sua atuação viabilizou recursos através da publicidade e do patrocínio de empresas do setor de serviços, em especial hotéis, restaurantes e lojas de artigos esportivos situados na cidade de Santiago, sede do torneio (Manual do 1º Campeonato Sul-americano de Campeões, 11 de fevereiro de 1948). Com a grande afluência de público nos onze jogos, o campeonato sul-americano foi considerado um sucesso comercial, tanto para os clubes, empresários e a cidade de Santiago, promovida como a capital do desporto chileno dentro do concerto sul-americano.

Enquanto os resultados financeiros denunciavam um certo progresso das relações capitalistas no campo esportivo, os resultados esportivos não refletiram o discurso em torno do desenvolvimento do jogador chileno. A expectativa exitosa descrita pela Estadio foi imediatamente substituída pelas críticas ao fraco desempenho do Colo-Colo, equipe pentacampeã chilena, diante de equipes consideradas inferiores como o Litoral da Bolívia (ESTADIO, 28 de fevereiro de 1948, p.28).

Colo-Colo e a organização do Campeonato Sul-Americano de clubes de 1948
Imagem 1: Primeiras reportagens sobre o torneio sul-americano. No centro, foto da equipe do Colo-Colo. Revista Estadio, 3 de janeiro de 1948.
Imagem 2: Balanço geral sobre o campeonato. Foto da equipe do Vasco da Gama, campeã do torneio. Revista Estadio, 27 de março de 1948.

Para o semanário, a responsabilidade de atuar como o anfitrião e o prestígio de equipes como a do River Plate da Argentina justificavam certo abalo psicológico sofrido pelos jogadores chilenos. Em outros casos, o reconhecimento da limitação técnica e tática do futebol praticado, como foi descrito no jogo contra o Vasco da Gama, clube brasileiro, foram empregados como desculpa para o insucesso colocolino. Segundo a Estadio:

Los chilenos han sido en Sudamérica abanderados de la “marcación” y hasta llegamos a creer que éramos los maestros …, hasta que no vimos la marcación de Vasco, prefecta como es. […]  (ESTADIO, 3 de janeiro de 1948, p.5).

Considerada modesta, a campanha do Colo-Colo foi a constatação de que o jogador chileno ainda era inferior às principais equipes sul-americanas. Diante dos resultados, restou a imprensa esportiva a construção de um discurso que apresentava o chileno moderno como um exemplo moral, um bom anfitrião, um bom “deportista equivalía a ser un buen esposo, padre, trabajador y ciudadano”. (PARRA, 2013, p. 10).

Bibliografia

PARRA, D. V. Del Chile de los triunfos morales al país ganador: Una historia de la selección chilena de fútbol durante la Dictadura Militar (1973-1989). Dissertação (mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Chile, Santiago, 2013. 247 f.

RINKE, Stefan. Historias del fútbol em America Latina – historias de sociedades y culturas. In. RIBEIRO, Luiz (Org.). Futebol e Globalização. Jundiaí: Fontoura, 2007.

SANTA CRUZ, Eduardo. Crónicas de un encuentro: Fútbol y cultura popular. Santiago: L&M, 1991.

_____________,  Eduardo. Escuelas de identidad. La cultura y el deporte en el Chile desarrollista. Santiago: LOM, 2005.


[1] A Copa Libertadores teve sua primeira edição em 1960, com sete equipes participantes: Peñarol e Nacional (Uruguai), Olimpia (Paraguai), Millonarios (Colômbia), Jorge Wilstermann (Bolívia), Universidad de Chile (Chile) e San Lorenzo (Argentina). 

[2] Termo comercialmente empregado pela Conmebol para se referir ao troféu da competição.

[3] Emelec (Campeão do Equador), Litoral (Campeão da Bolívia). Municipal (Vice-Campeão do Peru), Vasco da Gama (Campeão Carioca), Nacional (Campeão do Uruguai) e River Plate (Campeão da Argentina).

 

Artigo publicado originalmente em História(s) do Sport.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Hugo da Silva Moraes

Doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2018); licenciado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2004) e mestre em História Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer (PPGHC/IH/UFRJ). Experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil, História da América Contemporânea e História do Esporte. Atua na discussão a respeito do futebol e memória sobre as democracias brasileira e chilena, futebol e Racismo e futebol e processo de profissionalização no Brasil nos anos de 1920. Atua como professor de História de instituições públicas e privadas.

Como citar

MORAES, Hugo da Silva. Colo-Colo e a organização do Campeonato Sul-Americano de clubes de 1948. Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 13, 2024.
Leia também:
  • 180.2

    ¿Por qué Chile tiene un club de fútbol palestino?

    Mary Katherine Newman
  • 171.10

    Estádios de futebol, ditaduras, esperanças

    Alexandre Fernandez Vaz
  • 168.15

    50 anos do histórico Colo-Colo finalista à beira da queda de Allende

    Fabio Perina