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Convém exaltar os espaços conquistados

Luciane de Castro 10 de maio de 2017

Eu sei que estamos habituados a fazer cosplay de Raul Seixas e adotar o “eu também vou reclamar” de quase tudo e por muito mais tempo que o ideal, e temos motivos abundantes para fazê-lo. O momento tem exigido olhos e ouvidos atentos e fala imperativa quando se trata de conquistas e perdas.

Entretanto, convém exaltar as conquistas. Se torna imprescindível contar um pouco do caminhar e do que se tem produzido dentro do universo futebolístico. Dentro e fora de campo, o futebol tem sido o espaço de resistência de muitas mulheres.

A começar pela escolha de Emily Lima como técnica da seleção principal, tivemos, nos últimos tempos, um salto no número de mulheres assumindo cargos de comando nos clubes, seleções, federações, confederações e na própria FIFA, além de outras conduzindo eventos em museus, universidades, empresas reconhecidas e toda uma gama possível de inserções.

Então por qual razão não celebramos devidamente quando ocupamos espaços importantes? A primeira pessoa do plural na pergunta, se refere aos meios de comunicação dos quais mal nos utilizamos para fazer reverberar esses feitos.

Vamos a alguns nomes e posições:
– Museu do Futebol – Tem uma equipe maravilhosa de mulheres gerando conteúdo, pesquisas, exposições e ações com parcerias importantes e fomento do futebol entre as mulheres. Poucas pessoas devem saber, mas são elas, fundamentalmente, que tem feito as coisas acontecerem por lá.
– CBF – Emily Lima no comando da seleção e no comando técnico das seleções de base femininas. Ana Paula Oliveira na Comissão de Arbitragem e na Escola Nacional de Árbitros do Futebol.
– Federação Paulista – Aline Pellegrino na coordenação do departamento de futebol feminino.
– Ministério do Esporte – Michael Jackson assumiu a coordenação do futebol feminino de 2011 a 2016.
– FIFA – Haenni Tatjana, diretora de competições femininas. Moya Dodd, vice presidente da Confederação Asiática de Futebol e membro da FIFA Council. Fatma Samoura, secretária-geral.
– Futsal – Amandinha, três vezes eleita a melhor do mundo na modalidade.

Salvador – BA – 03/05/2017 – BRASILEIRÃO CAIXA 2017 – ESPORTES – Jogo 80, Grupo 02 da Série A1 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino “Brasileirão Caixa 2017” entre, E.C. Vitória x Santos F.C., realizado no estádio Manoel Barradas (Barradão) em Salvador, BA; válido pelo grupo 02 do Brasileirão Feminino 2017 A1. Foto: ÂNGELO PONTES/ALLSPORTS
Podem comemorar! Foto: ângelo Pontes/ALLSPORTS.

Temos ainda as ações do Pelado Real, organizado por minas super empoderadas e que estão realizando soccer camp só para meninas em parceria com A Turma da Mônica. As Dibradoras também comandam com muita eficiência o podcast semanal com a participação de muitas atletas. A pesquisadora Silvana Goellner, da UFRGS, também circular bastante pelo país falando das mulheres no futebol e tem atuado com curadoria e pesquisa de exposições.

As torcedoras organizadas estão preparando um grande encontro nacional das mulheres da bancada. Será um evento enorme, com a participação de mulheres do país inteiro e será abrigado no Museu do Futebol. Um luxo!

De minha parte, tenho sido agraciada com uma parceria gratificante com o Sesc na produção de eventos da cultura futebolística. Tudo teve início em meados de 2015, quando fui convidada a fazer a curadoria de uma exposição sobre futebol feminino na unidade de Interlagos. O mote: os 20 anos de participação do futebol feminino nos Jogos Olímpicos.

Aceitei o desafio bem ciente das dificuldades e da energia que seria necessária para fazer um trabalho bonito e à altura da modalidade. A exposição “O futebol delas – 20 anos de futebol feminino nos Jogos Olímpicos”, ficou aberta de janeiro a abril de 2016 e recebeu a visita de atletas que participaram das campanhas da seleção feminina, ex-jogadores como Neto, Djalminha e Ademir da Guia.

Fazer a curadoria de uma exposição dedicada ao futebol, foi a porta aberta para várias outras possibilidades dentro deste contexto de produção de cultura esportiva e também intermediar a participação de atletas em eventos das unidades Sesc.

Mais recentemente fiz a curadoria do Festival “De encher os olhos – O esporte do povo na tela do cinema” para o Sesc Consolação. As sessões, que acontecem às terças e quintas-feiras deste mês de maio, trazem filmes que abordam diversos vieses do futebol, a estreita relação entre o cinema e o jogo, homenageia os cem anos do Derby Paulista e traz convidados pra lá de interessantes para papear sobre os assuntos abordados nas películas. Também faço a mediação dos bate-papos.

Cito as duas curadorias, justamente para celebrar um importante espaço conquistado, e dizer que as pedras do caminho, eu e muitas outras mulheres, temos usado para construir nossas pontes. Há espaço para todos e os avanços, que às vezes nos parecem tão distantes, apenas estão acontecendo dentro de uma base sólida. Assim a história se faz, gradualmente, para todas as mulheres que amam o jogo e que tem seu objetivo de atuação bem traçado: não somos seres dissociáveis dos acontecimentos futebolísticos, ao contrário, temos participação em muitos deles.

Por isso, mulheres do futebol, exaltemos nossas realizações, nossas conquistas e tudo o que nos dispomos a fazer pelo amor que temos ao jogo. Não esquecemos nossas pautas de luta, claro, até porque são muitas as nossas reivindicações, mas convém analisar o quanto caminhamos e ocupamos até aqui e entender que é assim que se muda a história. Orgulho define meu sentimento agora. Adiante, sempre!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. Convém exaltar os espaços conquistados. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 14, 2017.
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