No ano de 2021 uma – nova – regra foi adicionada ao Campeonato Brasileiro de Futebol no que condiz aos treinadores. Um time só pode trocar de técnico por duas vezes durante a competição. Exceções existem a regra, como a não contabilização da troca caso o pedido de demissão venha do próprio técnico em questão, ou na hipótese da demissão ser realizada em comum acordo (ou porventura de justa causa). Na eventualidade de uma equipe realizar duas demissões de técnicos no decorrer da competição, será exigido da mesma terminar a temporada com um funcionário empregado previamente, por no mínimo seis meses.

 Alguns times de futebol foram contrários a essa medida, entretanto a maioria votou de maneira favorável. Pontuado essa nova regra em questão, acerca do número de trocas de treinadores, convido a uma reflexão no que concerne a problemática de avaliação e troca/demissão de técnicos de futebol. O catalisador para levantar esse debate veio da seguinte questão: por que não vale a pena demitir o Sylvinho, atual técnico do Corinthians?

Sylvinho
Fotos: Rodrigo Coca/Agência Corinthians/Fotos Públicas

Primeiramente, é pertinente frisar o quão complexo é avaliar o trabalho de um técnico de futebol. Olhando friamente para os resultados, sobretudo os recentes e imediatos, parece fácil estabelecer uma comparação entre o desempenho de um recém-chegado treinador para com os que ocuparam o cargo anteriormente. Entretanto, descolando dos resultados das primeiras partidas, uma questão é salutar: esse técnico tem condições iguais, em outras palavras, exatamente iguais àquelas que os treinadores anteriores tiveram? Está disputando os mesmos campeonatos? Possuem no plantel novos atletas? Jogadores foram negociados? Quais atletas estão lesionados? Jogadores se desenvolveram, ou, envelheceram? Essa série de perguntas denota que cada técnico assume o comando de uma equipe em um momento específico, com um grupo particular, com pressões diferenciadas, seja da diretoria, dos patrocinadores ou das torcedoras e torcedores. Manifestada a complexidade envolvendo tal avaliação de desempenho, o que podemos encontrar nos números, quando o assunto é a demissão de treinadores?

No livro Os números do jogo, de Anderson e Sally (2013), os autores trazem um dado interessante para debater a demissão – ou não demissão – de técnicos. Geralmente quando um treinador é demitido, a equipe comandada por ele encontra-se em um momento difícil, na pior fase da temporada com relação a desempenho e resultados (em uma modalidade de placares baixos, de pontos raros – o gol -, nem sempre desempenho e resultado estão correlacionados se observados no curto prazo). Entretanto existe uma empírica evidência de que a demissão de um treinador pode reavivar o ânimo dos jogadores e catapultar o desempenho do clube.

No entanto, em estudo realizado tendo o campeonato holandês entre as temporadas de 1986 e 2004 como objeto, averiguou-se que os times que demitiram os treinadores e as equipes que mantiveram os treinadores obtiveram resultados semelhantes, se comparados com eles mesmos, antes e após demissões. Ou seja, quando um clube demite um técnico em uma má fase esportiva, a tendência é que no curto e curto-médio prazo a equipe volte a conseguir melhores resultados, resultados acima do esperado, e novamente podem entrar em uma fase de desempenho abaixo do esperado. Desta maneira, olhando para todo o trabalho de um treinador, muitas das vezes ele consegue uma série de vitórias nos primeiros jogos, porém quando analisada toda a sua passagem pelo clube, à tendência é de que seja um desempenho muito similar aquele do treinador anterior. Em termos matemáticos seria uma regressão à média.  Nas palavras dos autores: “A ideia de que demitir o treinador é uma panaceia para os males de um time é um placebo. É uma ilusão cara” (ANDERSON e SALLY, 2013, p.195).

Olhar apenas para os números pode nos fornecer apenas uma informação, uma única peça de um quebra-cabeça. Não desconsiderando o trabalho dos autores, mas existem vitórias que valem mais, e derrotas que esportivamente são vistas como catastróficas, ou até mesmo inadmissíveis. A complexidade e o acaso, as situações de convívio, as metas acordadas, etc, muitos são os fatores que podem ocasionar uma demissão de treinadores (na realidade do futebol brasileiro podemos mensurar que as dispensas são demasiadas, haja vista a necessidade de adicionar uma regra de limite de troca de técnicos).

Sylvinho
Fotos: Rodrigo Coca/Agência Corinthians/Fotos Públicas

Posto isso, acho interessante refletir acerca de o quanto importante é manter um treinador por mais tempo, mesmo que os resultados do momento não sejam os almejados. Assim como para uma atleta e um atleta se tornarem profissionais demanda tempo, experiências, práxis, para uma técnica e técnico também, independente se foram ou não atletas em outrora. Sylvinho é novo enquanto treinador. Precisa de tempo, de confiança para trabalhar. No momento que vos escrevo faltam apenas nove jogos para o Corinthians no Campeonato Brasileiro de futebol. Talvez não seja coerente afastar o Sylvinho agora. O Corinthians não irá ser rebaixado. Nem campeão. Tem grandes chances de jogar a próxima Libertadores. Efetivamente novos atletas chegaram, e junto a eles uma maior pressão sobre o Sylvinho. Veja como não é possível fazer diretamente um paralelo com o trabalho do treinador anterior, Vagner Mancini: o Corinthians possui outros jogadores, disputa outro campeonato. Elucidei aqui o treinador do Timão, o Sylvinho, mas poderia ser de outro e outra, entre milhares de técnicas e técnicos, de futebol ou de outras modalidades esportivas coletivas. A exorbitante quantidade de dispensas de técnicos de futebol não é natural, é como tudo que nos emaranha, cultural. Que pensemos e reflitamos acerca disso, pois é “apenas” mais uma profissão em uma lógica socioeconômica do profissional descartável

Referência

ANDERSON, Chris, SALLY, David. Os números do jogo: Por que tudo que você sabe de futebol está errado. 1º ed.: Editora Paralela, 2013.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Jean dos Santos Mantovani

Bacharel e mestrando em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Corintiano.

Como citar

MANTOVANI, Jean dos Santos. Dança das cadeiras. Ludopédio, São Paulo, v. 149, n. 12, 2021.
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