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Diga-me para quem (e como) torce e te direi quem és: perfil do torcedor na cidade de Montes Claros-MG

Introdução

Montes Claros no Norte de Minas Gerais também se vê envolta pela mesma polêmica que agita grande parte do Estado em todas suas localidades e territórios: qual torcida é maior, a do Atlético ou a do Cruzeiro? O senso comum aponta que a torcida cruzeirense é mais ampla. Se por um lado existe a visão popular e suas opiniões, por outro não se possui uma pesquisa quantitativa com dados confiáveis e sistemáticos do número de torcedores neste grande município que é um polo de sua região e recebe pessoas de todas as regiões do Estado e do Brasil.

Diante disso, o Observatório do Futebol e do Torcer da Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES, se viu diante de um impasse: ou assistia essa polêmica e nada fazia, ou tomava a responsabilidade de realizar uma pesquisa sistemática e ampla sobre o tema para de fato trazer luzes científicas para esse debate e um número realmente confiável e não baseado no chutômetro. A decisão tomada foi a segunda, quando decidiu-se então realizar uma pesquisa sobre o número de torcedores de cada clube na cidade de Montes Claros – MG, bem como seu perfil.

Como se sucederá a pesquisa, que já passou por um teste piloto e em determinada região do recorte da cidade, será esclarecido na seção seguinte deste texto, dedicado à parte metodológica, porque intenta ser ampla, completa e ao mesmo tempo quantitativa (do número de torcedores) e qualitativa destes mesmos sujeitos pesquisados. A ideia é passar por toda a cidade, com uma grande amostra em cada bairro – aproximadamente 0,62% da população total – com perguntas simples sobre o time que torcem, mas também por critérios de gênero, raça, cor, renda, sexualidade, religião e características do próprio torcer.

Por fim nessa seção introdutória do texto, bom dar destaque à algumas justificativas para realização da pesquisa que são pertinentes. Primo, é que de fato ela corrige uma dúvida pertinente da sociedade acerca de um elemento importante de caracterização de uma população; secundo, são dados de usos diversos em termos econômicos, sociais, territoriais que podem ajudar no embasamento de diversas atividades, desde o comércio, organização popular e quaisquer que ao seu interesse faculte o uso.

Metodologia

O mais interessante da pesquisa diagnóstica sobre os torcedores na cidade de Montes Claros – MG é a metodologia utilizada para sua realização, porque é ampla, profunda e com uma amostra mais larga que o normal. Além claro, dos detalhes de regionalização dos dados entre outros. Primeiro ponto é a grande amostra, que se diferencia muito das pesquisas realizadas neste campo. Seguido pela realização proporcional em todas as regiões da cidade, e por fim, pela divisão das perguntas que passa tanto pelos aspectos básicos – qual time as pessoas torcem – quanto por aspectos qualitativos em termo de raça, religião, renda, profissão, orientação sexual e aspectos relacionados ao torcer.

A população do estudo será equivalente a 0,62% da população montesclarense – baseado no Censo do IBGE de 2010 – o que corresponde ao total de 2382 formulários considerando-se uma margem de erro amostral de 2% para mais ou para menos. Neste sentido, tomamos como referência a divisão regional organizada pelo município no ano de 2010, estruturada da seguinte forma: Região Norte (Santos Reis); Região Nordeste (Renascença); Região Leste (Esplanada); Região Sudeste (Delfino Magalhães); Região Sul (Maracanã); Região Central.

Levando-se em consideração o total de habitantes por região, e utilizando 0,62% da população total como amostra para termos uma confiabilidade de 98% obtivemos a configuração do grupo amostral tendo 243 respondentes no Santos Reis numa população de 39140 habitantes; 200 no Renascença numa população de 32208; 581 na Esplanada dentro de um universo de 93663; Delfino Magalhães apresentou 360 respondentes dentre 58132; o Maracanã num total de 68670 no total apresentou 426 respondentes; Major Prates 189 dentre 30482 e por fim a Região Central com 384 dentre uma população de 61944.

Vale destacar o tamanho da amostra, 2382 entre 384242 – partindo do censo do IBGE de 2010 – que é muito extensa, de modo que nem as pesquisas presidenciais, por exemplo, utilizam 0,62% da amostra para chegar a 2% de Margem de Erro. No entanto, buscando o número total de torcedores mais fidedigno possível, optamos por trabalhar com essa extensão maior nos respondentes. Entendendo a importância do Futebol como um fato social que impacta a vida das pessoas com determinada relevância, por uma questão de segurança e credibilidade da pesquisa, foi de forma proposital acolhida uma amostra maior, para que se reduzam as críticas que porventura vierem a ocorrer.

Além do largo levantamento quantitativo, também se apresenta na pesquisa uma profunda pesquisa qualitativa dos torcedores, passando por questões de profissão, religião, estado civil, escolaridade, idade, renda, raça, naturalidade, gênero, orientação sexual, terminando aí a primeira etapa de descrição que seriam de características sociais, econômicas e culturais. Na seção seguinte, começam os questionamentos específicos tanto aos times quanto ao ato do torcer, passando por qual time torce, se possui um segundo time e qual seria, local onde assiste os jogos, intensidade no torcer, consumo dos produtos do clube, ida aos estádios e influência na escolha do time.

A primeira informação que o respondente precisa apresentar é qual sua profissão, de modo a termos uma caracterização profissional dos torcedores e quando os dados forem tratados, podermos relacionar esse dado com o do número de torcedores de cada time. A informação seguinte, de religião, Estado Civil e Escolaridade seguem a mesma lógica do porquê apresentar e posterior relação com o número de torcedores. Além da idade, possibilitando uma larga caracterização dos torcedores de cada equipe.

A relação entre renda, raça e naturalidade também recebe destaque, porque ajuda a atribuir mais características socioeconômicas aos dados numéricos das torcidas, como poderá ser percebido nos resultados parciais que já possuímos no recorte da Universidade Estadual de Montes Claros e do bairro Major Prates.

O último bloco dessa primeira seção é o até então mais inovador, no sentido de discutir categorias dentro do conceito de gênero e orientação sexual de maneira mais ampla, colocando dentro da pergunta sobre o primeiro conceito a possibilidade de responder se é pessoa Cis, ou Trans e ainda se é não-binário. O outro ponto, da orientação sexual, também traz a possibilidade da Heterossexualidade, Homossexualidade e Bissexualidade, que em tempos vindouros, pode ajudar nas discussões sobre futebol em grupos minoritários sexualmente de modo a ampliar o campo de estudos de futebol na ciência brasileira.

Entra-se na segunda seção, com os dados mais diretamente relacionados ao torcer propriamente dito, e a primeira pergunta é a mais importante e condutora desta pesquisa, que é sobre qual equipe aquela pessoa torce. Outro tema importante dentro dos estudos do futebol seria o bipartidarismo, que é o ato de torcer para mais de um time, e isso é levado em consideração e que nos resultados parciais apresentou uma diferença relevante entre os recortes da Unimontes e do bairro pesquisado.

Saindo do campo quantitativo do torcer, e passando a uma caracterização deste ato, se adentra na seara de qual local mais assiste o jogo, se seria em casa, no bar – locais mais comuns – ou outros que por ventura aparecerem. Este ponto é um destaque relevante porque pode propiciar uma análise se este Torcer ocorre voltado para a rua, ou se tem um caráter mais privado na vida deste torcedor.

O bloco seguinte trata de três níveis de mensuração escalar, sendo a intensidade do torcer, a frequência de idas ao estádio e o consumo de produtos do clube. São grandezas que quando relacionadas as respostas sobre a filiação clubística por exemplo, podem trazer resultados pertinentes sobre qual torcida é mais intensa, qual consome mais, o nível de renda destes torcedores que mais consomem entre outras combinações.

Por fim, a última pergunta traz um aspecto interessante a ser pesquisado: quem influenciou o pesquisado/a a torcer para aquela equipe. Esse dado pode trazer questões de gênero e familiares pertinentes, porque as opções básicas são as de Pai e Mãe, além de parentes próximos e amigos, além da opção por responder algum item que não estão dentre estes. Essa questão importante pode trazer elementos curiosos, como visto nas pesquisas até então, onde o atleta Neymar tem o mesmo nível de influência na escolha do time que as Mães, por exemplo.

Em termos analíticos, será realizada a análise do conjunto dos dados, procurando estabelecer as conexões entre o objeto e as categorias. Neste sentido a análise envolve o trabalho com os dados, sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta dos aspectos importantes e suas decisões. A discussão será realizada de forma concomitante à apresentação dos resultados, por entendermos que esta estrutura facilita a apreensão do leitor ao conjunto da análise.

Montes Claros
Fonte: divulgação

Resultados parciais Unimontes

Antes de ir a campo pelos bairros da cidade, foi necessário fazer um teste piloto para ter certeza da funcionalidade do questionário, tempo de aplicação e outros, e para isso o recorte escolhido foi a própria Universidade da pesquisa, a UNIMONTES, que gerou resultados interessantes relacionados ao seu perfil multicampi, que atende alunos de classes mais populares e que vem de todos os lugares do Brasil. Assim, é natural que alguns resultados destoassem dos que foram vistos no primeiro bairro visitado.

Primeiro destaque interessante é a predominância de três profissões condizentes ao ambiente universitário sendo, 71% de estudantes, quase 11% de estagiários e uma interessante separação: 2,38% de Professores e 1,19% de Professoras, ou seja, no momento das respostas algumas Mulheres que atuam na docência fizeram questão de destacar a questão de gênero e tratarem sua profissão no feminino. Esse ponto acompanha a questão da formação, que ficou majoritariamente em Ensino Superior Incompleto. Além claro, de um alto número de Mestres e Doutores, não percebidos na pesquisa na região do Major Prates. Por fim, a renda predominante foi de até um salário mínimo, que geralmente é o pago a estagiários e afins.

Em termos do torcer, o Cruzeiro Esporte Clube ficou em primeiro lugar com quase 45% da preferência, enquanto o Atlético Mineiro com quase 25% dos torcedores. Interessante destacar o ponto do segundo time de preferência: o Real Madrid da Espanha, denotando a globalização do ato do torcer. Com a análise mais simples feita para este texto não é possível apontar a intensidade do torcer para cada clube, mas depois do tratamento mais profundo via software especifico poderemos ter essa conclusão.

De maneira absoluta os respondentes apontaram assistir o jogo em casa, com a intensidade do torcer ficando concentrada nos dois polos máximos, os dos que torcem muito intensamente e dos que torcem de forma pouco intensa. Talvez pela baixa renda, o consumo de produtos ficou localizado no polo mínimo de nenhum consumo de produtos do clube. Obviamente, pela distância até a capital (420 km), as idas ao estádio também apresentaram o mínimo.

Por fim, destacar aqui a questão do que levou o respondente a torcer para aquela equipe. Primeiro, largamente os torcedores escolheram aquele time por influência do Pai, reforçando essa relação do gênero masculino com o futebol e a imposição do time aos filhos de ambos os gêneros. Mas um destaque interessante fica por conta do nível de influência da Mãe, que ficou com 2,5% dos respondentes, enquanto o atleta Neymar que atuou pelo Santos, Barcelona e PSG, e pela Seleção Brasileira, ficou com os mesmos 2,5% de representatividade, gerando aí uma questão interessante a ser discutida de forma posterior.

Resultados parciais Major Prates

Pois bem, saindo da Universidade e entrando de fato para o recorte da pesquisa, foi momento de se dirigir ao bairro Major Prates na cidade de Montes Claros, uma região grande e com um nível de autonomia tão alto que é quase outra cidade dentro do município pesquisado. Uma autonomia econômica, social e de aspectos característicos de pertencimento, o que claro, vai impactar nos resultados da pesquisa nesta região.

Primeiro, se por um lado a UNIMONTES apresentou fortemente Estudantes, Estagiários e Docentes, o bairro Major Prates teve como destaque a profissão de Aposentado – aquele que já se afastou das atividades laborais – e pessoas, geralmente mulheres, que se identificam como “Do Lar” por realizarem suas atividades em âmbito doméstico. O que é uma questão relevante, e que não é o centro de análise deste trabalho, mas pode apontar a questão da ocupação urbana em bairros mais tradicionais – como é o caso do Major Prates – ser feito por pessoas que o fizeram em períodos mais antigos.

O nível de renda manteve a predominância de até um salário mínimo, o que dialoga bem com a questão de se ter muitas Do Lar e aposentados, que geralmente apresentam esse nível de renda, mas aqui aumentou a existência de quem recebe entre 1 e 3 salários mínimos, ficando muito próximo da categoria anterior. Se na UNIMONTES a origem de cada estudante ficou muito dissipada por entre várias cidades Brasil afora, o Major Prates teve predominância de Montes-Clarenses.

Chegado o momento de analisar o torcer. Se a Unimontes teve uma série de Clubes aparecendo nas respostas, no Major Prates concentrou-se em Cruzeiro, Atlético Mineiro e Palmeiras, sendo quase 35% para o primeiro, quase 15% para o segundo e quase 5% para o terceiro. O destaque aqui fica para o segundo time, que se na Universidade foi o Real Madrid da Espanha, aqui foi Corinthians e Flamengo. A intensidade também mudou um pouco, ficando nas zonas intermediárias e o consumo não mais de nenhum produto, mas em espaços também intermediários. E a escolha do time mantém o caráter de influência paterna sobre a Materna, e destacando aqui a de “Amigos”.

Montes Claros
Vista panorâmica de Montes Claros. Fonte: Wikipédia

Comentários

Feito uma introdução sobre o que seria a pesquisa, passada sua metodologia – que de longe é o maior destaque deste texto por seu tamanho e profundidade – e alguns resultados iniciais, momento de concluir o mesmo para deixar o leitor com o desejo de saber os resultados finais totais que ainda hão de vir.

Entender o futebol, principalmente o torcer, é pertinente para a coletividade, porque se sabe que isso afeta uma larga escala de brasileiros e de fato é o que dá o tom da nossa cultura e pertencimento. Então essa pesquisa é mais que um levantamento quantitativo de torcedores, é um escrutínio afetivo daqueles e daquelas que acreditam na relevância do futebol para o povo brasileiro. Nós, assim como muitos, se dedicam a descobrir o Brasil de verdade, e o fazemos por meio do futebol, entendendo que o pesquisador que nunca sujou as calças numa arquibancada de futebol, não tem competência para entender nossa gente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Júnio Matheus da Silva Cruz

Mestrando em Desenvolvimento Social na UNIMONTES. Graduado em Economia, Administração e Gestão Pública. Observatório do Futebol e do Torcer da Unimontes e Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT) da UFMG.Um Pesquisador com vergonha na cara porque sabe que um Cientista que nunca gastou a calça na arquibancada de um Estádio, não tem condições de avaliar o Povo Brasileiro.

Mayra Dias Franco

Acadêmica do 7º curso de Medicina da Faculdade Atenas. Cruzeirense. Membro do Observatório do Futebol e Torcer/UNIMONTES. Tenho interesse em pesquisas que tenham interfaces entre futebol e a medicina.

Thasya Rosane Tomé Ferreira

Atleticana fundamentalista e graduanda em História pela Universidade Estadual de Montes Claros

Como citar

CRUZ, Júnio Matheus da Silva; FRANCO, Mayra Dias; TOMé, Thasya. Diga-me para quem (e como) torce e te direi quem és: perfil do torcedor na cidade de Montes Claros-MG. Ludopédio, São Paulo, v. 168, n. 12, 2023.
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