133.44

Encontro monárquico no Maracanã

No ano de 1968, o mundo vivia como um barril de pólvora. Acontecia a Guerra do Vietnã na Ásia; na Europa, os estudantes franceses entraram em confronto com as forças policiais do então presidente Charles de Gaulle, e, no Brasil, a ditadura militar dava suas caras aprovando os atos institucionais e limitando os códigos democráticos.

Porém, por alguns dias, o país viveu um momento sem tensões e com direito até a um pequeno conto de princesa, aliás, de rainha, pois, pela primeira e única vez, Elizabeth II visitou o país do futebol e foi justamente numa partida que um encontro real aconteceu.

Antes, contudo, a rainha, junto ao príncipe Phillip, visitou seis cidades brasileiras: Recife, Salvador, Brasília, São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. Os principais representantes da Coroa britânica estavam numa missão diplomática para estreitar relações comerciais e financeiras entre Reino Unido, Brasil e Chile e, assim, ampliar sua influência na América Latina.

A rota real

A viagem começou no Recife, no dia 01 de novembro de 1968. A soberana da Commonwealth desembarcou no Aeroporto de Guararapes por volta das 16h15, o duque de Edimburgo já estava no local a esperando. Juntos visitaram o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo, onde estavam o Governador Nilo Coelho e o escritor de “Casa Grande e Senzala”, Gilberto Freyre. Durante a visitação, faltou luz no local. O tour inaugural já começava com um apagão.

Após esse compromisso, a bordo do iate Real Britannia, os monarcas seguiram para Salvador. Entre os passeios na capital baiana, o Mercado Modelo uma homenagem nas escadas do Palácio da Aclamação, ao lado de Jorge Amado.

Elizabeth II inspeciona as tropas brasileiras em Brasília no ano de 1968. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal.

O destino seguinte foi Brasília, com direito a uma sessão solene no STF e na Câmara dos Deputados, além de um banquete especial no Itamaraty. Elizabeth II ainda teve tempo para participar de um importante marco da arte brasileira, em São Paulo, e foi presença ilustre na inauguração do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Depois de uma ponte aérea, a última parada dos nobres seria no Rio de Janeiro, onde conheceram as praias cariocas – com a rainha calçando havaianas –, depositou flores no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Porém, Elizabeth II tinha um desejo: ver o Rei jogar. A majestade do futebol, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

O desejo real precisava ser atendido e, para isso, as federações paulista e carioca decidiram fazer um amistoso entre os estados. Havia uma rivalidade futebolística entre as duas praças, acirrada por parte da imprensa e dos jogadores. Além disso, a partida seria uma disputa particular entre Gérson e Pelé, então craques da seleção e, respectivamente, de Botafogo e Santos.

O calendário futebolístico da época era muito apertado com muitas competições e partidas acumuladas. Por isso, em novembro daquele ano, os atletas estavam naturalmente desgastados e para motivá-los foi definida uma recompensa: o time vencedor iria ganhar um troféu das mãos da rainha Elizabeth II e 1 milhão de cruzeiros.

Os Times

Quando se tem como convidada a rainha da Inglaterra, é preciso oferecer o que há de melhor e, por isso, dos 22 jogadores em campo, oito seriam titulares na conquista do tri, no México. Assim, a partida reuniu a cúpula da corte futebolística brasileira e dos que seriam tricampeões, apenas Tostão, Piazza e Everaldo não participaram do espetáculo, pois os dois primeiros jogavam no Cruzeiro e o lateral-esquerdo, no Grêmio.

A Seleção Carioca foi treinada por Paulinho de Almeida, na época comandante do Vasco, com: Félix, Moreira, Brito, Leônidas e Paulo Henrique; Carlos Roberto, Gérson e Paulo César; Nado, Jair e Roberto.

Dirigida por Antoninho Fernandes, na época, técnico do Santos de Pelé, a Seleção Paulista foi a campo com: Picasso, Carlos Alberto, Jurandir, Dias e Rildo; Clodoaldo, Rivelino e Pelé; Paulo Borges, Toninho e Abel.

A Partida

O futebol brasileiro, ao que tudo indica, já estava entre as preferências da família real britânica há muito tempo. Em 1962, o duque de Edimburgo assistiu à partida entre Santos, de Pelé, e Palmeiras, no Estádio Pacaembu. O jogo aconteceu no dia 18 de Março de 1962, meses antes de a Seleção Brasileira conquistar o bicampeonato no Chile.

O jogo terminou 5 a 3 para o clube que jogava o Rei do Futebol, que ainda marcou dois gols. A taça foi entregue com os dizeres “em homenagem à visita de S.A.R. Príncipe Philip, Duque de Edimburgo – São Paulo – 18.3.1962”.

Portanto, a exibição no Maracanã durante a visita oficial da rainha era aguardada como um ato de hospitalidade. A edição da Folha de São Paulo, do dia 10 de novembro de 1968, publicou que “o jogo seria uma homenagem final do país aos britânicos da corte”.

A partida especial aconteceu às 17h daquele mesmo 10 de novembro, diante de 100 mil pessoas nas arquibancadas do Maracanã. A Seleção Paulista vestia uniforme branco com listras pretas, que se assemelhava bastante ao segundo uniforme do Santos, espinha dorsal da equipe. Já os cariocas trajavam camisa toda azul.

A partida não seria apenas coisa para inglês ver. Logo no primeiro tempo, em uma bobeira da zaga carioca, o Pelé encontrou Toninho sozinho para empurrar a pelota para o fundo das redes. Os paulistas comemoraram o primeiro tento diante das tribunas de onde a rainha observava a peleja.

Com a nobre audiência nas cadeiras de honra do Maracanã, Pelé tratou de mostrar sua majestade e deixou o gol dele. Após o passe de Rildo na ponta-esquerda, o Rei do futebol pegou a bola no centro e fuzilou as redes adversárias. Na conta oficial, seria o gol de número 900. Depois de um cruzamento pela direita, Jairzinho, o “Furacão do Botafogo”, errou o chute, mas a bola sobrou para Roberto completar.

O forte time paulista não deixaria barato, Carlos Alberto Torres, futuro eterno capitão do tri, lançou para Ademir da Guia, o divino craque do Palmeiras, pelo lado esquerdo do campo, que passou para Toninho na entrada da área. Brito derrubou o atacante.

Carlos Alberto Torres cobrou e marcou o terceiro gol. Mas o mesmo lateral direito do Santos e da Seleção derrubou Paulo César Caju, atacante do Botafogo. Por conta da falta, Carlos Alberto Torres foi expulso. O próprio atleta do Botafogo cobrou e diminuiu a vantagem. Contudo, ficou por isso mesmo. Vitória dos paulistas por 3 a 2 sobre os cariocas.

Outra figura que fez questão de atrair a atenção durante a partida comemorativa foi o árbitro Armando Marques, que assinalou dois pênaltis e expulsou o futuro capitão do tri. Parece que a corte estava completa.

Quando soou o apito final, Pelé e Gérson, ambos capitães, foram à tribuna de honra do estádio para cumprimentar a matriarca real e levantar o troféu que ia ser entregue para o vencedor.

A princípio, o presidente da CBD, na época João Havelange, seria o encarregado, mas o protocolo foi quebrado, e a taça seria entregue pela monarca. Ela ainda conversou com o camisa 10 da Seleção após o intérprete apresentá-lo. “Ah, eu sei. Já o conheço de nome e me sinto muito feliz em cumprimentá-lo”, falou Elizabeth II.

As memórias daquele 10 de novembro de 1968 permanecem vivas no Maracanã. Após a reforma do estádio, o trono usado por Elizabeth II fica exposto no salão vip que conta também com uma placa comemorativa com o rosto da rainha esculpido de bronze.

Pelé recebeu a taça simbólica e posou junto à Rainha para uma foto. Elizabeth II representando a realeza britânica e o Rei, a genialidade brasileira dentro das quatro linhas. Um verdadeiro encontro monárquico no Maracanã.

Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Pedro Henrique Andrade Dias

Estudante de jornalismo, cinéfilo e amante de esportes

Como citar

DIAS, Pedro Henrique Andrade. Encontro monárquico no Maracanã. Ludopédio, São Paulo, v. 133, n. 44, 2020.
Leia também:
  • 154.4

    Baltazar, “Artilheiro de Deus”

    Pedro Henrique Andrade Dias
  • 148.43

    “El Mata Gigantes” – a histórica campanha da Costa Rica em 2014

    Pedro Henrique Andrade Dias
  • 147.41

    Envolvência à Dinamarquesa – 35 anos da histórica “Dinamáquina”

    Pedro Henrique Andrade Dias