Futebol expande os limites do rígido regime iraniano
Pela primeira vez desde 1981 – logo após a Revolução de 1979 (ver vídeo abaixo), ano que marcou uma guinada nacionalista, isolacionista e clerical na política iraniana – homens e mulheres foram autorizados pelo regime a verem, juntos, uma partida de futebol masculino, dentro de um estádio.
O fato ocorreu nesta quarta-feira (20) durante a partida entre as seleções do Irã e da Espanha, pela Copa do Mundo de 2018 – jogo vencido pelos espanhóis por 1 a 0.
O jogo da Copa se deu no estádio de Kazan, capital e maior cidade da república do Tartaristão, na Rússia. Mas as torcedoras e os torcedores iranianos em questão estavam a 2.500 quilômetros dali, no estádio Azadí, localizado em Teerã, capital do Irã, de olho num telão.
![Torcedores e torcedoras do Irã juntos. Foto: RFS RU. ira](http://www.ludopedio.org.br/v2/content/uploads/ira.jpg)
Uma campanha internacional
A conquista das iranianas é fruto de muita pressão. Durante a Copa do Mundo, elas têm se empenhado numa campanha, usando faixas e cartazes que promovem o lema #NoBan4Women, que, em português, quer dizer: “não ao banimento de mulheres” nos estádios.
“Não poder frequentar os jogos de nossas equipes favoritas
faz com que as mulheres sintam-se cidadãs de segunda classe.
É uma questão de segregação”
Sussan Tahmasebi
Militante feminista iraniana, em declaração reproduzida
pelo jornal espanhol El País, no dia 18 de junho de 2018
A vitória da seleção iraniana sobre o Marrocos, por 1 a 0, na rodada de estreia da Copa, em 15 de junho, aumentou o clima de euforia em Teerã. Os ingresso para ver o jogo seguinte, contra a Espanha, no telão do estádio de Azadí, passaram então a serem vendidos livremente, para homens e mulheres, com autorização do governo do atual presidente, Hassan Rohani. Porém, horas antes de os portões serem abertos, nesta quarta-feira (20), a polícia anunciou que o evento estava cancelado.
A resistência e a abertura dos portões
A agência de notícias iraniana Tasnim, que é vinculada à Guarda Revolucionária do Irã, justificou a proibição da entrada dos espectadores a “problemas de infraestrutura”. As espectadoras não se deram por convencidas e protestaram pacificamente, permanecendo sentadas na frente dos portões do estádio Azadí.
Depois de alguma tensão e expectativa, os portões foram finalmente abertos e as pessoas viram o jogo juntas. O jornal espanhol El País, que vinha acompanhando a campanha das feministas iranianas desde o início, disse que “a suspeita generalizada apontava para a rivalidade entre os setores mais ultraconservadores do regime e o governo relativamente moderado de Rohani”.
امیدوارم همیشه امکان شادی دسته جمعی زنان و مردان ایرانی فراهم شود. جامعه بیش از هر زمانی به شادمانی نیاز دارد و چه بهتر که در #ورزشگاه_آزادی به تماشای بازی فوتبال ایران و اسپانیا بنشینیم
به امید پیروزی تیم ملی ایران pic.twitter.com/taxsDglzh3
— طیبه سیاوشی (@TayebehSiavash) June 20, 2018
O Irã tem um sistema de governo complexo, com uma rede de instituições que fazem pesos e contrapesos entre si. Entretanto, todas essas instâncias – incluindo o próprio presidente – só assumem seus cargos com a anuência do líder supremo, Ali Khamenei, que é a mais alta autoridade política e religiosa do país.
O impasse nos portões do estádio Azadí mostrou a tensão entre os que defendem mudanças no regime e os que tentam manter os procedimentos inalterados. No fim, a seleção iraniana foi derrotada na Rússia, mas, ainda assim, as torcedoras no Irã tiveram o que comemorar.
Este texto é uma republicação de artigo publicado no site Nexo Jornal.