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Futebol expande os limites do rígido regime iraniano

João Paulo Charleaux 21 de junho de 2018

Pela primeira vez desde 1981 – logo após a Revolução de 1979 (ver vídeo abaixo), ano que marcou uma guinada nacionalista, isolacionista e clerical na política iraniana – homens e mulheres foram autorizados pelo regime a verem, juntos, uma partida de futebol masculino, dentro de um estádio.

O fato ocorreu nesta quarta-feira (20) durante a partida entre as seleções do Irã e da Espanha, pela Copa do Mundo de 2018 – jogo vencido pelos espanhóis por 1 a 0.

O jogo da Copa se deu no estádio de Kazan, capital e maior cidade da república do Tartaristão, na Rússia. Mas as torcedoras e os torcedores iranianos em questão estavam a 2.500 quilômetros dali, no estádio Azadí, localizado em Teerã, capital do Irã, de olho num telão.

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Torcedores e torcedoras do Irã juntos. Foto: RFS RU.

Uma campanha internacional

A conquista das iranianas é fruto de muita pressão. Durante a Copa do Mundo, elas têm se empenhado numa campanha, usando faixas e cartazes que promovem o lema #NoBan4Women, que, em português, quer dizer: “não ao banimento de mulheres” nos estádios.

“Não poder frequentar os jogos de nossas equipes favoritas
faz com que as mulheres sintam-se cidadãs de segunda classe.
É uma questão de segregação”
Sussan Tahmasebi
Militante feminista iraniana, em declaração reproduzida
pelo jornal espanhol El País, no dia 18 de junho de 2018

A vitória da seleção iraniana sobre o Marrocos, por 1 a 0, na rodada de estreia da Copa, em 15 de junho, aumentou o clima de euforia em Teerã. Os ingresso para ver o jogo seguinte, contra a Espanha, no telão do estádio de Azadí, passaram então a serem vendidos livremente, para homens e mulheres, com autorização do governo do atual presidente, Hassan Rohani. Porém, horas antes de os portões serem abertos, nesta quarta-feira (20), a polícia anunciou que o evento estava cancelado.

A resistência e a abertura dos portões

A agência de notícias iraniana Tasnim, que é vinculada à Guarda Revolucionária do Irã, justificou a proibição da entrada dos espectadores a “problemas de infraestrutura”. As espectadoras não se deram por convencidas e protestaram pacificamente, permanecendo sentadas na frente dos portões do estádio Azadí.

Depois de alguma tensão e expectativa, os portões foram finalmente abertos e as pessoas viram o jogo juntas. O jornal espanhol El País, que vinha acompanhando a campanha das feministas iranianas desde o início, disse que “a suspeita generalizada apontava para a rivalidade entre os setores mais ultraconservadores do regime e o governo relativamente moderado de Rohani”.

O Irã tem um sistema de governo complexo, com uma rede de instituições que fazem pesos e contrapesos entre si. Entretanto, todas essas instâncias – incluindo o próprio presidente – só assumem seus cargos com a anuência do líder supremo, Ali Khamenei, que é a mais alta autoridade política e religiosa do país.

O impasse nos portões do estádio Azadí mostrou a tensão entre os que defendem mudanças no regime e os que tentam manter os procedimentos inalterados. No fim, a seleção iraniana foi derrotada na Rússia, mas, ainda assim, as torcedoras no Irã tiveram o que comemorar.

nexo_jornal_logo-600x152-minEste texto é uma republicação de artigo publicado no site Nexo Jornal.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

CHARLEAUX, João Paulo. Futebol expande os limites do rígido regime iraniano. Ludopédio, São Paulo, v. 108, n. 24, 2018.
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