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Gameficação, esportes e eSports: breve análise sobre

Gabriela Alvarenga 3 de fevereiro de 2023

Um jogo começou há duas semanas, pessoas de diferentes regiões e personalidades disputam a medalha final. 

A dinâmica do jogo consiste em, semanalmente, conquistar a liderança do grupo e não ser desclassificado. Ganha a (o) participante que conseguir se adaptar às regras, utilizando de seu condicionamento físico, preparo mental e das suas habilidades interpessoais. Sendo assim, Big Brother Brasil pode ser considerado um esporte? 

A  pergunta acima surge com o intuito de ampliar a polêmica em que se envolveu a atual ministra do esporte, Ana Moser, ao dizer que eSport’s não podem assim ser considerados.

Lugares possíveis do jogo

Jogos, esportes, práticas esportivas e lúdicas são debates em diversas áreas acadêmicas. Ao menos na Antropologia o tema é discutido há mais de trinta anos. A noção de jogo também tem aparecido, cada vez mais frequentemente, no mundo corporativo. 

Gameficação nas empresas chega como uma ferramenta motivacional que gestores usam para engajar e treinar seus funcionários. Nesse modelo, trabalhadores são denominados de gamers (jogadores), e chefes e gerentes como líderes. Resumidamente, a ideia é que atividades que antes eram feitas “sem motivação” e de forma “tediosa”, agora passem a ser executadas como jogos estimulantes. A dinâmica consiste, de maneira geral, em um sistema que agrega: desafios, obstáculos, pontuação, rankings e prêmios finais. O termo cultura igualmente aparece apropriado pelo setor que o usa como uma forma de propagar valores morais e os objetivos daquele empreendimento no mercado.

A ferramenta também aparece como uma forma de tentar entender e contornar os possíveis problemas pelos quais pessoas são acometidas devido ao ritmo frenético do trabalho. Segundo o CEO de uma Agência de Marketing digital de Araraquara (SP) que usa da gameficação para estimular seus funcionários, a ideia é que a ferramenta aproxime as pessoas e a empresa em que trabalham através de uma experiência única:

A gameficação vem como uma ferramenta que tenta suportar ou melhorar a experiência que a gente tem com o capitalismo, não que isso seja uma crítica, mas existem muitos contras que podem ser suportados pela ferramenta…” 

O erro é uma possibilidade nesse sistema, ainda que controlado pelos limites da corporação, errar  admite ao integrante da equipe a abertura para aprendizado e “empatia” com os demais. 

Ana Moser
Fonte: divulgação

Circuito aberto

Previsibilidade aparece na fala da ministra Ana Moser sobre eSports: “(…) Jogo on-line não é imprevisível, é desenhado por uma programação digital (…) fechada, (…) não é aberta“. Leia mais aqui!

Esporte pressupõe, ainda segundo a ministra, desfecho inesperado, mesmo que atletas de alto rendimento quase não experienciem sua fruição lúdica, a imprevisibilidade das ações e outras características daquilo que Moser define por esporte. 

Noção de improviso também aparece em práticas esportivas que fazem parte das novas modalidades olímpicas. A exemplo, o Breaking (dança), que antes não era visto como um esporte e cujos contornos do improviso o evidenciam como uma prática agonística composta por competidores, vencedores e perdedores.

E afinal de contas, o que dizem os intelectuais sobre esporte?

Esporte é uma nova epistemologia para se pensar o mundo, o jogo estiliza as relações sociais. Há de se pensar a prática esportiva dissociada do mundo capitalista, pois em diversas sociedades não-capitalistas, há e houve a presença da competição nas relações de troca. 

Muitos intelectuais debateram sobre a temática. A exemplo, encontramos Huizinga (1938), entendendo o jogo como forma elementar das relações sociais. Em Dunning e Elias (1992), a máxima desse debate se concentra na compreensão das práticas como mediadoras entre seriedade e ludicidade (não seriedade). Para os autores, a jocosidade seria considerada toda atividade que é fruto do prazer, em que não há regras e nem controle dos impulsos primários. 

Elias também entende que esportificar passatempos implica em normalizá-los. Instaurar uma instituição reguladora dessas práticas é, de certa forma, parlamentarizar a vida pública, ou seja, atribuir regras e condicionamentos aos comportamentos  e às práticas lúdicas por quem as pratica. 

eSports e as regras do jogo 

A verdade é que a categorização de eSports como esportes ou não é um debate em aberto no Brasil. E essa discussão é atravessada ainda por outras questões até mais urgentes, como a acessibilidade social que a prática implica. 

E a questão econômica é um entrave para a modalidade porque sabemos que para montar um computador gamer um jogador precisa disponibilizar, de início, ao menos três mil reais para poder participar. Não é à toa que só em 2021 o mercado dos e-games gerou, em receita, cerca de 170 bilhões de dólares e a estimativa para 2023 é de mais de 200 bilhões.

Outra peculiaridade dos jogos eletrônicos é que as publishers (empresas privadas) são proprietárias dos games que criam, e os campeonatos desses jogos, em sua maioria, são montados por estas próprias empresas, que dominam o circuito.

E não é tão simples se tornar um pro-player (jogador profissional). No Brasil, por exemplo, já existe uma Confederação Brasileira de eSports que intermedia a maioria dos times, dos atletas e que, de certa forma, regula a prática. 

Existe diferença entre times amadores e equipes profissionais. Essas são amparadas por contratos com patrocinadores que definem times titulares e reservas, treinos e apoio físico, mental e estratégico. A lógica das competições está em jogar e-games que sejam divertidos de assistir, de jogar, e que, em certa medida, evidenciem as habilidades de quem joga. Portanto, existe uma noção de equidade nessas práticas, onde o que prevalece para determinar um vencedor é sua maestria em ser o melhor entre todos cujas condições de jogo são as mesmas. 

Confederação Brasileira de eSports
Fonte: divulgação

Considerações finais 

O debate em questão não reflete a necessidade em saber se eSports são ou não esportes, mas sim em como a mobilização de um conceito pode impactar fenômenos socioculturais. 

Nas empresas, como vimos, a definição é utilizada como uma forma lúdica de lidar com o trabalho. No Breaking, muitas repercussões estão surgindo, sobre a conduta dos novos atletas, sobre a aproximação e o distanciamento dos conceitos de dança e esporte, sobre como parlamentarizar a prática e se consolidar – também – como esporte. 

No BBB (Big Brother Brasil), os conceitos de jogo e esporte são manipulados de forma a colocar em evidência a vida cotidiana e debates em voga na sociedade, sempre com o objetivo de entreter não só quem está jogando, mas também quem se engaja vendo pela tv.

Por fim, jogar luz nestes outros debates acerca dos jogos e esportes foi o principal impacto da polêmica fala da ministra.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

ALVARENGA, Gabriela. Gameficação, esportes e eSports: breve análise sobre. Ludopédio, São Paulo, v. 164, n. 3, 2023.
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