137.15

“Gente igual eu só te serve se tiver fazendo gol pelo seu time?”

Luiz Gustavo Ribeiro 8 de novembro de 2020

“Amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça é por nós, por amor…”

Foi citando a icônica música “Jesus Chorou” do Racionais MC’s que o atacante Taison, ex-Internacional, iniciou a publicação em suas redes sociais sobre o caso de racismo que sofreu com seu companheiro Dentinho, ex-Corinthians, em jogo do seu time Shakhtar Donestk contra o rival Dínamo de Kiev, em novembro de 2019, pelo Campeonato Ucraniano.

Em meados do segundo tempo da partida, os brasileiros foram insultados pelos torcedores visitantes no Estádio Metalist, onde o Shaktar mandou aquela partida. Ofensas e xingamentos racistas foram proferidos e causaram a revolta dos brasileiros em campo.

Taison não se calou.

Mostrou o dedo do meio e chutou a bola em direção à torcida do Dínamo em forma de protesto. O desfecho dessa história? O juiz o censurou com um cartão vermelho.

Taison e Dentinho saíram de campo chorando. Uma cena chocante e inaceitável no futebol.

Mas essa não é uma história isolada. Pelo contrário, é mais um desprezível episódio que alimenta uma agenda racista. Naquela época, semanas antes, o futebol italiano chocou o mundo (ou a bolha de quem nunca se importou) com manifestações racistas de torcedores da Lazio. Mas para o presidente do clube, Claudio Lotito, os gritos que imitam macaco “nem sempre” são racistas. Segundo ele, “pessoas de pele NORMAL, branca, também são vaiadas”.

Ufa… Agora me senti representado.

Taison

Mesmo com os casos habituais de racismo no futebol europeu, que já atingiram diversos jogadores desde Roberto Carlos, passando por Daniel Alves, até chegar em Balotelli, a discriminação racial não é um mal exclusivo do velho continente.

Para alguns de nós brasileiros, esses casos são motivos de surpresa. Para negros, como eu, são cotidianos. Principalmente quando se vive em uma sociedade que vela casos de racismo desde sua formação colonial.

Por ironia do destino, no mesmo dia do caso de Taison e Dentinho, o Campeonato Brasileiro mostrou a sua cara racista. Na partida entre Cruzeiro e Atlético Mineiro, válida pela 32ª rodada da competição de 2019, um torcedor atleticano discutiu com um segurança que trabalhava no Mineirão e em meio a tanta “educação” disparou um “olha a sua cor”.

Vale lembrar ao caro torcedor alvinegro que essa “cor” é a mesma de um tal de Ronaldinho Gaúcho, que há seis anos liderava o mesmo Atlético Mineiro na campanha da primeira conquista da Libertadores do time.

Hoje o futebol brasileiro recebe outro alerta. Dessa vez para uma mudança de postura. Assim como Taison fez, mesmo após ter sido censurado pela arbitragem. Como diria Angela Davis:

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.

Por isso, somos todos Taison. Somos todos Dentinho. Somos todos Tinga. Somos todos Aranha. Somos todos Arouca. Somos todos Marcelo. Somos todos Daniel Alves. Somos todos Malcom. Somos todos Raheem Sterling. Somos todos Samuel Eto’o. Somos todos Romelu Lukaku. Somos todos Mario Balotelli.

Hoje no mundo do futebol, somos todos alvos.

*Título em referência à música “Estereótipo” de Rashid.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luiz Gustavo Ribeiro

Fã de basquete e futebol. Filho da Bahia e aspirante a pro player de FIFA nas horas vagas. Graduando em jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Como citar

RIBEIRO, Luiz Gustavo. “Gente igual eu só te serve se tiver fazendo gol pelo seu time?”. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 15, 2020.
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