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Nada mais que um nome. Na Ilha do Governador, um estádio que virou arena

Leda Costa 10 de outubro de 2016

01 de outubro de 2016. Botafogo 2 x 0 Corinthians. Partida válida pelo Campeonato Brasileiro de 2016 e jogada na Arena Botafogo que fica situada no Estádio Luso Brasileiro de propriedade da Associação Atlética Portuguesa, da Ilha do Governador. O Luso, aliás, completou seus 51 anos de vida, no dia seguinte àquele jogo.  Desde que o Botafogo anunciou que mandaria seus jogos no Luso Brasileiro, me enchi de curiosidade em saber, e presenciar, as modificações pelas quais o estádio passaria para poder abrigar partidas do principal campeonato de futebol do país. Por isso, fui assistir a um delicioso clássico entre Portuguesa e Bangu, pela Copa Rio.

O Luso tem vocação para a diversidade esportiva. Foi aberto ao público, em 1965, e parte dele já foi o Jockey Club da Guanabara, inaugurado em 1961 e fechado um ano depois, sendo comprado pela Portuguesa. Com o Maracanã em obras para o Pan-2007, em 2005, o estádio foi pela primeira vez transformado em “arena” para receber os jogos de Flamengo e Botafogo que, em parceria com a Petrobras e o Governo do Estado, construíram arquibancadas tubulares aumentando sua capacidade para cerca de 30 mil pessoas:

Fonte: http://suburbiosdorio.blogspot.com.br/2011/11/jockey-clube-da-ilha-do-governador.html
Hipódromo da Ilha do Governador. Fonte: http://suburbiosdorio.blogspot.com.br/2011/11/jockey-clube-da-ilha-do-governador.html
Fonte:http://fotoclone.in/ilhadogovernador/ilhadogovernador_1399.html
Fonte:http://fotoclone.in/ilhadogovernador/ilhadogovernador_1399.html
Fonte: http://www.arenapetrobras.jhareias.com/oprojeto_descricao.php
Arena Petrobrás. Fonte: http://www.arenapetrobras.jhareias.com/oprojeto_descricao.php

Desde o final dos anos de 1990, a palavra arena se transformou em sinônimo de arquitetura esportiva que representava os anseios de modernização gestados no futebol. Em solo nacional, em 1999, a Arena da Baixada foi inaugurada e, durante algum tempo, foi tomada como exemplo de modernidade que deveria ser adotada por outros clubes. Mesmo sem ser nomeado arena, em 2007, o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, representou mais uma etapa de fortalecimento dos discursos de exaltação da necessidade de se construir novos estádios e praças esportivas. Mas é com a iminência da Copa de 2014 que a palavra arena se confirma como sinônimo de modernidade, transformando-se em sonho de consumo de diversos clubes como foi o caso do Grêmio e Palmeiras que construíram as suas, deixando para trás seus antigos estádios.

Arena carrega consigo a concepção de espetáculo e divertimento, não sem motivos era o nome dado ao local onde, em Roma, ocorriam a luta entre gladiadores, extremamente apreciada por um público ávido em ver o sangue de quem lutava, derramado e absorvido pelo solo de areia – arena em latim – que cobria o palco da batalha. As arenas contemporâneas mantêm esse vínculo com espetáculo, desta vez destituído da violência, mas ainda voltado ao divertimento de públicos massivos, obedecendo as demandas do entretenimento “midiático e transnacional contemporâneo” como, certa vez, afirmou o professor José Miguel Wisnik.

Passada a Copa 2014, muitas arenas, no Brasil, apresentam problemas estruturais devido à falta de manutenção e uso. Porém, é interessante perceber que “arena” se consolidou como uma marca forte, incorporada a estratégias de marketing que objetivam revestir certos espaços com uma atmosfera moderna. Sendo assim, ir a um lugar chamado arena não, necessariamente, significa adentrar em um ambiente hipermoderno, semelhante a shopping centers como comumente costumou se definir – e se vender – a marca arena, em oposição aos estádios. Esse é o caso da arena Botafogo.

Devido aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos tanto Maracanã quanto Engenhão deixaram de poder ser usados pelos clubes cariocas. Como solução, o Botafogo buscou uma parceria com a Portuguesa, evitando assim levar suas partidas para fora do Rio de Janeiro. O clube alvinegro reformou os vestiários, o gramado, instalou refletores e bancou a construção de arquibancadas provisórias que permitiu que o Luso de 3 mil, passasse a receber 17. 250 torcedores. O resultado dessas obras foi uma mistura de estádio com um pouco de arena.

O estádio é da Portuguesa e a arena do Botafogo. Uma arena provisória que, em grande medida, nada mais é que um nome. E esse fenômeno me pareceu fascinante.

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

 

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

 

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

Portuguesa 1 x 0 Bangu, no estádio-arena Luso Brasileiro

 Enquanto grande parte das atenções se voltam para os jogos do Brasileirão, Copa do Brasil e os campeonatos europeus como o Inglês ou o Espanhol, há vida futebolística pronta para ser experimentada em diversos campos do país. Temos a Copa Rio, por exemplo, campeonato que reúne as equipes melhor colocadas nas três divisões do Carioca*. O vencedor pode optar para ser indicado pela CBF para participar da Copa do Brasil ou da Série D do Brasileiro. Temos nessa competição uma tabela farta de encontros clássicos como é o caso de Portuguesa e Bangu.

Numa tarde tranquila de outono, poucos programas podem ser mais interessantes do que assistir a uma partida de futebol desse porte que reúne clubes representantes de dois charmosos bairros do Rio de Janeiro. De um lado a Portuguesa da Ilha do Governador que durante tanto tempo foi treinada pelo lendário Gentil Cardoso. É dele a frase “vai dar zebra”, dita em 1964, para responder a um repórter que lhe perguntou quem ganharia o jogo entre Vasco e Portuguesa.  Zebra, aliás, é a mascote do clube da Ilha.

E o que dizer do Bangu, sem cair em repetição? Clube fundado em 1904, campeão mundial em 1966, fato já descrito aqui no Ludopédio, e que entrou em campo pela Copa Rio acompanhado de uma torcida fiel e que podemos dizer que promoveu uma “invasão banguense” ao Luso Brasileiro.

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.
Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.
Foto: Leda Costa.

 

Torcedores da Brava Raça Lusitana. Foto: Leda Costa.

Assisti ao jogo nas sociais, onde pouca coisa mudou. Pude ver uma parte tomada de cadeiras que eram do Maracanã e de longe, sem chegar próxima, avistei as arquibancadas metálicas que contornavam o gramado. O público tem possibilidade de ficar bem próximo ao campo, o que nem sempre é viabilizado pela arquitetura de diversas arenas recentemente construídas. No caso de Portuguesa e Bangu foi possível assistir bem de perto a entrada dos jogadores. Porém, algumas experiências foram dificultadas ou mesmo inviabilizadas. Assistir ao jogo grudada no alambrado, por exemplo, se tornou mais difícil. As escadas de acesso a essa parte do estádio estavam não somente consertadas como trancadas, sem mencionar na maior vigilância. Se ver o jogo no alambrado ficou mais complicado, entrar no gramado após  a partida se tornou inviável. Os portões que dão acesso ao gramado e que viviam abertos, encontravam-se remodelados e fechados, obviamente devido aos jogos do Botafogo. Senti saudades das minhas invasões ao gramado a cada final de jogo. Mas é compreensível a necessidade de se preservar o campo dos usos indevidos, afinal a grama é nova e tratada, o que há muito tempo não se via no Luso

Foto: Leda Costa.

 

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.
Foto: Leda Costa.

Na verdade, o Luso merecia um gramado como aquele, independentemente, de receber ou não jogos do Brasileiro da Séria A. E aqui chegamos a uma questão importante a ser apontada. Quando Maracanã e Engenhão ficam indisponíveis passa-se a impressão de que o Rio de Janeiro só possui esses dois estádios, somados a São Januário. Porém, o Rio tem diversos outros, espalhados pela cidade. Posso rapidamente citar alguns exemplos como Moça Bonita, Estádio do Olaria, Giulite Coutinho, Nielsen Louzada, Ítalo Del Cima, Leônidas da Silva, Conselheiro Galvão e o Figueira de Melo que em abril completou 100 anos.

O Luso já foi transformado duas vezes em arena. Esses momentos não devem ser desprezados, pois concedem a oportunidade de estádios de clubes como a Portuguesa da Ilha serem alvo de atenção e cuidado. O que pode ser questionado é o fato de esses momentos acontecerem apenas em função de problemas que afetam aos chamados grandes, como foi o caso do Botafogo. Fora isso, tradicionais praças esportivas sobrevivem com dificuldade, muitas delas sendo lembradas somente no campeonato Carioca, além das diversas outras que estão fechadas ao público há tempos, como é o caso do Ítalo Del Cima, em Campo Grande. Todos esses estádios têm uma história e evocam memórias atreladas ao futebol do Rio de Janeiro e aos espaços que ocupam na cidade.

Não creio na necessidade de transformá-los em modernas arenas, mas penso que seria fundamental mantê-los vivos e ativos, juntamente com os clubes aos quais estão vinculados. Arenas como a do Botafogo – e o caso do Giulite Coutinho que tem recebido os jogos do Fluminense – dão mostras de que é possível haver espaços do torcer que não sejam fundamentados em uma “arquitetura da exclusão” para fazer uso da expressão de Flavio de Campos em relação às modernas arenas construídas para a Copa de 2014.

A arena Botafogo nada mais é do que um conjunto de arquibancadas temporárias somadas às de cimento ali existentes há mais de 50 anos. Após o retorno de Maracanã e Engenhão essas estruturas serão removidas e o que ficará? Além das sociais do Luso, creio que fica algo importante de ser pensado. Na arena temporária tivemos o clássico Botafogo x Flamengo, assim como Botafogo x Grêmio e Botafogo e Corinthians, ou seja, partidas envolvendo clubes chamados “grandes” do futebol nacional. O estádio Luso Brasileiro não sofreu transformações tão incisivas para receber esses jogos. As estruturas metálicas não possuem cadeiras, e estão longe de oferecerem aquele conforto que se costuma exaltar nos discursos em defesa da necessidade de reformulação dos estádios de futebol na direção de um “padrão Fifa.

Foto: Leda Costa.
Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

Essa fusão temporária dá mostras de que os espaços do torcer podem ser negociáveis e não, necessariamente, pautados por ímpetos fáusticos de modernização. A arena Botafogo, em sua provisoriedade, viabiliza uma espécie de desmistificação das arenas e aponta para a possibilidade de pensarmos que os rumos mercadológicos e globalizantes do futebol não provocam e não precisam provocar – necessariamente, um efeito de homogeneização como, muitas vezes, imaginamos.

Mais uma vez é válido lembrarmos que a arena do Botafogo um dia vai embora e o estádio Luso Brasileiro permanecerá. Com ele, seria ótimo que fossem mantidos e preservados o gramado, os refletores e outros melhoramentos que de fato eram necessários. É importante que se entenda que os questionamentos lançados contra as tendências de “gentrificação dos estádios”, como menciona Bernardo Buarque de Hollanda, não significa a negação da importância de se prover melhorias na estrutura de tradicionais praças esportivas das cidades.

Tenho esperanças de que a provisória arena Botafogo tenha dado mostras de que é possível haver espaços mais democráticos de se torcer, mesmo que ele se chame arena.

* A Copa Rio reúne os melhores colocados nas séries A, B, e c do Carioca. Dessa competição não podem participar clubes que estejam classificados para as séries A e B do Brasileiro, assim como participando da Libertadores ou da Copa do Brasil.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leda Maria Costa

Professora visitante da Faculdade de Comunicação Social (UERJ) - Pesquisadora do LEME - Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte -

Como citar

COSTA, Leda. Nada mais que um nome. Na Ilha do Governador, um estádio que virou arena. Ludopédio, São Paulo, v. 88, n. 4, 2016.
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