Quando as tropas comandadas por Augusto Pinochet bombardearam e marcharam para invadir La Moneda, o presidente eleito, Salvador Allende, cometeu suicídio e o Chile caiu em tenebrosos anos de repressão ditatorial.
A escuridão que encerrou a democracia chilena não poupou nada, nem o futebol e, do dia para a noite, o Estádio Nacional de Santiago passou de palco das alegrias do povo chileno à prisão e centro de tortura dos adversários políticos do regime.
O dia 11 de setembro de 2001 ficou mundialmente marcado pelos ataques terroristas aos Estados Unidos que, entre outros acontecimentos, provocaram a queda das Torres Gêmeas. Pouca gente se atenta ao fato, porém, de que outro 11 de setembro, o de 1973, guarda péssimos acontecimentos que repercutiram em todas as áreas da sociedade chilena, inclusive no futebol.
Segundo a Cruz Vermelha, mais de 7 mil pessoas foram levadas pelos militares para o Estádio Nacional em um único dia.
A pior substituição do Estádio Nacional: sai o futebol, entra Pinochet
Um sentimento raro em estádios é a tristeza. Quando há tristeza em um estádio, dificilmente é o sentimento da totalidade das pessoas nas arquibancadas. O Chile tem um episódio sombrio em sua história que foi responsável pela mais terrível substituição do Estádio Nacional de Santiago: saíram a esperança, a felicidade e os cânticos de torcedores para entrarem o medo, a tristeza e os gritos de horror dos que ali foram presos e torturados.
O golpe de Augusto Pinochet, que aconteceu no dia 11 de setembro de 1973, culminou com o suicídio de Salvador Allende. Quando o sol se pôs, o Chile tinha um novo mandatário sem que o povo tenha decidido nada e ao amanhecer o dia 12 de setembro, o Chile vivia uma obscura ditadura.
Uma das principais táticas usadas pela repressão do regime de Pinochet – como é habitual de governos autoritários – , foi a prisão e tortura de oponentes políticos. Dessa maneira, em pouco tempo, foi necessário um lugar maior para abrigar toda e qualquer pessoa que estivesse na paranóica e arbitrária lista de perseguição da ditadura.
Por isso, na manhã do dia 12, o Estádio Nacional virou prisão e o principal centro de tortura do país. De uma hora para outra, o maior estádio do Chile, palco de finais de Libertadores e decisão de Copa do Mundo, além de ser um dos gramados mais tradicionais do planeta, passou a ser um lugar de sofrimento.
Historiadores apontam que em aproximadamente dois meses funcionando como prisão, o Estádio Nacional recebeu cerca de 40 mil pessoas que foram perseguidas por suas orientações políticas, muitas das quais sequer tinham filiação partidária.
A vocação esportiva foi convertida numa perversa lógica repressora que usava os alto-falantes para anunciar não substituições ou gols, mas nomes dos próximos a serem interrogados e torturados nos camarotes e cabines de imprensa.
Existem relatos de pelo menos 400 mortos nos dois meses de funcionamento da prisão-estádio. O regime de Augusto Pinochet desativou a prisão do Estádio Nacional por conta justamente do futebol.
O futebol de volta ao gramado com uma encenação
Não estava nos planos da ditadura encerrar as atividades do estádio/prisão, no entanto, Chile e União Soviética disputaram a repescagem por uma vaga na Copa do Mundo de 1974. Na ida, em Moscou, um empate sem gols levou a decisão para o Chile e o estádio foi rapidamente evacuado para dar lugar ao que nunca deveria ter sido deixado de lado, o futebol.
No jogo da volta, em Santiago, a seleção da URSS recusou-se a entrar em campo por saber que o estádio havia sido palco de prisões arbitrárias, torturas e execuções. Para acirrar o clima, os regimes dos dois países tinham ideologias diametralmente opostas.
Sem a Seleção Soviética dar o ar da graça no gramado, a arbitragem decidiu encerrar a partida e a vaga ficou com o Chile. Para garantir a ida ao Mundial, os chilenos tiveram o “cuidado” de dar a saída do meio-campo e irem até o gol adversário para simular a “normalidade” da disputa.
Nunca esquecer para não repetir
Foram dois meses em que a repressão usou as instalações do estádio para prender e torturar opositores, mas há 47 anos, o Chile se esforça para não deixar que se apague a memória dos acontecimentos nefastos de 1973.
Mesmo passado quase meio século e até uma reforma no Estádio Nacional, a estrutura do Portão 8 é preservada exatamente como era nos dias em que o estádio serviu como prisão. A “Escotilla 8” foi o lugar por onde os prisioneiros eram levados para o banho de sol.
Acima da entrada do corredor da saída 8 está gravada uma frase que diz muito sobre como a sociedade chilena enfrenta seus monstros e se previne, com educação e sem negar o passado, para que o horror, a perseguição e o autoritarismo não voltem a assombrar o país.
“Um povo sem memória é um povo sem futuro”.
Foto: Estádio Memória / Reprodução
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.
Como citar
BRANDãO, Pedro Henrique. O 11 de setembro do futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 23, 2020.
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