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O ace de Patrícia

Luciane de Castro 19 de fevereiro de 2019

Eis que retorno do período sabático para as linhas do amado Ludopédio. Eis que o momento não poderia ser mais bizarro, mas eis também que nada nos faz produzir com o sangue mais acelerado nas veias, com as pupilas mais dilatadas, com os ouvidos mais atentos, com o olfato mais apurado e visão mais ajustada, que tempos bicudos. E bicudos de amor, de compreensão, de ouvidos para ouvir e humildade para aceitar a própria limitação.

Neste ínterim recebo a incumbência de falar com a tenista Patrícia Medrado para composição de um material sobre as mulheres nos esportes e me deparo com a falta de conhecimento das pessoas sobre sua história, seu nome, sua atuação e importância para o esporte feminino brasileiro.

Quem é Patrícia Medrado?

Patrícia Medrado é um dos nomes fortes do tênis brasileiro que iniciou sua jornada esportiva aos 10 anos de idade para, aos 14 anos conquistar seu primeiro título como campeã brasileira infanto juvenil. Teve a grande oportunidade de jogar ao lado da lenda Maria Esther Bueno e atuar de maneira contundente na história do tênis feminino nacional.

A ideia deste texto de retorno de férias não é contar os inúmero títulos que Patrícia Medrado conquistou ao longo de sua vida como atleta de alto rendimento, mas sim destacar sua atuação em benefício das mulheres no esporte através da criação da LIFT e da liderança do boicote ao campeonato brasileiro em 1980.

Na esteira da notável partida entre Billie Jean King e Bobby Riggs em 1973, Patrícia e outras tenistas da época como Wanda Ferraz, Cristiane Brito, Cristina Andrade, Glaucia Langela, Elizabeth Borgiani, Vera Cleto Giumi e Marília Matte, fundaram a LIFT – Liga Feminina de Tênis, como modo de apontar o abismo nas relações de gênero no tênis brasileiro. 

“A LIFT foi fundada em 1975 justamente em razão de nossa insatisfação com o número de torneios e premiações. O tênis estava muito carente naquela época e tínhamos um grupo com número razoável de mulheres atuando na modalidade, o que acabou ajudando na criação da Liga, que tinha o intuito de chamar a atenção, colocar um holofote sobre o tênis feminino da época.”, conta Patrícia.

De fato, a criação de LIFT foi notícia e tem sua história contada no livro “O tênis feminino no Brasil” de Odir Cunha e editado pelo Selo Sesc em 1989. Ainda que o passar dos anos insista em trabalhar o apagamento dos feitos femininos, relembrar e trabalhar para que os momentos em que mulheres tomaram decisões que visassem jogar luz e ampliar a visão de suas condições enquanto atletas, é sempre necessário.

Pesquisando a criação da LIFT, encontrei recortes interessantes no blog de Marcio Fonseca, que entre outras atividades, foi tenista do Fluminense Futebol Clube. O acervo publicado no blog é de Vanda Ferraz de Oliveira.

Acervo publicado no blog de Marcio Fonseca.
Acervo publicado no blog de Marcio Fonseca.
Acervo publicado no blog de Marcio Fonseca.
Acervo publicado no blog de Marcio Fonseca.
Acervo publicado no blog de Marcio Fonseca.

A LIFT não se manteve por muito tempo, mas foi uma importante demonstração de força e união das tenistas brasileiras em uma época de grande destaque dos movimentos feministas. Pode não ter durado muito, mas foi motivador para o boicote de 1980, entre todos os disparates muito óbvios em se tratando de valores de premiação, condições, quantidade de torneios e etc, que sempre permearam a vida da atleta em todo o mundo.

“Fui a primeira a observar toda a situação e comecei a ligar para todas as jogadoras. O primeiro contato foi com a Claudia Monteiro, que já era minha parceira de duplas e minha melhor amiga. Depois as outras atletas também aderiram ao movimento. Me lembro bem que a Sul América Seguros fez um torneio em nossa homenagem, logo após o boicote ao Campeonato Brasileiro. Acabei vencendo este torneio.”.

Patrícia cita o momento de visibilidade e também sobre os acontecimentos internacionais: “De certo modo conseguimos chamar a atenção, atingimos um objetivo, mesmo com o fim da LIFT. Ainda estavam rolando todos aqueles acontecimentos como a WTA, Billie Jean King, a Batalha dos Sexos, foi um intenso momento do feminismo.”.

Acervo publicado no blog de Marcio Fonseca.

Em “A Guerra dos Sexos“, filme estrelado por Emma Stone e Steve Carrel para contar o duelo mais famoso do tênis mundial, muitos tiveram a oportunidade de conhecer a história de Billlie Jean King e sua luta pela equidade de gênero no tênis. Após o lançamento e exibição, muito material foi levantado e publicado pelas redes, mas a história das tenistas brasileiras, que sob a liderança de Patrícia Medrado levantaram a bandeira do tênis feminino brasileiro e denunciaram o abismo nas relações de gênero no esporte de modo inédito, pouco material foi produzido.

A pretensão deste pequeno texto é instigar os pesquisadores, estudantes, cineastas (por que não?) e jornalistas fora do circuito futebolístico, a aprofundarem o conhecimento sobre este momento histórico e inspirador. 

Acervo Patrícia Medrado.

“Vale mencionar que este foi o primeiro movimento feminista no tênis do Brasil. Até esta data pouco se falava das mulheres tenistas e ele foi importante por demonstrar a união das atletas nestes dois pequenos momentos da história: em 1975 com a criação da LIFT e em 1980, com o boicote. Agora bateu até um saudosismo, uma certa nostalgia”, encerra Patrícia.

Ainda que não tenham visto ou mal se lembrem, este foi o ace mais bonito de Patrícia. Registre-se, espalhe-se!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. O ace de Patrícia. Ludopédio, São Paulo, v. 116, n. 19, 2019.
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