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O Barcelona, o nacionalismo autonomista, nossa falta de informação e o pecado do jornalismo

Hugo Lovisolo 3 de janeiro de 2012

Durante a última semana de novembro a SporTV2 passou várias vezes um programa sobre o F.C. Barcelona, o Barça, considerado atualmente o melhor time de futebol do mundo. A estrutura do programa foi simples: o relator passeou pelo Museu do Clube lendo e mostrando textos e imagens sobre momentos significativos de sua história. O jornalista ou repórter usou o Museu do Barça sem questionamentos, como qualquer um poderia fazer com o site. Se alguém perdeu o programa pode encontrar o material utilizado no site do Clube, mais ainda quando parece que Museu e site são a mesma coisa.

Cartaz do Museu do Barcelona exposto no próprio museu do clube. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Houve vários aspectos que despertaram questões que considero relevantes e boas para pensarmos nelas. Inicialmente listarei uma série de auto representações que aparecem no site:

1. O Barcelona se considera mais que um clube (més que un clube, em catalão);

2. Reivindica uma história estreitamente relacionada com o nacionalismo catalão e com a democracia na luta contra o autoritarismo e o centralismo representado, especialmente, pelo franquismo;

3. Sua origem está marcada pela presença de um pather foundation estrangeiro, suíço.

4. Dentre os primeiros dirigentes se destaca a presença de estrangeiros, suíços e ingleses especialmente;

5. O Clube apresenta uma história de abertura para contratar jogadores e técnicos estrangeiros que são apresentados em destaque e como craques. Apresenta-se a abertura de contratação internacional como uma tradição, mais ainda, os estrangeiros tiveram, e ainda têm, um papel de destaque, foram e são, com alta frequência, ídolos do Clube. Caso atual de Messi.

6. O Barcelona aparece constituído e se constituindo a partir de um alto capital social que lhe permitiu uma história bem sucedida de crescimento material (várias sedes e campos), financeiro e de alta confiança com a associação e entre seus membros.

A primeira questão que aparece toma corpo na junção de um nacionalismo catalão ativo e a participação de dirigentes não catalães, e nem espanhóis, na fundação e direção do clube. Este fato parece apontar para uma fundação na qual o papel dominante foi exercido pelos estranhos ou estrangeiros e isto sugere questões significativas sobre a relação e abertura da Catalunha, uma cidade porto, nos tempos da fundação do Clube. Em vários sentidos, poderia se pensar em uma criação de dentro para fora. Em segundo lugar, o orgulho do Clube em relação ao papel de destaque de técnicos e jogadores estrangeiros nos leva a pensar na peculiaridade do nacionalismo catalão. De modo geral, a base dos nacionalismos, inventada ou não, remete a um processo interior e não raro de baixo para cima e onde o povo tem papel de destaque (samba, futebol e carnaval ou a literatura criollista no caso da Argentina). Na história do futebol do Brasil, os atletas nacionais ocupam papel de destaque e a oposição ao Vasco é interpretada como oposição ao português.

Pareceria que o nacionalismo catalão, no contexto da “Espanha invertebrada”, expressão de Ortega e Gasset, estaria entremeada pela oposição ao centro, a Madrid, decorrendo que o clássico do futebol seja entre o Real Madrid contra Barcelona? O nacionalismo catalão teria como “outro” o centro que comanda a vontade de vertebrar, de integrar, de criar o poder central e o Estado espanhol? A peculiar relação de oposição que define o nacionalismo catalão parece estar baseada no sentimento de destrato por parte do centro – desde a conquista de América sobre a qual os catalães declaram que foram proibidos de participar até na defesa de uma língua própria, de baixa circulação no mundo globalizado. O ensino bilíngüe na Catalunha, catalão e espanhol, parece ser bastante diferente do ensino bilíngüe no Paraguai, espanhol e guarani. Neste caso se está reconhecendo uma língua autóctone não derivada do latim, o guarani, enquanto o catalão aparece como língua ou idioleto derivado do latim.

Minhas reflexões me conduzem a uma questão que gostaria de pesquisar: o nacionalismo catalão, enquanto reação ao centro, poderia se abrir tradicionalmente à participação de estrangeiros no clube, tanto dirigentes quanto atletas, enquanto fosse uma contribuição na luta contra o centro (autoritário, caso do franquismo, ou democrático). Em outros termos, os estrangeiros seriam incorporados pela sua utilidade na luta autonomista dos catalães?

Estádio do Barcelona. Foto: Giovana Capucim e Silva.

O Barcelona seria mais que um Clube por representar o nacionalismo autonomista catalão? Enquanto o autonomismo vasco caminhou na direção do terrorismo, o catalão teria percorrido a senda civilizada da disputa esportiva? Se se comprovasse que as coisas foram mais ou menos dessa forma, Elias e Dunning mereceriam um reconhecimento ainda maior. Reconheço que ignoro se existem trabalhos nessa direção e é bem possível que existam. Gostaria muito de colaboradores que ajudassem a suprir minha ignorância.

Uma última palavra. O programa da SporTV2 ao qual assisti se caracteriza por uma absoluta falta de questões. Um jornalismo que não realize questões que mobilizem os receptores é, hoje, um jornalismo do passado. Ele repete as respostas que já foram dadas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

LOVISOLO, Hugo. O Barcelona, o nacionalismo autonomista, nossa falta de informação e o pecado do jornalismo. Ludopédio, São Paulo, v. 31, n. 1, 2012.
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