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O caminho para a glória mais dolorida do futebol brasileiro

Que o futebol fascina ninguém duvida. A euforia e o êxtase trazidos pelo esporte da bola nos pés são inegáveis. Um turbilhão de emoções podem ser provocadas pelo jogo trazido à Terra de Santa Cruz pelo inglês Charles Miller. Mesmo com a infinidade de emoções possíveis, é difícil pensar alguma tão intensa que seja capaz de impactar nações dos quatro cantos do mundo de uma só vez. Que seja capaz de unir grandes rivais em uma só torcida e um só sentimento.

Apesar da dificuldade de ver real uma situação tal qual, isso é possível e já aconteceu há não muito tempo, e, suponho que você que leu até aqui já consiga imaginar quando e com quem isso foi. Em 2016 um pequeno clube brasileiro foi protagonista de uma história vitoriosa e que, ironicamente, acabou na maior perda de sua história. Da acanhada Arena Condá, na cidade de Chapecó, interior de Santa Catarina, um time de heróis se ergueu para carregar um jovem clube à sua maior glória e protagonizar a maior tragédia da história do futebol brasileiro, talvez mundial.

Chapecoense campeã da Sulamericana 2016
O time da Chapecoense campeã sulamericana e que jamais pode tocar o troféu. Foto: Wikipédia

A Associação Choecoense de Futebol, conhecida apenas como Chapecoense, ou simplesmente Chape, foi fundada em 10 de maio de 1973. Passou a maior parte de sua existência sendo figurante no futebol nacional, participando sempre das divisões inferiores do campeonato brasileiro. Chegou a mudar de nome e chamar-se Associação Chapecoense Kindermann/Mastervet entre 2003 e 2004 para fugir da falência. Contudo, os catarinenses de Chapecó conseguiram se reerguer e em 2009 o time chegou às semifinais da Série D, garantindo o acesso para a terceira divisão no ano seguinte, e começando uma caminhada histórica que terminou com o time disputando a elite do futebol brasileiro pela primeira vez, em 2014.

Na Série A a Chape fez campanhas honrosas, garantindo participação nos campeonatos continentais. Foi em uma dessas competições que o principal capítulo da Chape se fez. Em 2016 a equipe do interior catarinense disputou a segunda Copa Sulamericana de sua história. Começou a trajetória na fase nacional da competição enfrentando o Cuiabá, e no primeiro jogo foi derrotado nos domínios adversários por 1 a 0. No jogo da volta, os guerreiros de Condá fizeram 3 a 1 e carimbaram o passaporte do time à fase seguinte, quando encararia um dos maiores times do futebol sulamericano, o multicampeão Independiente da Argentina.

No duelo com os “hermanos” muita rivalidade, como é de se esperar, mas nada de gols. Dois empates em 0 a 0 na Argentina e no Brasil levaram a disputa da vaga para a fase seguinte para os pênaltis. Foi naquela noite de 28 de setembro de 2016 que o Brasil viu a ação de um homem que virou santo: São Danilo. Pouco mais de 10 mil pessoas estavam presentes na Arena Condá e viram o arqueiro alviverde pegar quatro de oito pênaltis cobrados pelos argentinos. No final a Chape venceu a disputa de penalidades por 5 a 4.

Na fase quartas de final os adversários foram os colombianos do Junior Barranquilla. Jogando fora de casa a Chapecoense foi batida por 1 a 0 no primeiro jogo, mas reverteu a situação em Santa Catarina ao vencer por 3 a 0 e garantir a classificação para a fase semifinal.

No último degrau antes da grande decisão, os brasileiros tiveram pela frente um outro gigante da América do Sul. Mais um argentino se pôs diante dos catarinenses, o San Lorenzo. O primeiro jogo aconteceu na casa dos rivais, e o placar terminou empatado em 1 a 1. Uma nova igualdade sem gols em Chapecó seria suficiente para garantir a primeira vez de um time catarinense em uma final continental. Muita pressão, muita garra e uma atuação de gala de São Danilo, com uma defesa histórica no último lance do jogo, garantiu o 0 a 0 e colocou os brasileiros na grande decisão da Copa Sulamericana de 2016.

A trajetória histórica parecia um sonho sendo vivido com os olhos bem abertos. A pequena Chapecoense que esteve a um passo da falência pouco mais de dez anos antes, se fez gigante e se pôs na grande final da Sulamericana para enfrentar o campeão da Libertadores daquele ano, o Atlético Nacional, da Colômbia.

O primeiro jogo seria em território inimigo e estava marcado para o dia 30 de novembro. O pequeno alviverde àquela altura, já tinha caído nas graças dos torcedores brasileiros dos quatro cantos do país. No entanto, um dia antes, na madrugada do dia 29, os radares aéreos perderam o sinal e a comunicação com o voo 2933 da LaMia. Aquela aeronave transportava sonhos catarinenses e brasileiros.

Um erro de cálculos. Uma pane seca. Alguns quilômetros faltando. E o fim. A defesa de Danilo no último lance do jogo contra o San Lorenzo e que ficou conhecida como a defesa da final, acabou sendo mesmo a defesa do final. A defesa que levou os guerreiros de Condá à glória, que mesmo não sendo a Libertadores, se tornou eterna.

Cerimônia em Homenagem às Vítimas do Acidente com Avião da Chapecoense. Foto: Beto Barata / Fotos Públicas

O avião transportava 77 pessoas, entre jogadores, comissão técnica, diretoria, jornalistas e tripulação. Desses, 71 jamais voltaram a ver a luz do dia. Sobreviveram três jogadores, dois integrantes da tripulação e um jornalista.

O mundo inteiro se comoveu com o fim trágico que teve a Chapecoense de 2016. Torcidas e times nos quatro cantos do mundo foram solidários com a situação. O Brasil inteiro desejou que aquela defesa jamais tivesse acontecido.

Torcedor do Criciúma, grande rival da Chape, presente no tributo às vítimas da tragédia com o voo da delegação da Chapecoense, na madrugada de terça-feira (29), na Arena Condá | Foto: Daniel Isaia/Agência Brasil

Por fim, alguns dias depois, a Conmebol resolveu declarar a Associação Chapecoense de Futebol como a campeã da Copa Sulamericana de 2016, atendendo a um pedido do adversário dos catarinenses naquela final que nunca aconteceu. As páginas dessa final ficaram em branco na historia da Chape. Branco não. Em preto. O preto do luto, o preto da dor e do sofrimento que foi responsável pela maior glória do futebol catarinense, mas também a maior dor do futebol brasileiro. Viva sempre em nossas memórias os guerreiros de Condá!


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Jaqueilton Gomes

Jornalista em formação, amante do futebol e comentarista no Universidade do Esporte

Como citar

GOMES, Jaqueilton. O caminho para a glória mais dolorida do futebol brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 44, 2020.
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