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O fim de uma era: os 15 anos do “maestro” Óscar Tabárez na seleção uruguaia

Fabio Perina 12 de dezembro de 2021

No último dia 19 de novembro foi anunciada pela Asociación Uruguaya de Futbol (AUF) o desligamento de seu treinador Óscar Tabárez, após 15 anos de ótimos serviços prestados (ao menos na avaliação da maioria). Por coincidência justo quando nessa segunda quinzena do mês os olhares sul-americanos estão voltados ao “paisito” para as finais da Copa Sul-Americana e da Libertadores no remodelado Centenário. E diante da conjuntura imediata de uma estagnação da campanha nas Eliminatórias para o Catar 2022. Após 14 de um total de 18 rodadas, a celeste somou apenas 16 pontos, estando no momento fora sequer da repescagem, e vindo de goleadas para Brasil, Argentina e até mesmo Bolívia. Os rumores imediatos até o momento de um possível sucessor oscilam entre dois candidatos com perfis muito distintos: ou o argentino Marcelo Gallardo (hoje no River Plate) ou o uruguaio Diego Aguirre (hoje no Inter).
(Obs1: após quase um mês de negociações finalmente a AUF anunciou um nome ainda mais inexperiente, o argentino Diego Alonso, com uma espécie de contrato de curto prazo e por produtividade condicionado a avançar das quatro partidas restantes das Eliminatórias, eventual repescagem e eventual Copa do Mundo).
(Obs2: também como símbolo dessa provisória busca de identidade foi a bastante criticada derrota recente de 3 a 0 para a Argentina em que os uruguaios sequer receberam um cartão amarelo, levando a imprensa de ambos países a cogitar “perda da essência”! Vide também se cruzar com o questionamento do envelhecimento dos referentes históricos presentes em boa parte desse ciclo: o goleiro Muslera, o zagueiro Godin, os atacantes Suarez e Cavani e o próprio “maestro”).

Óscar_Tabárez
Foto: Wikipédia

A longevidade do experiente treinador (inclusive nos últimos anos com uma muleta a beira do gramado) o levou a dois feitos inigualáveis: a maior duração em um cargo por uma seleção e o maior número de Copas do Mundo jogadas: 1990, 2010, 2014 e 2018. (Sendo que em 2014 foi mais latino-americano que nunca: venceu Inglaterra e Itália, mas perdeu para Costa Rica e Colômbia). Além de ser um dos poucos treinadores campeão tanto da Libertadores como da Copa América. A primeira passagem na virada dos anos 80/90 foi em um cenário com o futebol uruguaio cheio de contradições: muito bem quanto aos clubes Peñarol e Nacional na Libertadores e quanto a seleção campeã da Copa América de 87 e vice de 89; porém muito mal em Copas do Mundo vide a ausência em 82 e sobretudo a goleada de 6 a 1 para a Dinamarca em 86. Ainda assim a participação da celeste do “maestro” na Itália 90 foi honrosa, perdendo apenas para os anfitriões por 1 a 0 nas oitavas de final. De lá para cá houve uma década e meia de profunda crise de resultados e até mesmo de identidade no futebol uruguaio: enfraquecimento dos clubes, ausências nas Copas de 94 e 98 e até mesmo a inédita passagem de um estrangeiro pela “casamata” celeste: o argentino Daniel Passarella. Evidente que a troca de treinadores foi intensa. De consolo apenas o título solitário da Copa América de 95 que sediou.

O pano de fundo é que no momento em que é lançado o saudoso livro “Futebol ao sol e à sombra”, de Eduardo Galeano, em 1994, é quando o clima de “o último que sair apague a luz” ficou mais melancólico. Foi quando o escritor uruguaio mais lamentou não somente a falta de resultados, mas a falta de desempenho, se declarando um mendigo de um futebol bem jogado. A mistura de nostalgia com análise histórica atribui à globalização expondo a fragilidade da economia do país junto de seu futebol ao se ver obrigado a vender muito cedo seus principais talentos diante de clubes endividados. Com uma infinidade de simpáticos clubes de bairros, mas com dificuldades de gerarem rendas de bilheterias. Passando a ser possivelmente um dos cenários de maior contraste entre futebol local estagnado e a exportação de estrelas cobiçadas na Europa. Vide na conquista dessa Copa América quando se precisou de grande esforço para unir a seleção e superar disputas pessoais entre craques ‘estrangeiros’ x jogadores ‘locais’.

O início da segunda e longa passagem do “maestro” pela celeste ocorreu logo após mais uma ausência mundialista: perdendo a vaga para a Austrália na repescagem para 2006. Rapidamente os resultados reapareceram: semifinal de Copa América 2007, semifinal de Copa do Mundo 2010 (após a inesquecível partida contra Gana) e sobretudo o título da Copa América 2011 em plena Argentina. Episódio já recordado aqui. O retorno dos bons tempos na seleção contagiou até mesmo o breve retorno de boas campanhas na Libertadores: o Nacional na semifinal de 2009 e o Peñarol vice de 2011. (Porém no restante da última década houve a volta a rotina de fiascos para os dois clubes: um não avança das oitavas e o outro sequer avança da fase de grupos. Assim como de 2015 em diante o desempenho na Copa América da seleção celeste piorou, sendo que nunca mais alcançou as semifinais).

Diante dos fatores positivos de seu trabalho já bem conhecido, além dos resultados há outros facilitadores nesse processo de responsabilidade do treinador, como o planejamento a médio e longo prazo, vínculo entre seleção de base e principal e sobretudo redução dos conflitos pessoais tornados públicos entre plantel e federação. Alguns rigorosos podem buscar dar ênfase a fatores negativos como nunca ter vencido nesse ciclo os tradicionais rivais Brasil e Argentina.

Óscar Tabárez
Tabárez na Copa do Mundo FIFA de 2018. Foto: Wikipédia

Afinal a pedagogia nada mais é do que a circulação da cultura entre as gerações, tanto é que o “maestro” é responsável direto pelas categorias de base da seleção, e pessoalmente um incentivador do chamado “baby fútbol”, ou seja, os torneios de futebol para a iniciação esportiva cada vez mais cedo das crianças. Ele sabe da dificuldade de captar bons jogadores em uma população menor e principalmente da importância do contato com o lazer na formação cidadã. Um processo pedagógico-futebolístico que em vários anos coincide com um processo pedagógico-político do progressismo naquele país com os líderes Tabaré Vasquez e “Pepe” Mujica. Ao mesmo tempo de resgate da identidade sem estar mais preso às glórias de um passado distante e às botinadas de um passado recente. Evidente que passou por exceções “mal-comportadas” como o “manotazo” de Suarez contra Gana em 2010 e depois sua mordida contra a Itália em 2014.

“Que Luisito Suárez tenha mordido Chielini tratou-se apenas de um incidente típico do recreio, esse momento em que as crianças se transformam em lobos. Frequentar a sala da direção ou as repescagens, afinal de contas, faz parte do aprendizado — e também do ensinamento.”

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. O fim de uma era: os 15 anos do “maestro” Óscar Tabárez na seleção uruguaia. Ludopédio, São Paulo, v. 150, n. 18, 2021.
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