Em 1977, eu que ainda era um guri pequeno, descobri meio por acaso que havia um campeonato mundial de futebol que era disputado em tardes de dias de semana em um país africano do qual pouco ou nada ouvira falar. Com meu irmão, acompanhei em junho daquele ano a primeira edição do Campeonato Mundial de Juniores, hoje chamado de Copa do Mundo Sub-20. Apesar de usarem a camiseta da seleção brasileira, eram desconhecidos os jogadores que a defendiam, mas aos poucos fomos nos familiarizando com eles – mais tarde alguns se tornaram figuras importantes do futebol nacional, como o zagueiro Juninho Fonseca, destaque na Ponte Preta e no Corinthians, e integrante do escrete no Mundial de 1982, na Espanha.

Acompanhei de maneira intermitente as edições seguintes do torneio. No Brasil nunca se deu muita atenção aos êxitos das categorias de base em campeonatos mundiais, e eles são, só na que antecede a profissional (embora os jovens na faixa dos 20 anos já não sejam amadores), cinco. O primeiro título da Sub-20 foi em 1983, quando brilharam Dunga, Geovani, Jorginho e Gilmar Popoca, no México; o último em 2011, com William José, Casemiro,Oscar, Danilo, Alexsandro, Phillipe Coutinho e Dudu, na Colômbia.  Entre um e outro, Taffarel, Muller e Silas estavam no Mundial de 1985 (Romário fora cortado por indisciplina), na União Soviética; Dida e Adriano (que chegaria ao epíteto de Imperador) em 1993, na Austrália;Jeferson, Fernandinho, Daniel Alves (ainda não era acusado de estupro) e Nilmar compuseram o plantel dotítulo alcançado em 2003, nos Emirados Árabes Unidos.

Quando se fala do currículo de um jogador profissional no Brasil, não é comum que se evoque os feitos dos jovens futebolistas, mesmo os títulos internacionais alcançados. Não dá manchetes nos jornais e o televisionamento direto e frequente, disputando horários nobres, é recente e tem a ver com os canais segmentados, dedicados ao esporte. Nos vizinhos Uruguai e Argentina a situação é muito diversa. Um dos marcos do futebol no país de Maradona é a conquista do Mundial de Juniores em 1979, no Japão. Além do próprio Diego, estava Ramón Díaz, então goleador do River Plate, e que faria importante carreira internacional. A vitória de los pibes foi muito comemorada em Buenos Aires, um ano depois da maior das comoções esportivas até então, a conquista da Copa do Mundo de 1978. Sim, aquela sob ditadura e silenciamento, sequestro, tortura e desaparecimento de milhares de pessoas, algumas delas encarceradas a poucas quadras do Monumental de Nuñez, estádio do River Plate, onde foi disputada a partida final contra os Países Baixos. A Escola de Mecânica da Marinha fora transformada em centro clandestino de suplício e morte de opositores do regime.

Dirigindo as duas seleções campeãs, uma em cada ano, estava César Luis Menotti, um dos grandes treinadores da história, com sua visão tática avançada e suas ideias de futebol ofensivo, vibrante e enraizado na tradição platense. Ele foi um dos homenageados pelo Congresso Argentino, em setembro de 2019, no prestigioso Salón de los PasosPerdidos, pelas quatro décadas da conquista no Japão. Mas, não foi só ele o celebrado, acompanhavam-no todos os jogadores campeões que puderam comparecer ao evento. Respeitáveis senhores na casa dos 60 anos, perfilaram elegantes e com orgulho do feito de 40 anos antes. A cena seria impensável no Brasil, que mal reconhece seus vitoriosos em Copas do Mundo adultas.

Uruguai
Foto: Wavebreakmedia/Depositphoto.

Não deixou de ser com certo entusiasmo, portanto, que presenciei, há três semanas, a festa nas ruas pela conquista do Mundial Sub-20 deste ano, pelo Uruguai. O ânimo em Montevidéu foi crescendo na medida do avanço do selecionado no torneio, chegando a um ponto muito alto na vitória contra a seleção de Israel (que derrotara a do Brasil) nas semifinais. O sucesso no derradeiro embate, contra os italianos, foi a senha para que as ruas da capital uruguaia, principalmente a Avenida 18 de Junho, que corta o centro urbano, fossem tomadas no início da noite de domingo, 11 de junho. O frio intenso não foi empecilho, e no dia seguinte ainda houve calorosa recepção aos jovens campeões que atravessaram o Rio da Prata, regressando da Argentina.

Esse pequeno-grande país que é o Uruguai merecia o festejo. Montevidéu é provavelmente a cidade do mundo com mais clubes na primeira divisão profissional, superando Londres e Buenos Aires. Muy fútbolera, grande parte da população se encontrou, uma vez mais, no júbilo de um campeonato mundial conquistado. O anterior, em 1950, com razão sempre é lembrado, sem prejuízo para outros títulos importantes, como a Copa América de 2011. O pai de uma amiga, que no Maracanazo mal havia completado cinco anos de idade, chorou emocionado, dizendo que já não acreditava que pudesse viver outro triunfo dessa magnitude. Foi uma festa muito bonita.

Quem sabe possamos aprender um pouco com os vizinhos, deixando a soberba de lado e valorizando nossas seleções de base. A formação de atletas profissionais é importante, mas a identificação com o time nacional também é. Retomar os símbolos nacionais que foram usurpados nos últimos anos não seria mal negócio, assim como tampouco revalorizar o nosso futebol como patrimônio da nação. Tem algo de romantismo nisso tudo. Mas, tá valendo.

Montevidéu Ilha de Santa Catarina, junho e julho de 2023.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Sub-20 campeão mundial: aqui e nos vizinhos. Ludopédio, São Paulo, v. 169, n. 1, 2023.
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