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O futebol como vontade e representação

Luciane de Castro 11 de fevereiro de 2017

Me aproprio de um pouco de Schopenhauer neste texto de retorno ao Ludopédio sem pretensão alguma de abordar a metafísica do esporte bretão. A ideia é prestigiar os movimentos de arquibancada que vem transformando, entre tantas outras ações, a participação de torcedores para além de seu habitual papel de torcida.

Por isso, o futebol, que representa tão bem várias facetas da existência humana, tem sido utilizado como palco para manifestações de repúdio e exclusão de práticas preconceituosas e políticas antidemocráticas. Em função disto, neste sábado, 11, acontecerá o Primeiro Encontro Nacional do Coletivo Futebol, Mídia e Democracia com a participação de coletivos integrantes de vários estados do país.

O encontro tem por objetivo discutir ações coordenadas nas arquibancadas do país – e fora delas também – durante o ano de 2017 dentro das pautas já definidas:
– Movimentos e formas de resistência no futebol;
– O combate aos preconceitos nas arquibancadas;
– O monopólio da Globo e a questão da mídia; e
– O futebol feminino e a mulher no futebol.

O evento conta com o apoio do Coletivo AGIRArquibancada ampla, geral e irrestrita, e será realizado no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, que fica na Rua Rego Freitas, 454, 8º andar, sala 83, Centro de São Paulo. As portas do Barão de Itararé estarão abertas a todos os interessados em participar da construção do debate e das ações durante o ano e isso inclui pessoas que ainda não estão inseridas em algum coletivo.

O Coletivo Futebol, Mídia e Democracia, surgiu em meados de 2015 após observação do movimento argentino “Fútbol para todos”, iniciativa do governo Cristina Kirchner.

“Deste movimento argentino, observamos que poderíamos desenvolver algo que relacionasse nossa luta pela democratização da comunicação e o futebol. Então montamos o coletivo. Pessoas apaixonadas por futebol e que enxergam o monopólio da TV um dos grandes inimigos do futebol brasileiro”, pontua Thiago Cassis, integrante e um dos idealizadores do FMD – Futebol, Mídia e Democracia.

O caminho do FMD foi marcado até o momento pela campanha #Jogo10daNoiteNão, que tomou proporções bem maiores do que a esperada pelos articuladores do coletivo. “O jogo é realizado às 22h00 em razão da grade da programação da Globo, e acreditamos que essa seria uma forma direta de conscientizar torcedoras e torcedores sobre os prejuízos que o domínio da Globo trazem para o futebol e para quem gosta do esporte. A vitória da campanha foi parcial, a Globo mudou os jogos para 21h45, mas acreditamos que isso não alivia em nada a vida de quem mora longe e quer frequentar os estádios. O futebol é um importante símbolo cultural e formador de nossa identidade, portanto acreditamos que uma TV não pode ser “dona” do nosso futebol.”, continua Thiago.

O ano de 2017 começa de maneira especial para o FMD com o este primeiro encontro, que reunirá, além de integrantes de coletivos de outros estados, também outros movimentos e coletivos, como o AGIR. “A troca de experiências entre torcedores de diferentes estados pode ser um diferencial para as lutas que travaremos em diversas frentes no ano de 2017. O futebol pode e deve ser um espaço de luta.”, completa.

Dos coletivos presentes, O Respeito Futebol Clube, formado em março de 2016, já ganhou destaque na mídia e realizou atividade no Museu do Futebol. O coletivo é um movimento contra o preconceito no futebol dentro e fora de campo.

Arte de chamada do encontro. Facebook.
Arte de chamada do encontro. Facebook.

Do Rio Grande do Sul se faz presente “o Povo do Clube” e o “INTERfeminista”. De Minas Gerais, os representantes das torcidas dos dois maiores clubes, Resistência Azul Popular (Cruzeiro) e a Galo Marx (Atlético Mineiro), com a pauta anticapitalista por um futebol popular em comum, participarão dos temas ‘Movimentos e formas de resistência’ e ‘Combate aos preconceitos nas arquibancadas’, respectivamente.

Leo Souza, da RAP – Resistência Popular Azul, comenta sua participação: “Falarei sobre a experiência como conselheiro de uma grande torcida organizada, a Máfia Azul, e a influência do movimento RAP no contexto da arquibancada, através do diálogo com membros das torcidas e participação efetiva nas dificuldades encontradas por essas agremiações durante o crescente processo de elitização do futebol. Acreditamos que este encontro é importante para aproximar grupos com conceitos e ideias bem parecidas.”

O encontro também contará com representante do movimento Torcedores pela Democracia, que reúne vários coletivos do Rio e de fora do estado também. “Lutamos por democracia no futebol – horário dos jogos, valor dos ingressos – e na sociedade. Estamos organizando um ato contra o abandono no Maracanã, já realizamos uma manifestação na estátua do Belini, um movimento na entrada do Maracanã no final do Carioca e dois debates: um no OcupaMinc e o outro na Praça São Salvador. Faremos um ato no final do Carioca deste ano.”, conta Penélope Toledo, jornalista integrante do Torcedores pela Democracia.

Este é um relato muito breve, já que nos últimos anos, vários coletivos vem se organizando e utilizando a paixão pelo futebol como catalisador da democracia dentro e fora dos estádios, contra os movimentos de retrocesso que já se avizinhavam e com pautas voltadas para as denúncias de racismo, machismo e homofobia.

Pela rede é possível acompanhar o Observatório do Racismo, o Movimento Toda Poderosa Corinthiana, B16 – Bangu Antifascista, Brigada Marighella, Dá Bola Pra Elas, Comuna Rubro-Negra, Por Cotas de Tv Justas, Coletivo Democracia Corinthiana, Porcomunas, e, como times, o Autônomos F.C. e o Corote e Molotov.

Aos poucos, algumas torcidas tomam consciência de seu papel e a necessidade de abraçar democraticamente todos os apaixonados por determinado clube. Foi o caso da torcida Camisa 33, do Remo, que recentemente criou um meme muito assertivo no que diz respeito ao combate do machismo e assédio às mulheres.

Meme criado pela torcida Camisa 33, do Remo. Imagem: Twitter @Camisa33
Meme criado pela torcida Camisa 33, do Remo. Imagem: Twitter @Camisa33

E é dentro deste espírito, o da construção de espaços democráticos nos mais variados assuntos que o futebol suporta com maestria, que o Primeiro Encontro Nacional do Coletivo Futebol, Mídia e Democracia, pretende iniciar o ano de 2017. O futebol é do povo, para o povo e deve ser feito conforme a vontade e a representação do povo brasileiro: tão plural e ao mesmo tempo tão singular.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. O futebol como vontade e representação. Ludopédio, São Paulo, v. 92, n. 8, 2017.
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