“Ás vezes, um drible bonito é mais bonito que o gol”.
Denner
A derrota da seleção nacional para a Alemanha, em Belo Horizonte, pelas semifinais da Copa do Mundo de 2014, significa o início de um movimento ou, como dizem os acadêmicos, uma mudança de paradigma no futebol e, indo além, na sociedade brasileira. Para entender esse processo, retornaremos a 1981:
Durante o Mundialito do Uruguai, especificamente no dia 7 de janeiro, a equipe treinada por Telê Santana venceu com folga a Alemanha por 4 a 1, numas das melhores exibições daquele torneio, classificando-se para a final da competição. Mesmo com a derrota para os donos da casa, a equipe saiu fortalecida devido à técnica de seus jogadores. Meses depois, em maio, o time foi novamente testado, vencendo três amistosos na Europa, contra a França (3 a 1), Inglaterra (1 a 0) e novamente a Alemanha (2 a 1).
O ápice aconteceria logo depois, durante a Copa do Mundo da Espanha, com as apresentações da seleção, sendo quatro vitórias – União Soviética (2 a 1); Escócia (4 a 1), Nova Zelândia (4 a 0) e Argentina (3 a 1) – e uma derrota para a Itália (2 a 3).
Durante o torneio, a equipe encantava o público e a crônica esportiva, como descreveu o jornalista Miguel Reali Júnior, enviado do Jornal O Estado de S. Paulo, em 20 de junho de 1982: “Deuses”, “monstro de 11 cabeças”, “mágicos”, “artistas”, “bruxos”, “exibição de arte”. O Mundo fala Brasil eram as manchetes dos principais jornais especializados.
A derrota para a Azurra, ainda lembrada como a Tragédia do Sarriá (título em referência ao estádio de Barcelona), foi encarada como uma marca da cultura brasileira e, por conseguinte, de seu futebol, tanto que o suíço Journal de Géneve, na época um dos mais respeitos periódicos da Europa, assim se pronunciou:
“O mais surpreendente é a admiração unânime que o time brasileiro despertou junto ao público europeu. A alegria de jogar, a elegância de movimentos de homens talentosos, numa formação que, como o próprio País, acrescentou um mosaico único e harmonioso de raças e indivíduos” (OESP, 18 de julho de 1982)
A Copa da Espanha determinou uma ambigüidade em torno do futebol brasileiro: seria importante apenas vencer ou também convencer? A Copa seguinte de 1986, no México, exemplificou esse conflito, como observado nas dúvidas de Telê ao escolher o estilo de jogo da seleção. Jornalistas e esportistas foram seduzidos, na época, pelo lema da “vitória a qualquer custo”. Formavam-se times e não seleções.
As Copas do Mundo de 1986 a 2014 foram exemplos dessa filosofia, que coloca o espetáculo em segundo plano. As equipes brasileiras, mesmo nas conquistas de 1994 e 2002, foram montadas por treinadores com justificativa de que o conjunto prevalece perante o talento, com os jogadores sendo convocados por causa da tática e não da técnica. Os anos de 1990 marcaram o auge dessa postura, sendo denominada de A Era Dunga – a vez dos fracos.
Alguns fatores começaram a integrar o cotidiano da seleção brasileira, como as convocações influenciadas por interesses de cartolas. Jogar na Europa tornou-se um requisito fundamental para os atletas vestirem a amarelinha. Mesmo sem currículo, alguns jogadores ainda são chamados, como forma de valorizar o passe, os negócios e os torneios, em especial, os europeus.
A derrota de 7 a 1 para a Alemanha significa que este período está chegando ao fim, mesmo com a insistência de alguns dirigentes em sua manutenção, como os da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ao (re)convocar Dunga (símbolo desse período) para dirigir a seleção.
Oito de julho de 2014 marca o início da revolução do futebol pela cultura. Da mídia, aos estádios e às ruas, o discurso é de que somente o drible poderá vencer a ausência de criatividade nos gramados e, por si, na sociedade. Somente discípulos de Pelé, como jogador, e de Telê Santana, como treinador, são capazes de fazer com que as novas gerações conheçam o verdadeiro futebol (pela arte e não pela força) e tenham orgulho de serem brasileiros.