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Os 30 anos da histórica conquista argentina da Copa América de 93

Fabio Perina 4 de julho de 2023

Tratar da lembrança desse título vai muito além de recordar o longo jejum entre 1993 e 2021 sem conquistas nessa competição e em qualquer outra, empurrando várias gerações de jogadores e treinadores a duras críticas e a um estigma de derrotados. Mas essa lembrança também marca um momento muito singular em que a Argentina antes com o treinador Carlos Bilardo conquistou o mundo em 86 (e esteve prestes a reconquistá-lo em 90) para somente depois conquistar o continente em 91 e 93 com o treinador Alfio Basile. Além do fato simbólico de nesse ciclo ter ultrapassado o Uruguai como o maior vencedor da Copa América, o “cartel” de orgulho dessa equipe contou com outras credenciais como a longa invencibilidade de mais de 30 partidas e a também nada desprezível “paternidad” a Brasil somando vitórias decisivas cada uma a sua maneira: o agônico e tão conhecido 1 a 0 de 90 (ainda com Bilardo, Maradona e Caniggia), um contundente 3 a 2 em 91 e finalmente nos pênaltis em 93, conforme veremos:
Basile soube mesclar experiência com os referentes do ciclo Bilardo com novos jovens talentos. No primeiro grupo, o goleiro Sergio Goycochea e o zagueiro (e agora capitão) Oscar Ruggeri. Já no segundo grupo, os volantes Fernando Redondo e Diego Simeone, o meia Leo Rodríguez e no ataque Gabriel Batistuta, quem nos próximos anos se tornaria o maior artilheiro da seleção. Uma mescla que deu liga entre qualidade e competitividade diante dos dois maiores ciclos vencedores da seleção argentina de 86-90 e 90-94 ter sido formado por uma base que não dava espetáculo, mas sabia enfrentar todas as adversidades que uma partida e um torneio impunham.

Copa América 1993
Seleção da Argentina na Copa América de 1993. Fonte: reprodução/Arquivo AFA

Em uma época de reformulações nas competições da Conmebol, a novidade nessa edição da Copa América, com sede no Equador, foi a ampliação dos tradicionais 10 participantes sul-americanos a mais 2 convidados: México e Estados Unidos. Assumindo o seu formato atual que facilita a repartição em 3 grupos de 4 equipes cada para posterior fase eliminatória em quartas-de-final em diante. As surpresas do torneio foram o artilheiro venezuelano Dolguetta e o melhor ataque equatoriano aproveitando o fator casa para obter a pontuação ideal em um bom embalo inicial. As potências Uruguai, Brasil e Argentina tiveram oscilações e se classificaram apenas em 2o lugar. Sendo que o grupo da Argentina saiu mais difícil do que o esperado com uma estreia apertada com um magro 1 a 0 na Bolívia com gol de Batistuta e empates por 1 a 1 contra México e Colômbia com gols de Ruggeri e Simeone, respectivamente.

Tais oscilações fizeram que o clássico Brasil x Argentina já ocorresse antecipadamente nas quartas-de-final. O Brasil começou ganhando com gol de Muller, mas próximo do final sofreu o empate com Leo Rodríguez de cabeça. Nos pênaltis, todas as primeiras batidas foram convertidas, até que Goycochea repetiu seu ponto forte agarrando a cobrança de Boiadeiro e logo Borelli fechou a classificação. No reencontro contra a Colômbia houve novo empate, agora sem gols, e nova definição por pênaltis com o mesmo roteiro de todos os acertos nas batidas e depois Goycochea salvando e Borelli finalizando. Ironicamente a Argentina chegava a nova final com uma campanha “a la paraguaia” com 4 empates seguidos para jogar novamente no Estadio Monumental de Guayaquil, onde fez todas as partidas. E para o reencontro contra o México do veterano Hugo Sanchez e do folclórico goleiro Jorge Campos. Quis um capricho do destino que justa quando mais foi exigido houve o reencontro da equipe com a vitória e o reencontro de Batistuta com as redes. Sempre com sua mistura de técnica, força e principalmente oportunismo. Com gols todos no segundo tempo, primeiro recebeu um longo lançamento vindo de um desarme defensivo que ganhou às trombadas com a defesa mexicana. Apesar do empate parcial de Galindo cobrando pênalti, logo depois a mesma mistura voltou a funcionar com arrancada de Simeone e rápida batida de lateral para Batistuta fazer o gol definitivo do 2 a 1.

E depois?

Logo encerrada a Copa América, a última edição de Eliminatórias em agosto e setembro no formato de grupos (antes dos pontos corridos) pintava para ser um passeio para a Argentina, mas se tornou um martírio. Com a exclusão do Chile desde o caso Rojas de 89, o Peru como saco de pancadas do grupos, o Paraguai com razoável competitividade, e principalmente a Colômbia de Rincón, Asprilla, Valderrama e outros. Quem não somente tiraram o largo invicto da Argentina em Barranquilla por 2 a 1 como a empurraram à beira da eliminação com o histórico 5 a 0 em pleno Monumental de Nuñez. Houve o retorno emergencial de Maradona para a repescagem contra a Austrália e a Copa do Mundo de 94 nos Estados Unidos. O doping de Maradona fez voltar o martírio e logo uma inevitável eliminação para a Romênia e principalmente o longo martírio das décadas sem títulos. Já sem nunca mais ter Maradona, quem assumiu o ciclo mundialista seguinte na seleção principal foi o treinador Daniel Passarella de 94 a 98 e depois Marcelo Bielsa de 98 a 2002. Ambos fracassos retratam o contraste entre uma seleção principal entrando na escassez de títulos por décadas enquanto entre os anos 90 e 2000 foram o auge das seleções de categorias de base como um permanente “semillero” de craques com os diversos títulos nos mundiais sub-17, sub-20 e olimpíadas.

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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Os 30 anos da histórica conquista argentina da Copa América de 93. Ludopédio, São Paulo, v. 169, n. 4, 2023.
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