Os vagabundos do Parque Alfredo Víctor Viera, Montevideo Wanderers
O jogo de sexta-feira, dia 25 de março, entre Brasil x Uruguai me fez lembrar da minha visita a terra dos Celestes e que rendeu algumas postagens sobre os estádios Centenário, Parque Saroldi e Gran Parque em Montevidéu. Porém, ainda restou falar sobre o Parque Alfredo Víctor Viera que é a casa de um clube charmosíssimo, oficialmente fundado em 1902 e que foi o primeiro a levantar uma taça de campeão no Estádio Centenário, em 1931.
O uniforme do Wanderers de Montevidéu é em homenagem ao Club Atlético Estudiantes, da vizinha Argentina, também conhecido como Estudiantes de Caseros
Importantes nomes passaram pelo Wanderers entre os quais destaca-se Obdulio Varela, o capitão da seleção Uruguaia, em 1950, e Enzo Francescolli jogador que eu, particularmente, adorava ver jogar pela Celeste. Francescolli foi revelado pelo Wanderers e esse foi o único clube uruguaio no qual atuou.
Em 2014, o Wanderers esteve perto de conquistar o campeonato uruguaio, ao vencer o Apertura e disputar a final com o Danúbio. Mas… os Boêmios perderam. Uma pena.
Parque Alfredo Víctor Viera
Minha viagem ao Uruguai não teve um planejamento necessário para que eu pudesse ter um melhor aproveitamento da vida futebolística do país. Poderia ter feito um estudo mais profundo sobre os estádios, mapeá-los de modo a poder visitá-los em um maior número possível. Mas não fiz isso por uma série de motivos que nem vale a pena mencionar aqui. Porém, independentemente de qualquer planejamento, desde cedo sabia que um desses estádios seria o do Wanderers, localizado no bairro do Prado.
Munida de um mapa e de um péssimo portunhol peguei um ônibus que me deixasse no bairro Prado e após algum tempo consegui chegar lá. O Prado é um pouco afastado do centro da cidade, mas de fácil acesso, não faltando ônibus que passe por lá. A prioridade era encontrar o estádio do Wanderers, o que consegui após uma caminhada de 10 minutos, depois de saltar do segundo ônibus que havia pego, já que no primeiro eu perdi o ponto.
O bairro é basicamente residencial e muito arborizado, onde se localiza o Jardim Botânico assim como o Rosedal onde há cerca de 12 mil roseiras. Não vi nenhum desses lugares. Caminhei pelas ruas um tanto vazias perguntando a quem encontrasse, onde ficava o estádio do Wanderers. Até que cheguei onde queria.
Então, fui percorrendo o estádio, do lado de fora, e me deparei com suas arquibancadas que à primeira vista pareciam ser de madeira. O estádio tem um aspecto frágil, antigo e me pareceu difícil imaginar que ali jogos ainda fossem realizados. E são. Muitos jogos do Wanderers pelo Campeonato Uruguaio ocorrem em seu estádio que tem capacidade para 7000 torcedores.
O estádio do Wanderers foi aberto ao público em 1933 e continua resistindo ao tempo e às dificuldades do futebol uruguaio que há alguns anos não poupa nem mesmo os poderosos Nacional e Peñarol. Os problemas são ainda maiores para clubes como o Wanderers que há mais de sete décadas não conquista um título de campeão uruguaio da primeira divisão.
Mesmo assim, os Boêmios se mantém e com razoável altivez e tive a impressão de que os torcedores são parte fundamental para que o Wanderers mantenha-se firme.
Vagabundos é como a torcida do Wanderers costuma ser conhecida, em alusão à tradução do nome do clube. Não tive a oportunidade de conhecê-los em um jogo, mas espero que um dia consiga essa proeza. Entretanto, mesmo ausentes e mesmo do lado de fora do estádio, a presença dos vagabundos é bastante marcante. Isso me deu a certeza de que aquele estádio de aparência frágil e antiga, tinha vida futebolística forte.
O Parque Alfredo Viera me pareceu um lugar do qual a torcida havia se apoderado, evidenciando suas marcas no lado externo, o que achei particularmente fascinante. É certo que muitos podem achar que é descuido, deixar à vista de todos, diversas marcas como saudações a jogadores, xingamentos aos adversários e o escudo do clube pintado sem muita destreza.
Eu interpretei tudo isso como sinal de que os torcedores do Wanderers são como gatos que gostam de demarcar seu território.
O Estádio por dentro
e) Lienzos, pancartas, banderas, símbolos o leyendas que inciten a la violencia, a la xenofobia o con expresiones injuriosas, políticas, religiosas, o que por su tamaño obstaculicen la visibilidad del espectáculo del público asistente, o dificulten el control de la seguridad del espectáculo de fútbol profesional.f) Astas o mástiles de banderas de madera, metal, o plástico, paraguas con puntas metálicas y punzantes.g) Bebidas alcohólicas, drogas o cualquier otra sustancia psicotrópica, estupefaciente, estimulantes, o similares.h) Punteros láser o similares.i) Rollos de papel, papel picado, o similares
Subjaz no texto a concepção de família como um conjunto harmonioso de indivíduos avessos à violência e o mesmo pode-se pensar a respeito das mulheres. Há uma concepção de que a violência pertence a grupos específicos da sociedade que, embora, não especificados de modo explícito podem ser percebidos como aqueles que fogem ao perfil idealizado de comportamento nos estádios. Há no texto noções estereotipadas que não são exclusivas do futebol uruguaio, mas se estendem a diversas políticas de segurança nos estádios em diversas partes do mundo.
O Código de conduta me chamou atenção porque o Parque Viera me pareceu tão pouco formal, a começar pelo fato de me deixar entrar sem sequer pedir identificação, sem sequer ver meu rosto.
Estádio Parque Alfredo Viera com jogo. Wanderers x Danubio, colaboração de Marina Matos
Em Montevidéu, fui a 4 estádios – Centenário, Parque Saroldi, Gran Parque e Alfredo Viera – e dois deles sem jogo. Mas ainda bem que o mundo está cheio de gente doida por futebol e uma delas – além de mim – também foi ao Uruguai. Falo especificamente da minha colega Marina Matos que além de ser uma mulher que ama demais futebol, também é pesquisadora desse esporte, integrante do GEFuT, da UFMG.
Termino esse texto com imagens do Alfredo Viera com público que nele estava presente para assistir a Wanderers x Danubio, partida que ocorreu dias antes da minha visita, dia 29/11/2015. O resultado do jogo foi 0 x 0.
Certamente que a torcida nas arquibancadas é parte fundamental do futebol, mas no caso do Alfredo Viera a torcida também se presentifica nos vários grafites e nas pichações ao redor do estádio, algumas não muito bem feitas, mas que apontam para certos modos de apropriação torcedora. Trata-se de uma tradição perceptível também na Argentina e que merecia estudos futuros sobre seus significados e história.
Essas pichações e grafites são como uma crônica que conta parte da relação dos torcedores com seus clubes e até mesmo com os bairros e as cidades. Graças a elas, mesmo não presenciando os Vagabundos, atuando no Alfredo Viera, não tive dúvidas do quanto eles são parte constitutiva do estádio.