Há poucos dias o Flamengo perdeu para o Olimpia, em Assunção, capital do Paraguai. A partida foi a segunda que as equipes disputaram entre si pelas oitavas de final da Copa Libertadores da América. Depois de vencer no Maracanã por apenas um gol a zero, o Rubro-negro tomou três no Defensores del Chaco, marcando apenas uma vez. Foi o suficiente para que desse adeus à competição. Para muitos o resultado foi surpreendente, e uma vez mais comentaristas brasileiros insistiram que a derrota se devera antes aos erros dos brasileiros do que aos méritos paraguaios. O país vizinho tem bom futebol e a equipe vencedora tradição e currículo vitorioso. Até quando perdurará nossa soberba que tanto se traduz pelo desprezo a adversários, principalmente quando não são europeus?

O Olimpia é treinado por Chiqui Arce (Francisco Javier Arce), que em seus tempos de atleta profissional atuou na lateral-direita de Grêmio e Palmeiras, no Brasil, além de Gamba Osaka, no Japão, e Cerro Porteño e Libertad, em seu país. Destacou-se em uma das melhores gerações de futebolistas paraguaios, que com sua seleção, treinada pelo brasileiro Paulo César Carpegiani, chegou longe na Copa do Mundo de 1998. Foi preciso que os franceses, que seriam campeões do certame, barrassem por apenas um gol a zero a Albirroja, nas oitavas-de-final. O gol foi obra de Laurent Blanc apenas no segundo tempo da prorrogação. Na forte equipe estava também o zagueiro Gamarra, que em quatro partidas não cometeu sequer uma falta.

Carlos Alberto Gamarra atuou no Paraguai, na Europa e no Brasil, onde defendeu Internacional, Flamengo, Palmeiras e Corinthians. Neste último, com o qual foi campeão paulista e brasileiro, alcançou a condição de ídolo. Em um derby em que vestia a camisa alviverde, foi ovacionado pela Fiel torcida alvinegra, algo que acontecera com poucos outros ao enfrentarem o Timão, como Sócrates e de Casagrande, ambos, em ocasiões diferentes, defendendo o Rubro-negro carioca.Coincidência ou não, Casão marcou um golcontra quando jogou contra seu time do coração no Pacaembu, enquanto o beque paraguaio perdeu uma dividida com Javier Mascherano no meio-de-campo do mesmo estádio, jogada cuja sequência resultou em gol corintiano. O Doutor, por sua vez, fez uma partida muito discreta.

Por falar em Corinthians, houve outros paraguaios que vestiram sua camisa, como Beto Acosta, campeão da Série B em 2008 e paulista no ano seguinte. Atualmente são dois, o recém contratado Matías Rojas e Ángel Romero. O primeiro é um ponta-de-lança muito técnico, que finaliza com força e categoria e é rápido com e sem a bola nos pés. Romero, por sua vez, é jogador utilíssimo, que está em sua segunda passagem pelo clube. Valente no gramado, é futebolistataticamente aplicado, que ademais marca gols e fazassistências. Há razões para os corintianos o admirarem.

Mas houve no Brasil um outro Romero, o Julio César, este de fato um craque. Na Copa América de 1979, vencida pela seleção do Paraguai frente à do Brasil, conhecemos o atacante, chamado de Romerito. Pouco depois do título, foi jogar no New York Cosmos, a equipe que brilhara com Pelé, mas também com Carlos Alberto Torres – Gamarra leva os mesmos prenomes que o capitão da campanha do Tricampeonato de 1970, uma homenagem de seu pai, fã do futebol brasileiro. Nos Estados Unidos, Romero jogou com Oscar, zagueiro que se destacara na Ponte Preta e na seleção que disputara a Copa de 1978, na Argentina. Lembro-me das camisetas brancas ou verdes do time estadunidense, com o nome dos jogadores às costas em letras destacadas, uma novidade naquele tempo. Não foi sem surpresa que pela TV vi os dois sul-americanos no time que, até então, costumava contratar futebolistas em fim de carreira, muito mais para dar espetáculo que para de fato competir esportivamente.

Romerito
Romerito com a camisa do Fluminense. Foto: Bruno Haddad/Fluminense FC.

Mas, Oscar voltou ao Brasil para atuar pelo São Paulo, e Romerito transferiu-se para o Fluminense. No Tricolor marcou o gol da vitória na primeira partida das finais do Campeonato Brasileiro de 1984, contra o Vasco, o que fez com que bastasse um empate no jogo seguinte para que o título viesse. O zero a zero ficou de bom tamanho para o time treinado por Carlos Alberto Parreira, que contava ainda com Ricardo Gomes e Branco na defesa, e Assis e Washington, o Casal 20 – alusão a um seriado de televisão à época – do meio para frente.

Não foi só com os pés que os paraguaios fizeram bonito no Brasil. Entre os goleiros que aqui jogaram, está Roberto Fernández, El Gato, campeão da América de 1979, quando também brilhou Romerito, e que venceu com o Internacional a Copa do Brasil em 1992. Como se não bastasse, seu filho, Gatito Fernández (Roberto Júnior), destacou-se no Vitória, Figueirense e, especialmente, Botafogo, onde está desde 2017. Como o pai, ele também defende a seleção. De todos, no entanto, o arqueiro mais vitorioso foi José de La Cruz Benítez, contratado pelo mesmo Inter em que atuaria seu compatriota, depois de fechar o gol, em 1977, contra a seleção brasileira, em partida pelas eliminatórias para a Copa da Argentina. No Colorado, venceu invicto o Brasileiro em 1979, e ganhou a Bola de Ouro, de Placar, como melhor goleiro do campeonato de 1981.

Certa vez perguntaram a Gamarra em que língua ele falava com Arce quando se encontravam no campo ou fora dele, na época em que viviam em São Paulo, defendendo respectivamente Corinthians e Palmeiras. A resposta foi didática: dois paraguaios quando topam um com o outro, comunicam-se em Guarani. Há muito preconceito contra o Paraguai e seus habitantes, e isso tem a ver, entre outros fatores, com o fato de a cultura ameríndia ter presença marcante por lá. Uma maldade, como tantas outras sobre o país vizinho. De minha parte, agradeço a beleza do futebol que aprecio, em seus pés e mãos, desde sempre.

Buenos Aires, República Argentina, agosto de 2023.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Paraguaios jogadores. Ludopédio, São Paulo, v. 170, n. 26, 2023.
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