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Perspectivas sobre o futebol de base no Norte do Brasil: por um olhar na Copinha

Gabriel Lima Ribeiro Setor Norte 9 de março de 2022

Há quem diga que a Copa São Paulo de Futebol Júnior é a maior vitrine nacional de revelações do futebol, e não é à toa, afinal, revelou grandes craques e ídolos do futebol brasileiro e mundial, tanto no passado quanto no presente, como Cafu (1988), Djalminha (1990), Dener (1991), Dida (2003), Kaká (2001), Neymar (2008/09) e Gabriel Jesus (2015).

Iniciada em 1969, pela Prefeitura de São Paulo, com a ideia de promover o futebol entre a garotada e de ser parte das comemorações do aniversário da cidade de São Paulo, e a partir de 1987, sob organização da Federação Paulista de Futebol (FPF), a conhecida carinhosamente como “Copinha”, é a maior competição de futebol masculino de base do Brasil, quiçá do Mundo.

Assim como nas outras edições, alguns acontecimentos marcaram a competição e se tornam noticias nacionais e até internacionais. Em 2022, em sua 52ª edição, a Copinha contou com 128 equipes das cinco regiões do Brasil, entre elas a equipe acreana do Andirá, em sua primeira participação na competição, que ficou marcada pela boa atuação e o choro do goleiro Eduardo Silva, de apelido Tomate, substituído após a marcação de um pênalti contra o time do Atlético/MG. Após a emoção e a grande repercussão, Tomate renovou seu contrato com o time acreano e foi emprestado para compor a base do Botafogo/RJ. Uma oportunidade pra quem vem de longe e tanto batalhou…

Goleiro Tomate, do Andirá Esporte Clube, chorando ao ser substituído
Goleiro Tomate, do Andirá Esporte Clube, chorando ao ser substituído. Foto: Sportv/Reprodução.

Fazendo uma análise histórica sobre a participação dos times nortistas na Copinha, o Clube do Remo/PA foi o primeiro time da região norte do país que participou do certame em 1973, entretanto, os times da região norte só tiveram participações anualmente na Copinha a partir de 2000. Em números, a região norte participou de 26 edições da Copa São Paulo de Futebol Júnior, com 158 participações de 55 clubes nortistas.

O Pará é o estado com maior participações na copinha (35), seguido do Tocantins (26) e Rondônia (24). O Paysandu Sport Clube/PA é o time com mais participações (12), seguido do Nacional Futebol Clube/AM (11), Clube do Remo/PA e São Raimundo Esporte Clube/RR (9). O maior feito de um clube nortista na Copinha foi de um dos únicos clubes formadores da região norte, a Sociedade Desportiva Paraense, que em 2018, chegou até as oitavas de finais, ficando em 15º lugar dos 128 times participantes.

Para alguns, pode ser apenas números estatísticos ou curiosidades, mas ao olhar com criticidade a participação dos clubes nortistas na maior competição de base do Brasil, pode se enxergar as grandes dificuldades de plantar e colher os frutos da terra nortista no futebol nacional. Das 158 participações, apenas 15 equipes conseguiram alcançar a façanha de passar de fase! Apenas 9,5% dos times nortistas conseguiram passar pra segunda fase da maior competição de base do Brasil em toda a sua história! Imagine quantos futuros jogadores não conseguiram ter a oportunidade de serem vistos, de se destacarem, seja por inferioridade técnica, desgaste físico, pressão e inúmeras outras adversidades enfrentadas… Se isso não te provocar, pelo menos, um leve incômodo…

Equipe do Castanhal Esporte Clube que alcançou a segunda fase na 52º edição da Copinha
Equipe do Castanhal Esporte Clube que alcançou a segunda fase na 52º edição da Copinha. Foto: zedudu.com/Reprodução.

O que já é difícil para quem mora nos grandes centros de revelações do futebol no Brasil, chega a ser o dobro, o triplo, o inimaginável, para quem vem de uma região pouco assistida no quesito futebol de base. Não é difícil encontrar histórias de times nortistas que, após alcançarem a vaga para disputar a Copa São Paulo de Futebol Júnior, tiveram que enfrentar incalculáveis impasses para chegar à competição, seja de questões financeiras, de transporte, de patrocinadores e equipamentos esportivos.

Casos de equipes irem para a competição com um time limitado com poucos jogadores reservas, de enfrentar dias e dias de viagens, com os jogadores chegando exaustos na cidade de São Paulo e tendo treino ou jogo no outro dia, sem tempo para descansar, e isso quando a equipe consegue ir para a competição, sendo comuns os riscos de desistir da participação no campeonato pelas adversidades.

A busca pela oportunidade de quem vem de longe ultrapassa diversas dificuldades, e cada conquista, é uma vitória marcante na vida dos jogadores e de suas comissões técnicas, entretanto, até quando o futebol de base do norte vai precisar passar por tanta luta e dor pra ser valorizado não pela Copa São Paulo ou pelos grandes do futebol brasileiro (que vivem do futebol sudestino e sulista), mas sim dos que podem fazer algo para benefício das categorias de base no norte do Brasil.

Essa valorização e reflexão precisam começar desde o início, desde as famosas e, infelizmente, desanimadoras, peneiras dos clubes de futebol de base. Qual o nível a ser observado? Qual a técnica que o jogador precisa alcançar para ser selecionado? Até quando vamos ver oportunidades se abrindo para os que “molham as mãos” dos avaliadores? Um, dois, três dias são suficientes para uma avaliação técnica? A comissão de avaliação esta preparada para receber dezenas e até centenas de candidatos para avaliá-los em poucos minutos?

A peneira está preparada pra dar apoio mínimo aos candidatos, aprovados ou reprovados, psicologicamente? A peneira se importa em saber dos inúmeros candidatos que chegam de cidades vizinhas, bairros longes ou pertos, se estão minimamente alimentados para fazerem parte de uma seletiva que exige tanta técnica e resistência? E quanto aos estudos dos aprovados, o clube dará suporte ou vai deixar o atleta escolher entre o futebol ou a escola?

Peneira do Clube do Remo em 2018, no Estádio Banpará Baenão, que contou com 470 candidatos de 13 a 19 anos, com apenas 39 jogadores aprovados para a segunda fase da seletiva
Peneira do Clube do Remo em 2018, no Estádio Banpará Baenão, que contou com 470 candidatos de 13 a 19 anos, com apenas 39 jogadores aprovados para a segunda fase da seletiva. Foto: divulgação/Samara Miranda/ASCOM Clube do Remo.

Refletir sobre essas indagações, e perceber que elas existem, mostram o quanto precisamos avançar com o futebol de base no norte do Brasil, as federações e seus clubes, devem promover ações concretas, de apoio e fiscalização, que fortaleçam o futebol de base, sem vaidade ou clubismo, desde as mais simples como é o caso das peneiras, até os apoios sociais e técnicos aos seus atletas.

  • Os departamentos das categorias de futebol de base das federações precisam (existir e) avançar, para além das competições, afinal, são os maiores responsáveis no quesito da fiscalização e apoio dentro dos clubes.
  • Os dirigentes dos clubes precisam tratar com maior profissionalismo as categorias de base e suas comissões técnicas, desde o futsal, futebol 7 e o futebol, deixar de esperar resultados e passar a fazer parte da construção e fortalecimento da base.
  • Os centros de treinamento e formação de atletas precisam deixar de ser um luxo de aquisição aos clubes, e sim se tornar uma necessidade de crescimento, da base ao profissional!

A Copinha, hoje, para os times nortistas ainda é uma competição de desigualdade, e a culpa pode ser de todos que são e foram responsáveis pelo futebol do norte, mas e a solução?

Que o futuro traga um maior reconhecimento e valorização das categorias de base do futebol nortista.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gabriel Lima Ribeiro

Licenciado em Educação Física, carioca égualizado paraense, integrante do Grupo de Pesquisa Setor Norte Futebol & Ciência.

Como citar

RIBEIRO, Gabriel Lima. Perspectivas sobre o futebol de base no Norte do Brasil: por um olhar na Copinha. Ludopédio, São Paulo, v. 153, n. 11, 2022.
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