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Nazica e a demanda de um RexPa (Ode a guerra azul)

Max D'Carmo 8 de setembro de 2020

O Clássico

Entre as variadas possibilidades de chute, adentro no campo das ideias: chutar na aposta, o chute do capoeira, a bica que dispõe a alegria do clube amado. Seja no campo das barbáries e das alegrias, na metafísica e na poética, o futebol ainda carrega em detrimento da rigidez dos sérios, a mandinga ousada, por sua vez, levada “a sério”.

Tem com coisa que na Amazônia é tão a sério que mesmo com todas as possibilidades de crença, a magia do clássico é quem dita o desfecho ou despacho. Despacho é coisa forte, banho de folhas, preparo de boris, ebós, no Ver – O – Peso se encontra de tudo, banho pra tudo, perfume pra tudo, mas tem coisa que nem benzedeira da conta, parente.

E o RexPa tem dessas coisas. Ainda que azulinos e bicolores estejam de corpo fechado, patuá no bolso, e a santinha no pescoço e na carteira. Clássico por esses cantos não é brincadeira, e até a brincadeira é levada ao pé da romaria. Clássico é clássico amigo, não tem muito dessa de quem ganhou mais ou menos, sempre vai ter quem puxa a sardinha. 

De onde vim, esse papo de derby sempre foi marca de cigarro! E se quiser fazer o teste, é só chegar pra qualquer cidadão e perguntar. No máximo ele te olha como quem vai dizer: “Égua maninho, é cigarro é? Aqui RexPa é Rexpa, seu leso, derby é cigarro! Mas cruz credo! Eu hein?!”

O clássico amazônico ou a guerra azul é o famoso REXPA, que move montanhas sim, e moveu mangueirão pra quase cair, deixou muita gente com suor frio de ressaca, e aperto no peito, abriu rios (de choro, muitas vezes), fez e faz da vida, juízo final. E as vezes é. 

Final do Campeonato Paraense de 2020: Remo e Paysandu – REPA. Foto: Rogério Uchôa/Agência Pará.

Queridos camaradas, este humilde compa, vem falar sobre o pavulagem, que em inglês quer dizer backstage. Delato aqui as nossas presepadas peculiares, os bastidores do submundo, pré e pós jogo. Tão importante quanto o “clássico” em si.

Tem vezes que dia de clássico é uma compilação de pérolas da encarnação Papa chibé. Apelidos são gerados nesse meio tempo, nascimento, morte e encantamento de bois, maniçobas de 3 dias, cervejas chocas e tudo que possa fazer valer risada e provocação.

Situação delicada: o Clube do Remo e sua torcida tão fanática ergueu de sol a sol, de chuva da tarde ao mormaço, o seu templo, o Baenão. Fez o primeiro gol no Estádio Olímpico do Pará, conhecido como Mangueirão, obviamente, para delírio da nação, do seu rival. Enchem a boca pra falar das inúmeras vitórias. Contam tudo o que podem. E vou me abster a entrar nestes detalhes sórdidos.

Já o Paysandu é clube de gente também muito apaixonada, andando com seus mantos alvi-celestes por onde quer que seja, viram com seus próprios olhos alguns feitos históricos para o futebol do Norte Brasileiro, uma copa dos campeões impecável e jogos arrebatadores na Libertadores.

Aqui chegamos ao ponto, dois dos maiores representantes do esporte bretão com sangue de seiva e raça de cabano, uma separação, por amor as cores da camisa e uma união que por pouco não vira casamento.

Nossa Senhora de Nazaré

RexPa tem mandinga de encantado, é coisa de louco, já experimentou uma vez ir no mangueirão em dia de clássico? Pode ser Parazão, pode ser festividade, pode ser até o “Rainha das Rainhas”, que for! Não existe dia pra magia pulsante do REXPA, por mais chuvosa que seja a tarde, por mais quente que seja o dia.

A propósito, além do combinado de açaí com peixe, a cerveja gelada tá num porta latinha feito de isopor, muito bem pensado, pra manter a temperatura, e com o escudo do glorioso clube amado.
O hábito das feiras, nesses dias fica mais entusiasmado e doa a quem doer:  serve o mocotó com café dona menina, que depois é hora da primeira gelada! O clima equatorial, quente e úmido pede, o brega pede, e os papudinhos também.

Fato importante pra contar é que, além do sábado de pré jogo, onde cada um já está na sua ansiedade e mandinga particular, há também uma ritualização do domingo de clássico, bem peculiar, parece até a o grand finale da vida.

Belém/PA – Traslado da imagem de Nossa Senhora de Nazaré para Ananindeua-Marituba, durante o círio de Nazaré. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil.

Voltemos a falar de fé

Entre euforia e frio na barriga, as famílias muitas vezes divididas pelas cores da camisa, veem na broca adubada sua munição, na cerveja um terçado, e na bendita, a sua redenção. Em dia de clássico, azulinos e bicolores vestem a mesma camisa por um momento em nome da sua consagração, a santidade padroeira do setor.

E é nesta hora que romeiros e romeiras, subindo as rampas do “Colosso do Benguí” clamam por ela, seja de qual lado for, a coisa pega preço e fica muito séria. É patuá pelo bolso, cordão da santinha no pescoço e na carteira, e aquela fé que toma conta da transladação nas rampas lotadas do estádio.

Algumas definições de Santidade:

“SANTIDADE
substantivo feminino
1.
qualidade ou virtude de santo.
2.
estado de santificação; virtude, pureza, religiosidade.”

Lembro de ver algo interessante na dissertação de um amigo, em que aparece na “A Folha do Norte” (01 de novembro de 1916) escrita pelo sócio do Paysandu na época, Frederik Coultas, o termo “acotovelamento clubista”, e que utilizo das palavras para dar continuidade ao propósito do esporte bretão e sua crença. 

A brincadeira popular e a fé inevitavelmente presente, toma as rédias do espaço, Nossa Senhora de Nazaré, coitada, nada a ver com a situação, tem que se dividir ao meio. Entre Nazarés, Marianas, Jarinas, Encantados e Cabocos e outros causos, uma coisa pro Paraense fica muito clara:

– Entre um acotovelamento e outro, o futebol paraense agoniza, mas não morre, e o time que ganha tem homenagem no Círio, e o que perde vai ter umas rodadas de gelada pra bancar.

A tal da santa por sua vez, com demanda anual extensa, tem de expelir bem aventuranças para muitos dos seus fiéis e torcedores. Situação delicada, repito.

Me diga como só uma santinha, com toda demanda que carrega, pré clássico, pós clássico, pré e pós Círio, vai dar conta disso tudo? Tu tá ficando é leso! E os pedidos são feitos, comprovadamente assistidos pela TV.

Paraenses e demais fiéis ajoelhados, com casinhas de miriti na cabeça, segurado a corda e tudo. Depois do meio dia é grade de gelada pra quem perder, que vai das importadas até as locais, e daí vale tudo, jogo do bicho, medir leão, medir mucura e fazer o caixão do finado da vez. 

Segunda é aquele dia: mais trabalho pra santa! Imagine você, aturar no trabalho, em casa ou em qualquer lugar tamanha “encarnação”? Pois bem… O RexPa tem disso: entre banhos de cheiro, velórios de lobos e leões, o clássico segue, garantido e caprichoso.

A fé na bica

O Clássico é uma marca cravada na pele do caboco Paraense. E quando pensarem que o clássico morreu, estarão bem enganados! Se encantou. Continua vivinho da Silva!

Haja outubros, haja Nossa Senhora de Nazaré, a nossa tão querida Nazica, haja miriti, haja cerpa, haja banho de cheiro, ebó, borí, benzedeiras, haja o que houver!

 

A Título de curiosidade, segue a tradução do vocabulário do paraense utilizado no texto:

Parente: Tem suposta origem indígena e tá no trato cotidiano do paraense com qualquer pessoa.

Caboco: Versão derivada de caboclo. Comum falar no estado do Pará.

Égua: A vírgula do paraense, também funciona como interjeições.

Leso: Quem faz “leseira”, é atrapalhado ou lento.

Pavulagem: Fanfarrice, mentira, metido à besta. 

Papa-chibé: Quem come chibé, composto basicamente de água e farinha.

Encarnação: O mesmo que “zoar”.

 


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Camaradinho Maxi

Periodista, pesquisador de cultura popular e futebol. Curadoria e escritos no livro: As veias abertas do futebol brasileiro. Idealizador da página O Canhotinho F.C. Músico e criador do selo Mafuá.co e da Agência Xequerê Music.

Como citar

D'CARMO, Max. Nazica e a demanda de um RexPa (Ode a guerra azul). Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 20, 2020.
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