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Resumão #1: Uma semana de jornalismo nem tão esportivo

Marco Lourenço 21 de julho de 2017

O interesse e o prazer pelo futebol vão além do que acontece nas quatro linhas – e como! Como um grande espetáculo do entretenimento mundial, o jogo de futebol é ligado a diversos segmentos do mercado, a profissionais cada vez mais especializados e constrói relações e discursos sensíveis às sociedades que o praticam ou consomem.

O noticiário esportivo desta semana, por sua vez, escancara a amplitude de assuntos que emprestam o vocabulário do campo apenas pelo vício da metalinguagem. Longe de apresentar qualquer ineditismo, os grandes lances do futebol brasileiro neste período recente se referem ao seu entorno. Destaco aqui três grandes assuntos:

Tema 1 | Alexandre Kalil

“No mundo inteiro, futebol não é coisa para pobre. Doa a quem doer. Ingresso é caro em todo lugar. Torcida dividida e entrada a preço de banana estragada só existem no Brasil. O Atlético coloca ingresso a 20 reais e não lota o estádio. Futebol não é público, não é forma de ajuda social”. Essas foram as Aspas lubricoides do atual prefeito de Belo Horizonte e ex-presidente do Atlético-MG, Alexandre Kalil, ao jornal El País para justificar sua visão de política pública para o esporte.

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As palavras de Kalil ferem escandalosamente básicos preceitos democráticos, ofendem a história da popular torcida do Galo, clube que o projetou para a vida pública, e ao mesmo tempo, revela um misto de desconhecimento acerca da realidade esportiva mundo afora (Preços de ingressos na Alemanha) com um cruel cinismo de quem faz parte da panela que concentra a riqueza do futebol no país.

Tema 2 | Guto Ferreira

“Não vou te responder com uma pergunta porque você é mulher e talvez não tenha jogado (futebol)”. Assim o técnico do Internacional, Guto Ferreira, respondeu à pergunta da jornalista Kelly Costa, quando questionado sobre o fraco desempenho de sua equipe. Como notícia, a cena ganhou destaque principalmente após a grande repercussão nas redes sociais.

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Em um anacrônico exercício de viagem no tempo, certamente a fala de Guto não teria o mesmo impacto nos anos 1990, por exemplo. Desta vez, a inteligência coletiva sobrepujou os gritos dos idiotas – tal como insinuou Umberto Eco -, e como um censor democrático e justo, o movimento das redes acusou o machismo do futebol e forçou a retratação do ‘Pep Gordiola’: “Gostaria de pedir desculpas a Kelly Costa, eu acho que fui muito infeliz no raciocínio, acabei me atrapalhando, não quero mudar a opinião de ninguém (…) “Inicialmente, minha intenção era fazer a repórter se colocar na condição de pessoa de futebol. Mas a fala final saiu do contexto, e foi totalmente errada. Eu admito o erro”.

Tema 3 | Neymar no PSG

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Neymar no PSG? O que parecia mais boato da grande bolsa de valores do futebol mundial acabou se tornando em mais uma daquelas novelas de roteiro cansativo, personagens dissimulados e um enredo suspeito. A multa rescisória estipulada em contrato com o Barça acrescida de impostos somam os impressionantes R$ 975 milhões de reais. O impressionante montante de dinheiro fez dessa especulação capa de todos os portais de futebol do mundo desde então. Superexposição para Barcelona, PSG e principalmente para Neymar, postulante de melhor do mundo nas próximas temporadas.

De um lado, nada de novo no front: inter-temporada na Europa e janela de transferência aberta formam o terreno fértil para este tipo de noticiário, o chamado vai-e-vem do futebol. Contudo, a no mínimo mal explicada transação Santos – Neymar – Barcelona que rende até hoje investigações da justiça espanhola e ressentimento na cartolagem santista, é mais um ingrediente que apimenta os boatos de sua possível saída do time Catalão.

Em resumo, aqueles que sustentam a ideia de que Neymar sai afirmam que esta é chance do camisa 10 da seleção brasileira buscar a bola de ouro, já os que não creem em sua transferência, sugerem um jogo de cena de Neymar por uma melhor renovação contratual – sem descontar os prejuízos que isso lhe trará para o ambiente no clube.

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O jornalismo esportivo é antes de mais nada jornalismo. E futebol, claro, é muito mais que bola na trave, gol de mão ou hat-tricks. O valor da notícia, no entanto, é sempre referencial e cada vez mais alinhavado aos trends do mundo digital. O frenético dinamismo do consumo de informações e notícias disfarçam certos temas exibidos em loopings cadenciados pelos algoritmos das redes sociais, mas com um pouco de atenção, percebemos os relevos mais acentuados nesta caótica paisagem de informação.

Um líder eficiente e disparado no campeonato ou mesmo um grande time do futebol brasileiro correndo riscos de rebaixamento parecem menos competitivos na rinha de notícias. Tampouco as meninas da vila que deram ao Santos o título do campeonato brasileiro feminino. Talvez a notícia de última hora, a demissão do técnico Roger Machado do Atlético-MG, entre nesta lista. Após esse breve recap da semana futebolística, deixo a pergunta: a qualidade do jogo desinteressa a audiência ou os interesses do público já não cabem nas quatro linhas?

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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. Resumão #1: Uma semana de jornalismo nem tão esportivo. Ludopédio, São Paulo, v. 97, n. 21, 2017.
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