Queria ter sido amigo de Rodrigo Rodrigues
Eu não o conheci pessoalmente, mas como ele parecia um amigão querido desde os tempos de TV Cultura. Aquele profissional que nem parece assim tão profissional tamanha a espontaneidade com que se comunicava. A velha armadilha de chamar de dom o trabalho duro dos bastidores que evidencia o talento.
No caso dele, talento puro para comunicação. Essa é palavra que define a atividade do jornalismo. Quem escreve bem, é escritor. Quem fala bem, é político, padre ou animador de torcida. Mas jornalismo, só faz quem sabe se comunicar e isso, Rodrigo Rodrigues fez como poucos em sua geração.
Quem o conheceu pessoalmente, desde sábado, dia da internação, inundou as redes sociais com declarações definitivas do quanto RR foi gente boa, o boa praça de outros tempos, pessoa do bem se você preferir.
Os colegas de profissão, que eram amigos, só escancararam o que os telespectadores já sabiam, do lado de cá das telas, a gente percebeu que aquele cara simpático era de verdade.
Em campo, aliás, nos estúdios, poucos estavam mais à vontade que o sempre leve Rodrigo. Fora do estereótipo de TV, RR era um gordo que esbanjava charme e desenvoltura em frente às câmeras. Não deixava dúvidas: nasceu para aquilo e trabalhou muito para ser cada vez melhor.
Primeiro, na Rede Vida, passando pelo Vitrine até o Troca de Passes, a habilidade mais marcante era de certa forma silenciosa, era dar voz, fazer os outros brilharem. Na ESPN, o Resenha era muito mais divertido com RR e, no entanto, ao analisar a atração, ele fazia as vezes de puxador de conversa com uma capacidade ímpar de arrancar as melhores histórias da boleirada.
Durante a pandemia, repetiu a dose com as lives musicais que revelaram ótimos cantores de redação. Seu violão virou acompanhamento para inimagináveis parcerias, de Marcelo Barreto nos vocais a Luiz Carlos Jr no baixo. Apaixonado por Beatles, falou muito sobre a banda no criativo projeto “All you need is live”.
Não é exagero dizer que RR estava no auge da forma, sua melhor fase. No Troca de Passes, formou uma dupla equilibrada com Ana Thaís Matos. A risada era garantida, mas a informação e os debates relevantes continuavam presentes.

Assumidamente flamenguista e com Zico como seu maior ídolo, Rodrigo foi mais uma prova que torcer não é atestado de incompetência. A atividade jornalística pode ser desempenhada com profissionalismo mesmo que haja um time que faça o jornalista vibrar.
Afinal, sejamos honestos, o que atrai um profissional para a editoria de esportes? Se não for a arquibancada, talvez esteja fazendo a coisa errada. Isso deveria ser naturalizado, como palmeirense posso analisar, comentar e reportar com honestidade os jogos do Corinthians.
Muita coisa que veio à tona nestes dias sobre Rodrigo Rodrigues deveria ser naturalizado, aliás. A união das emissoras para homenagear o profissional que trabalhou em tantos lugares, o carinho dos tantos e inúmeros amigos que choram a partida precoce de um “agregador de pessoas” e a energia boa que todos descrevem.
O que deveria ser abolida é a cultura do ódio, como Benjamin Back definiu a desumana reação de apoiadores do presidente que debocharam de uma morte. A fala de Galvão Bueno sobre o respeito e cuidado com a pandemia também denuncia outro aspecto que deve ser extinto, o negacionismo.
https://www.facebook.com/watch/?v=743180656504386
Jornalista, escritor, músico, amigo, referência profissional, carismático, showman e tantas outras qualidades. É inacreditável que a partida seja assim, aos 45 não do segundo tempo, mas de idade com tanta jovialidade, sem mais nem menos e interrompendo uma vida em alta rotação de produtividade criativa. Um sarcasmo ininteligível definido nas palavras de PVC: “o vírus maldito atacou o cérebro genial de Rodrigo Rodrigues”.
Num período em que não podemos velar nossos mortos, RR teve uma despedida na TV com a programação do dia todo dedicada a ele. Não o conheci pessoalmente, fui fã, acompanhei seu trabalho como referência e sua morte é ainda mais triste porque dava vontade de ser amigo de Rodrigo Rodrigues. Não deu tempo.