180.20

Rollingas: os argentinos, os Rolling Stones e o futebol

Matheus Donay da Costa 20 de junho de 2024

Os anos 80 foram emblemáticos na relação entre ingleses e argentinos. Em 1982, a derrota argentina na Guerra das Malvinas deflagrou um dos principais traumas da história recente do país. Contudo, o contragolpe veio apenas quatro anos depois. Em 1986, no México, Diego Armando Maradona anotava dois gols contra a Inglaterra e conduzia a Argentina para o bicampeonato mundial. Foi como vencer um país, não um time de futebol, escreveu Diego em sua biografia.

A despeito das rivalidades nacionais, foi no fim dos anos 80 que surgiu um fenômeno cultural capaz de reunir elementos argentinos e ingleses: eram os rollingas, nome dado a um tipo caricato de fã de Rolling Stones na Argentina. Nessa cultura, os Stones são uma parte fundamental, mas não a única: o futebol também se funde em meio ao rock’n roll.

Rolling Stones
Tradução da música “Sympathy for the devil”, pintada nos muros do Estádio Diego Armando Maradona. Foto: Matheus Donay

Um tipo muito mais argentino do que inglês

É claro que fãs de Rolling Stones existem aos montes e por todas as partes, mas os rollingas são um caso à parte. Identificá-los não é difícil: normalmente, trajam calças jeans apertadas, roupas desgastadas, camisas de bandas de rock e o penteado consiste em uma franja curta, tanto eles quanto elas. Ainda que aqui escreva no presente, porque seguem existindo, os rollingas tiveram seu auge de popularidade entre os anos 1990 e os anos 2000, coincidindo com a primeira apresentação da banda no país, em 1995. Um grupo singular e, paradoxalmente, recheado de pluralidades. Afinal, os rollingas são ao mesmo tempo porteños y villeros, populares e undergrounds, com uma presença massiva no bairros periféricos de Buenos Aires.

Na cúmbia “La Colorada”, os Pibes Chorros descrevem um tipo rollinga:

Sale pintada/ bien perfumada/ sus amigas dicen que nunca se baña/ Usa siempre el mismo pantalón/ y una remera de los Rolling Stones/ la colorada…Está buena por delante y por detrás, pero de agua y de jabón ni hablar/ la colorada.

No entanto, é nos bares de esquina e nas casas noturnas que os rollingas performam um dos seus principais traços: mover-se como Mick Jagger, de peito estufado e braços soltos para trás. Assim dançavam, além do som dos ingleses, temas de bandas como Intoxicados, Ratones Paranoicos, Viejas Locas, Los Piojos e La Renga. Nos shows, um simulacro de arquibancada. Assim como nos estádios, as apresentações – sobretudo nessa cena – costumam ser tomadas por trapos, repletos de referências às bandas e aos bairros.

Essa semelhança entre shows e arquibancada não é de se estranhar. Ainda que os Rolling Stones sejam a grande razão de os rollingas existirem, a cosmologia da tribo não se limita apenas à banda. Para além da música, esse estilo de vida também pautou-se em fundamentos de identidade e pertencimento territorial. Não à toa, a presença dos rollingas nos estádios costuma estar associada às ligas do ascenso argentino, onde estão os tradicionais clubes de bairro. No bar, na pista de dança ou na tribuna, o aguante rollinga é perfilado sem prejuízo algum.

Show do Los Piojos em Rosario, 2003
Los Piojos em Rosario, 2003. Foto: Seba Klein.

Em Buenos Aires, o que se observa é uma cidade febril quando falamos de Rolling Stones. Não apenas pela tribo rollinga, mas pela adoração generalizada à banda. Nas bancas de revista e lojas de presentes, dezenas de itens dos Stones compõem as opções: adesivos, pôsteres, xícaras, normalmente com a tradicional língua da banda nas cores argentinas ou de algum clube de futebol do país.

Stones nas tribunas e nos gramados

Nos anos 1980, antes mesmo da febre rollinga na Argentina, um grupo de amigos torcedores decidiram criar uma torcida para contemplar as suas grandes paixões. Nasciam assim os Racing Stones, presentes até hoje nas arquibancadas do Estádio Presidente Perón.

Em 2016, os Stones realizaram uma turnê pela América do Sul, onde os Racing Stones foram gravados pelo guitarrista Keith Richards. No seu twitter, publicou um vídeo da rua em frente ao hotel, no qual um bandeirão da torcida toma conta da via.

 

 

Em Tucumán, outra torcida albiceleste também marca presença nos estádios. Deca Stones, torcida do Atlético Tucuman, expõe trapos com a língua da banda e com ilustrações do álbum Voodoo Lounge (1994).

 
 
 
 
 
Ver essa foto no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação compartilhada por DECA STONES (@decastones79)

 

Enfim, com um pouco de olhar atento aos alambrados dos campos argentinos não é difícil encontrar um pedaço de pano com a marca registrada dos Stones. Dentro das quatro linhas, também houve quem manifestasse a paixão pela banda. A lista fãs passa por jogadores e ex-jogadores conhecidos, como Juan Pablo Sorín, Lucho Gonzalez, Germán Burgos, Pischulicci e Eduardo Coudet.

Em um clássico rosarino em 2006, ao marcar pelo Rosario Central, Eduardo Coudet comemora de maneira irreverente, com os braços soltos, em um movimento que lembra as movimentações jaggerianas. Também em 2006, outra comemoração rollinga – provavelmente a mais explícita- foi de José Chabut, em um River 2-1 Quilmes. Após marcar, uma de suas múltiplas comemorações foi interpretada como uma provocação ao River, em que estaria imitando uma galinha. Apesar da semelhança, os braços soltos e a movimentação esquisita eram referências a Mick Jagger, de acordo com o próprio jogador.

Recentemente, rumores sobre um possível retorno da banda Los Piojos – uma das grandes aglutinadoras de rollingas – inflamaram as redes sociais na Argentina. Fora dos palcos há 20 anos, desde que se apresentaram pela última vez no Monumental de Núñez, Los Piojos deram pistas como a criação de um perfil oficial no instagram e o lançamento repentino do álbum Ritual Piojoso nas plataformas de streaming, com gravações ao vivo no último show no estádio do River. A banda não confirma a informação e, frente à incerteza, os fãs tomaram o obelisco no primeiro domingo de junho. Para pedir que Los Piojos voltem, para erguer os trapos, para cantar como se estivessem na arquibancada, para dançar como Mick Jagger. Y el que no salta és un inglés, porque somente um argentino pode ser um autêntico rollinga.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Matheus Donay

Historiador e mestrando em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Além do futebol, pesquisa o truco, a tava e outros esportes radicais do sul da América.

Como citar

COSTA, Matheus Donay da. Rollingas: os argentinos, os Rolling Stones e o futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 180, n. 20, 2024.
Leia também:
  • 179.34

    El sutil problema del racismo en el fútbol argentino

    Javier Sebastian Bundio
  • 179.33

    40 anos de democracia à deriva na Argentina: futebol e política (parte 2)

    Fabio Perina
  • 179.25

    40 anos de democracia à deriva na Argentina: futebol e política (parte 1)

    Fabio Perina