Por que torço para a Argentina, se não bastasse a inclinação natural de ser um sul-americano?
De um lado, Messi, do outro, a história. A França poderá tornar-se a seleção hegemônica deste século, ao vencer duas vezes seguidas pela primeira vez desde o Brasil de 1962, há 60 anos. Para este eventual bicampeonato, os franceses contam até mesmo com seu Amarildo, Giroud, que se tornou o maior goleador de seu país ao substituir Benzema, o melhor jogador da temporada. Não fossem os colecionados afastamentos durante a Copa, seria a favorita. Vencendo, torna-se a primeira tricampeã desde a entrega da Jules Rimet e, por hora, rouba também uma cor.
Pela ausência da esquadra italiana nas duas últimas Copas, Le Bleus is the new Azzura. Não é pouca coisa. Pense na celeste, nas amarelinhas, na laranja mecânica, en la Roja, com perdão dos amigos chilenos.
Por muitos aspectos, a França será o futuro do presente. Não será demais lembrar que sua vitória dentro de casa em 1998 impediu o Brasil de contabilizar novo tricampeonato.
Será mero acaso o fato de que Messi e Mbappé sejam parceiros no clube francês PSG, de propriedade da Qatar Sports Investment, ou será tão somente a força inequívoca do capitalismo mundial ditando o fim da história da carochinha de que futebol se ganha em campo, dentro das quatro linhas, só para citar um notório conspiracionista?
Ao futuro do presente, jogado no país que é o dono majoritário do PSG, poderia sobrepor-se o futuro do pretérito: a Argentina, que venceria também o seu tricampeonato. Todo ele construído na disputa da Copa atual, sem possibilidade de ter um dono fixo, como o fluxo de capitais em sociedade aberta mascara a encarcerada concentração de renda. A vitória Argentina não representaria o fortalecimento de seu campeonato nacional como o centro financeiro de circulação de mercadorias humanas.
Ao contrário, total paradoxo, honraria o último dos humanos, demasiado humano, que foi agraciado pela mão do seu próprio deus em um tempo em que milagres eram permitidos e não contestados pelos burocratas da tecnologia audiovisual – porque tudo que é demais, é exagero!
Tal homenagem seria prestada pelo discípulo sabidamente mais disciplinado na própria trajetória, e também o que mais renegou, por desnecessidade emocional, os prazeres viciantes que consumiram o anjo caído que foi Maradona.
Seria el Diez o Deus sem os gols que fez contra a Inglaterra e sem a Copa do Mundo conquistada em 86? Seria imortal, como é, o Rei Pelé se não tivesse vencido como venceu a Copa de 70 (depois de duas copas em que saiu contundido ou quebrado)? Perguntem a Zico, Platini e Cruyff. Perde a Copa, se Messi não vencer? Perde. Ainda mais: o maior derrotado seria o futebol que nos habita o imaginário.
Torço para que vença a Argentina. Sobretudo, mesmo que não seja necessário, torço para que Messi faça um milagre. E vire Santo, como um intermediário de Deus para o Rei, concedendo a este último uma ainda longa e próspera vida saudável cá na terra, para que possa, aos 100 anos, celebrar ter sido o atleta do século, passado.
E se for possível pedir demais (é sempre necessário pedir demais), que o milagre de Messi seja o de manter possível a vitória de uma pequena nação sul-americana, abrindo as portas para as africanas que viriam — com toda a certeza de um ateu recém convertido. Amém.