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Sobre a atuação do treinador no futebol brasileiro

Cortem a cabeça dele! – Gritavam em uníssono.

A Série A1 do Campeonato Paulista é considerada por muitos o principal e mais disputado torneio estadual do país, contando com os quatro grandes do estado – Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo – e mais 12 clubes sedeados entre a capital e o interior.

Esses 16 clubes passam por um sorteio e são divididos previamente em quatro grupos, mas o formato do campeonato, no entanto, é diferente do que estamos habituados a acompanhar.  

Os times não jogam dentro de seu próprio grupo, não havendo confrontos diretos na disputa pela classificação para a segunda fase. Os dois melhores de cada grupo classificam e disputam entre si uma vaga para as quartas de finais, possibilitando confrontos um tanto desiguais nessa fase do torneio, já que seu formato permite que as equipes passem com pontuações muito diversas. 

São 12 jogos na primeira fase, em média dois por semana.

O prazo é curto, e a tolerância também.

O cenário não é lá muito favorável para ninguém: os jogadores estão iniciando uma nova temporada, voltando de férias, precisando se readaptar ao treinamento e em muitas ocasiões novos clubes e treinadores; os dirigentes querem começar a temporada com vitória e ganhar força política; a torcida dos times grandes por vezes carrega o discurso de “estadual não é importante”, mas critica quando o futebol de seu time está aquém das expectativas do espetáculo; e o treinador, por sua vez, sem muito tempo de trabalho antes ou durante o campeonato, é precocemente questionado, e em alguns casos, rapidamente substituído.

Os estaduais, em geral, acabam sendo uma prova de fogo para os clubes, o “ou vai, ou racha” para muitos treinadores. Seriam essas tentativas ansiosas para resolver lacunas antes do início dos campeonatos nacionais? E se assim fosse, não seria mais adequado planejar de forma consciente antes do início da pré-temporada?

A pretensão existe; os contratos são assinados e há toda uma burocracia que envolve carteira de trabalho, direito de imagem, multas, premiações e afins, que no fim são super voláteis. Não acredito que alguém contrate pensando em demitir, mas esse processo acaba sendo uma mera formalidade já que muitos clubes não sustentam suas decisões e escolhas quando o treinador é muito questionado, e o planejamento da temporada já toma novos rumos logo de cara.

Seria a responsabilidade apenas do contratado ou também do contratante?

Questionar o treinador não é uma novidade no futebol, mas talvez seja insuficiente. Não estou aqui sugerindo que o questionamento não aconteça, todo profissional passa por constante evolução e ninguém é incontestável, ou insubstituível, me parece apenas simplista colocar em um único profissional a responsabilidade pela falha de todo um sistema.

Serão os fracassos de um clube culpa de um único profissional? Antes mesmo do final da quinta rodada do Campeonato Paulista de 2024 (série A1), 2 equipes pareciam acreditar que sim, e Corinthians e Santo André anunciaram a troca de comando de suas equipes.

Considerando que o Paulista teve início no dia 20 de janeiro, e que a saída dos treinadores fora anunciada no dia 5 de fevereiro, foram apenas 17 dias de campeonato.

17 dias, 5 jogos.

Mano Menezes
Mano Menezes foi demitido pelo Corinthians após quatro derrotas seguidas. Foto: thenews2.com/Depositphoto.

Mano Menezes havia assumido o Corinthians no final de setembro de 2023, enquanto Fernando Marchiori estava no Santo André desde meados de novembro do mesmo ano.

A dança das cadeiras tem um pequeno limite no Campeonato Paulista, para não ser injusta, já que há alguns anos o regulamento da competição impede que uma equipe contrate um treinador que já tenha trabalhado em outro time na mesma edição do torneio, mas não impede que o clube busque o novo profissional em outros lugares.

A circulação de treinadores entre os clubes brasileiros nos revela um padrão de repetição. A falta de critérios no momento de uma contratação conduz os dirigentes ao risco, e essa mentalidade imediatista nos ajuda a entender o porquê desses clubes não conseguirem realizar planos no longo prazo já que a solução é paliativa, focando no presente. Isso pode ser visto pelo tempo de permanência no cargo dos dois técnicos já mencionados, por exemplo, que não apenas foram contratados no final da última temporada, como pouco apoio tiveram para implementar seus trabalhos na nova.

 O calendário é apertado. Fisiologicamente fica difícil a recuperação completa do jogador, os ajustes para o próximo jogo são comprometidos, as análises são constantes e a assimilação do modelo de jogo do treinador acaba dificultado, ainda mais quando estes são substituídos com tanta frequência. Os jogadores não são máquinas pré-programadas; eles possuem sentimentos, problemas familiares, vaidades… se lesionam, ficam doentes, tem dias ruins, cometem erros. Mas tirando raras exceções, o jogador não costuma ser culpabilizado pela derrota, até porque olhando de fora não se sabe muito o que seria esperado dele de acordo com o treinamento e as análises do adversário. Cada jogo é um jogo e as peças circulam por motivos que desconhecemos; o que vemos é apenas a ponta do iceberg que, mediante o conflito, faz o barco afundar.

Essas questões, no entanto, não costumam ser ponderadas. As pessoas tendem a avaliar apenas o resultado, como se o futebol fosse um sistema fechado, sem interferências internas ou externas a ele.

A crítica influencia a torcida, que por sua vez possui grande influência nas decisões dos dirigentes. Quando o clube não conquista os resultados esperados, começa o ciclo em busca de mudanças; investidores, conselheiros, torcedores; todos se tornam especialistas. Alguns são mais condescendentes, querem ajudar no processo; outros apenas ‘acham’ que sabem e acabam atrapalhando. Há também o treinador que lida bem sob esse tipo de pressão, que possui as respostas para todos os questionamentos, que consegue pautar seu trabalho em ideias bem claras e confia no seu processo; mas há também o tipo que cede à coação, não sustentando seus próprios conceitos.    

Tudo isso me parece complexo, e não existem soluções simples para problemas complexos. É preciso, de cara, profissionalismo, objetivo, planejamento, critério, treinamento, adaptação e confiança no processo. É preciso tempo, tempo enquanto aliado.

Quando o tempo rivaliza com o trabalho, vemos da posição de espectadores o campeonato acontecendo, os treinadores circulando, o legado desaparecendo, e nada mudando.

37 minutos do primeiro tempo, ele faz duas substituições na derrota por 1×0. Ele é louco, perdeu o juízo. Cortem a cabeça dele! – Gritavam em uníssono. A virada veio no segundo tempo. Fim de jogo. Ele é um gênio! Vida longa ao treinador!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Natalia Caldeira

É graduada em Bacharelado em Esportes e Licenciatura pela Faculdade de Educação Física da Unicamp, com Especialização em Fisiologia do Exercício pelo Departamento de Fisiologia da Unifesp e Condicionamento Físico Aplicado à Prevenção Cardiológica Primária e Secundária pela Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Usp. Possui ainda um MBA em Gestão e Marketing Esportivo pela Trevisan Escola de Negócios. Atualmente cursa Mestrado no departamento de Educação Física e Sociedade da Faculdade de Educação Física da Unicamp, focando seus estudos na circulação de treinadores brasileiros no futebol nacional.

Como citar

CALDEIRA, Natalia. Sobre a atuação do treinador no futebol brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 16, 2024.
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