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O jogo que valeu a Taça Jules Rimet

A disputa da Taça Jules Rimet

No dia 21 de junho de 1970, no Estádio Azteca, na Cidade do México, a Copa do Mundo foi decidida entre Brasil e Itália. Mais do que o título de melhor do mundo pelos próximos quatro anos, aquele jogo valeu nada menos do que a posse definitiva da Taça Jules Rimet, um símbolo do futebol mundial, que acabou no Brasil para a glória e desonra tupiniquim.

Nas semifinais, o Brasil conseguiu a revanche do Maracanazzo e eliminou o Uruguai enquanto a Itália venceu o “Jogo do Século” ao passar pela batalha contra a Alemanha. Naquele momento, a final da Copa do Mundo, além é claro do título, decidiria algo importantíssimo: o vencedor ficaria definitivamente com a Taça Jules Rimet.

O regulamento instituído em 1930 para a primeira Copa do Mundo estabelecia que a primeira seleção que conquistasse três vezes o título ganharia a posse definitiva do cobiçado troféu.

Entre os quatro semifinalistas, Brasil, Itália e Uruguai eram bicampeões além da Alemanha com um título. A chance de acontecer uma final entre dois bicampeões era muito alta. No entanto, Alemanha e Itália fizeram um jogo duríssimo na semifinal.

No clássico contra o Uruguai, os brasileiros sofreram no primeiro tempo, mas com a inteligência de Tostão e o raro gol de Clodoaldo, iniciaram a reação que os levariam à decisão.

Já a Itália penou num jogo duríssimo com direito a empate alemão nos acréscimos do segundo tempo, cinco gols na prorrogação, duas viradas e Beckenbauer em campo com o braço amarrado ao corpo em razão de uma lesão na clavícula. A partida terminou com vitória italiana por 4 a 3 e foi apelidada de “Jogo do Século”.

Estava definida a final da Copa do Mundo com Brasil x Itália e isso significava que o vencedor seria dono definitivo da Jules Rimet.

Seleção brasileira postada durante hino nacional na Copa do Mundo 1970. Foto: Gerência de Memória/CBF.

“Com o brasileiro não há quem possa”

Até aquele momento, o Brasil estava invicto na Copa. Havia vencido Tchecoslováquia, Inglaterra, Romênia, Peru e Uruguai. Durante a campanha, o time de Zagallo amadureceu e mostrou ao planeta a essência do futebol brasileiro com o ápice técnico de Tostão, Gérson, Pelé, Jairzinho, Rivelino e companhia.

O futebol havia se tornado uma parte importante da vida brasileira com os títulos de 1958 e 1962 e a expectativa pelo Tri cresceu na mesma proporção do talento que os jogadores desfilavam nos gramados do México.

No dia da decisão, o Brasil estava completo e o time ideal de Zagallo foi escalado com Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino.

Pelo lado italiano, apesar do desgaste da batalha da semifinal contra a Alemanha, Ferruccio Valcareggi teve seu time titular a disposição e a Itália foi a campo com Albertosi, Burgnich, Cera e Facchetti; Bertini, e De Sisti; Domenghini, Boninsegna, Mazzola e Riva.

Quando a bola rolou, a decisão da Copa do Mundo foi a apoteose do melhor futebol da história. Nada de equilíbrio e isso não quer dizer que a Itália tenha jogado mal, simplesmente, naquela tarde de 21 de junho de 1970, o Brasil jogou futebol num nível jamais alcançado.

O placar conta a diferença entre as equipes durante a partida. Enquanto a Itália marcava um gol, o Brasil fazia quatro e registrava para sempre as jogadas bonitas, os golaços individuais e coletivos, além da magia do futebol arte.

Depois do empate em 1 a 1 no primeiro tempo, os últimos 45 minutos mostraram o esplendor tático, técnico e físico daquele timaço. O placar marcava 3 a 1 para os brasileiros quando aos 41 minutos aconteceu o lance que materializou o futebol arte e colocou aquela equipe eternamente na história do futebol mundial.

Do céu ao inferno na terra do futebol

O golaço de Carlos Aberto Torres foi a assinatura em letras douradas do inédito tricampeonato de uma seleção em Copas do Mundo. Uma campanha perfeita em que a Seleção Brasileira fez jogos épicos e foi coroada por um lindo gol que representava perfeitamente os craques da Amarelinha.

A conquista iniciou uma festa sem igual e culminou num sentimento de orgulho nacional por ter o melhor futebol do mundo. Foram precisos 40 anos e nove edições do Mundial para que um país conquistasse o feito que garantiria o direito de receber a Taça Jules Rimet de forma definitiva. E, enfim, o Brasil havia conseguido, por isso, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) recebeu da FIFA dois troféus: o original e uma réplica.

Seleção brasileira antes da partida contra o Peru na Copa do Mundo 1970, vencido pelo Brasil por 4 a 2. Da esquerda para a direita, em pé: Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza, Félix, Clodoaldo e Everaldo; agachados: Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivellino. Foto: Wikipedia.

Fabricada em 1929, a Jules Rimet era revestida por 1,8 quilo de ouro. Já a réplica foi encomendada em razão do desaparecimento da verdadeira durante um evento promocional da Copa de 1966, na Inglaterra, e depois de dias de busca da Scotland Yard, fora recuperada pelo simpático cão Pickles. Após o sumiço na terra da rainha, a réplica servia para a exposição e prevenia que novos imprevistos acontecessem com o troféu original.

Porém, na sede da então CBF, a Jules Rimet original estava exposta numa vitrine blindada, mas emoldurada por um tipo de armário de madeira e a réplica guardada num cofre. Na noite de 19 de dezembro de 1983, três homens invadiram o prédio e roubaram a taça.

A investigação policial concluiu que a Jules Rimet foi derretida embora nunca tenham sido encontradas as barras de ouro. Por uma sucessão de falhas, o símbolo do Tri havia sido roubado e derretido por ladrões. A conquista do Tri e o sumiço da Jules Rimet são a síntese do Brasil com talento de sobra nos gramados e uma vocação incorrigível para o descaso com sua própria história.

Há exatos 50 anos, porém, o Brasil estava em festa com a Seleção do futebol arte e em meio ao momento de maior repressão do regime militar, o brasileiro pôde comemorar a alegria de ser o melhor do mundo nos gramados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. O jogo que valeu a Taça Jules Rimet. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 49, 2020.
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