O ano de 2009 foi emblemático para o futebol paulista, especialmente para os torcedores do Corinthians, que vivenciaram a contratação de Ronaldo para a temporada. A aquisição do jogador foi uma surpresa significativa, já que a expectativa inicial era de que Ronaldo se juntasse ao Flamengo, claramente identificado como seu clube de coração desde a infância, onde já treinava. No entanto, após uma investida do Corinthians, o jogador acabou optando pelo clube paulista.

A estreia de Ronaldo foi aguardada com grande expectativa por todos, marcando o retorno do jogador ao Brasil. Havia incertezas sobre sua reintegração ao futebol, considerando a recente e séria lesão no tendão patelar do joelho esquerdo, juntamente com o diagnóstico de hipotireoidismo, que resultou no ganho excessivo de peso.

Antes de desembarcarmos na cidade de Presidente Prudente, é necessário fazer uma parada no Centro-Oeste brasileiro. Em Itumbiara, no estado de Goiás, mais precisamente no Estádio Municipal Juscelino Kubitschek, foi onde o fenômeno fez sua estreia pelo Corinthians contra o Itumbiara Esporte Clube, em jogo válido pela Copa do Brasil de 2009, no dia 04 de março. Embora o Corinthians tenha vencido por 2 a 0, a grande atração do jogo foi a possibilidade de Ronaldo marcar um gol em sua primeira partida pelo clube.

Um momento talvez tão aguardado quanto o milésimo gol de Pelé que, antes de acontecer no Maracanã, deixou milhares de corações frustrados em um jogo contra o Bahia, no Estádio da Fonte Nova, momento icônico em que a própria torcida do Bahia vaiou seu zagueiro que, praticamente em cima da linha, evitou o gol histórico do Rei do Futebol em terras baianas. Paciência! A história estava marcada para ser feita no maior estádio do mundo, no Rio de Janeiro, contra o Vasco da Gama.

Pois bem, voltemos ao jogo em Itumbiara!

A partida transcorreu com essa expectativa, mas ao final o fenômeno não conseguiu marcar seu primeiro gol com o manto corintiano, adiando essa possibilidade para Presidente Prudente, no estado de São Paulo. Bem, devemos admitir que gols históricos precisam, acima de tudo, de contextos históricos. A poética e a mística agradecem.

Assim, o primeiro gol aconteceu na partida subsequente, válida pelo Campeonato Paulista, contra o arquirrival Palmeiras, no Estádio Paulo Constantino, o Prudentão (Mapa), para um público de 44.479 torcedores.

A imagem é o mapa da localização geográfica do Estádio Paulo Constantino (Prudentão). Nele contém imagens referentes ao jogo do gol de Ronaldo contra o Palmeiras.
Elaborado por Igor Breno Barbosa de Sousa.

Relatos e memórias em Presidente Prudente: Um olhar do João Paulo Pimenta

Falar do gol de Ronaldo em Presidente Prudente, em 08 de março de 2009, no Prudentão, é algo que remete a outras lembranças. Particularmente, a momentos da infância que jamais sairão da memória de quem, desde os 8 anos de idade, frequenta este estádio.

O Prudentão, hoje, é um dos maiores estádios do interior brasileiro, com capacidade para 46 mil pessoas. Porém, na segunda metade dos anos 80 (quando comecei a frequentá-lo, assistindo aos jogos do Corinthians de Presidente Prudente – o famoso “Curintinha”), sua capacidade não chegava a 10 mil pessoas, deixando à mostra todo o barranco existente atrás dos gols.

Atrás da trave onde Ronaldo marcou seu gol, havia uma nascente, uma chamada “biquinha”, para onde todos os torcedores se encaminhavam durante os jogos para se refrescarem. Tempos maravilhosos, quando não era necessário pagar preços abusivos para se matar a sede.

Com o passar do tempo, os barrancos foram ocupados por arquibancadas para ampliação do estádio. É comum, em cidades do interior e com clubes sem grande poder financeiro, que o relevo seja aproveitado para a construção de estádios. Gasta-se muito menos do que se gastaria para erguer um estádio para o alto. A “biquinha” desapareceu e a grande cabeceira de drenagem em formato de “anfiteatro” se transformou no setor amarelo, de onde a torcida corintiana pode contemplar o fato principal desta história.

O dia que entraria para história

Presidente Prudente, 08 de março de 2009, acordamos logo cedo e já de bate-pronto colocamos o hino do Corinthians para dar aquela turbinada no ânimo. A saudosa Dona Ana preparou o almoço e partimos de casa, eu, meu saudoso pai e meu irmão. Meu pai e meu irmão foram diretamente para o estádio, enquanto passei para buscar três amigos que estariam ao meu lado nessa história, os queridos Nai, Ízide e Michele, companheiros de faculdade na época.

Naquela tarde, Presidente Prudente oferecia a prato pleno sua mais famosa iguaria: o calor de quase 40 graus. Cidade modesta, do extremo-oeste do estado de São Paulo, sem grandes impactos midiáticos cotidianos, principalmente no mundo do futebol, devido às poucas e rápidas participações em divisões superiores na década de 60.

Essa falta de protagonismo deixava a atmosfera ainda mais carregada de entusiasmo por parte dos prudentinos que, naquele dia, receberam as visitas de torcedores vindos também do norte do Paraná, do Mato Grosso do Sul e de outras partes do estado de São Paulo.

O estádio estava lotado. Obviamente, boa parte dele secando o Corinthians e, principalmente, a possibilidade de Ronaldo desencantar naquele dia. Tal como Andrada ficara furioso ao tomar o milésimo gol de Pelé, o Palmeiras não queria entrar para a história como o time que levou o primeiro gol de uma lenda do futebol mundial jogando pelo arquirrival.

Croqui do Estádio Prudentão momentos antes do gol de Ronaldo.
Elaborado por João Paulo de Oliveira Pimenta

Ronaldo, depois de duas cirurgias absolutamente graves e de um período de readaptação ao futebol e, visivelmente, acima do peso ideal, não reunia condições de atuar por noventa minutos, ainda mais debaixo de um sol de quase 40 graus.

O primeiro tempo transcorreu bastante disputado, mas sem gols anotados. A festa foi muito bonita, pois ainda tínhamos a possibilidade de torcidas divididas nos estádios paulistas em dias de clássico. Algo que a ignorância e a violência acabaram extinguindo.

No início do segundo tempo, logo aos 3 minutos, Diego Souza se aproveita de uma incrível falha do goleiro Felipe e faz 1 a 0 para o Palmeiras.

Aos 15 minutos, acontece aquilo que todos esperávamos naquela tarde. Ronaldo entra no lugar de Escudero. Logo após sua entrada, Ronaldo demora a tocar na bola, mas quando o faz, demonstra que o período de recuperação não lhe tirou a habilidade com a bola nos pés.

Embora o Corinthians pressione, o Palmeiras mostra que quer matar o jogo e se lança aos contra-ataques permitidos pelo avanço do Corinthians para tentar empatar o jogo.

Aos 33 minutos, Ronaldo chuta de fora área acertando o travessão de Bruno.

Corinthians continua pressionando, ocorre uma expulsão no Palmeiras (Marquinhos Capixaba) e aquele medo da frustração já ficando cada vez maior.

Aos 46 minutos, faltando apenas 2 minutos para se encerrar o tempo adicional, Elias tenta uma jogada dentro da área e o zagueiro Marcão tira para escanteio.

Aqui, faremos um breve relato sobre o posicionamento geográfico. Douglas vem para cobrar o escanteio no lado leste da arquibancada da torcida do Corinthians. Eu e meus 3 amigos estávamos posicionados exatamente atrás da posição de onde Douglas iria bater. Nosso ângulo de visão era como se estivéssemos em um prolongamento da linha de fundo.

Douglas bate e a bola sobe muito, viajando até o segundo poste da trave do goleiro Bruno. Ronaldo, posicionado atrás de Marcão, se aproveita da falha do zagueiro e cabeceia. Devido ao posicionamento de Marcão, cobrindo o corpo de Ronaldo, mal percebi que tivera sido ele a cabecear a bola. Só percebi a bola saindo rapidamente de trás do corpo de Marcão e estufando a rede. Só percebi que foi Ronaldo ao ver seu corpo sair em disparada de trás do zagueiro Marcão em direção ao setor norte da arquibancada corintiana.

Neste momento, enquanto Ronaldo corria para o famoso alambrado, a massa corintiana descia as arquibancadas para encontrá-lo naquele que seria um dos momentos mais icônicos da história do futebol brasileiro. Uma massa de centenas de torcedores desceu como se uma represa estourasse. Era como se toda aquela água da antiga “biquinha”, ficasse confinada ali nos últimos 15 anos e, de repente, rompesse as toneladas de concreto colocadas sobre sua nascente.

Aquela enxurrada de gente encontrou Ronaldo que, neste momento, muito diferente de suas famosas e contidas comemorações, pulou no alambrado, colocando pra fora toda a emoção guardada depois de meses se recuperando de lesões que encerrariam a carreira de qualquer jogador comum. Repito, “comum”.

Obviamente, as condições estruturais do pobre alambrado não foram pensadas para suportar o peso da emoção de uma nação de mais de 30 milhões de pessoas, muito menos o peso de um jogador com duas Copas do Mundo e seus respectivos companheiros em uma comemoração antológica.

Desabou como se fosse de papel!

Felizmente, não houve feridos e o rompimento do alambrado só serviu para tornar ainda mais poética essa história que colocou, finalmente, Presidente Prudente como a cidade onde Ronaldo, o Fenômeno, marcou seu primeiro gol pelo último clube de sua espetacular carreira.

E até hoje, quando estou em viagens e alguém pergunta de onde sou, respondo:

— Presidente Prudente.

A pessoa automaticamente diz:

— Onde o Ronaldo derrubou o alambrado, né?

Eu respondo:

— Precisamente!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Renato Rodrigues Simplício

Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Júlio de Mesquita Filho, na Faculdade de Ciências e Tecnologias, Campus Presidente Prudente.Pesquisador do Grupo de Estudos Gilmar Mascarenhas (UNESP).

Elvis Silva

Licenciado e bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Júlio de Mesquita Filho, na Faculdade de Ciências e Tecnologias, Campus Presidente Prudente. Atualmente é mestrando em geopolítica do esporte e  membro do Grupo de Pesquisa Núcleo de Pesquisa e Estudos Regionais (NUPERG), sob orientação do Professora Dra. Maria Terezinha Serafim Gomes

Igor de Sousa

Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FCT-UNESP). Licenciado e Bacharel em Geografia (2017), Mestre em Desenvolvimento Socioespacial e Regional (2020) ambos pela Universidade Estadual do Maranhão, Especialista em Geoprocessamento Aplicado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e o Mundo do Trabalho pela Universidade Federal do Piauí (SEB/MEC - CEAD/UFPI). Foi Professor Orientador no curso de Geografia Licenciatura no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), no curso de Especialização em Didática, Práticas de Ensino e Tecnologias Educacionais da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e no curso de Especialização em Geoprocessamento Aplicado no IFNMG, Campus Diamantina - MG, além disso, foi também Professor Supervisor de Estágio no curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual do Maranhão, por meio do Núcleo de Tecnologias para Educação (UEMAnet). Coordenador de atividades do Atlas da Geografia do Futebol Brasileiro. Pesquisador do Grupo de Estudos de Dinâmicas Territoriais (GEDITE-UEMA), do Grupo de Estudos em Dinâmica Regional e Agropecuária (GEDRA-UNESP) e do Grupo de Estudos Gilmar Mascarenhas (UNESP). Tem experiência em Geoprocessamento, Geotecnologias, Geografia Rural e Regional, Cartografia e Geografia dos Esportes.

Como citar

PIMENTA, João Paulo de Oliveira; SIMPLíCIO, Renato Rodrigues; SILVA, Elvis Simões Pitoco da; SOUSA, Igor Breno Barbosa de; CAMPOS, Luiz Augusto. Um gol para a história de Presidente Prudente. Ludopédio, São Paulo, v. 178, n. 31, 2024.
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