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O eterno debate do estilo brasileiro

Fábio Aguiar Lisboa 9 de dezembro de 2015

“Dizer que o futebol brasileiro precisa voltar à sua essência e privilegiar o drible e a improvisação, como se tivéssemos vários Garrinchas, agrada à maioria, mas está fora da realidade. O futebol e o mundo mudaram”. Em crônica publicada no último 25 de outubro na Folha de São Paulo o craque Tostão apresenta uma percepção interessante sobre que caminho a seleção brasileira deve assumir na contemporaneidade. Percepção esta que não é apenas dele, e que, de certa forma, evidencia uma mudança na forma como o futebol brasileiro é percebido.

Desde a última Copa do Mundo o futebol brasileiro vive um momento de questionamentos. Até o início da competição disputada no Brasil a seleção canarinho era vista com uma das principais forças do futebol mundial. Contudo, após a derrota para a Alemanha por 7 a 1, o Brasil passou a ter o seu estilo de jogo questionado.

Brasil, o país do futebol arte?

Em diferentes oportunidades, a imprensa esportiva brasileira identifica o Brasil como o “país do futebol”. Uma das formas de fazer isto é defendendo a teoria de que existe um determinado estilo de futebol por meio do qual o jogador brasileiro se singularizaria. Este estilo específico de jogar (que foi nomeado inicialmente como Foot-ball Mulato pelo cientista social Gilberto Freyre1) é chamado atualmente de futebol-arte e tende a ser localizado em atletas e equipes brasileiras do passado.

Para Sarmento (2013, p. 71) Freyre acaba estabelecendo neste momento “os polos de um debate que perseguiria o selecionado. A expressão da nacionalidade mestiça se manifestaria através da criatividade, da arte, e seria incompatível com a norma, o esquema, a tática, a racionalidade”. Neste debate se questionava: “O que era superior? O talento ou a organização, a arte ou a ciência? Se a finta mulata era uma expressão a ser valorizada, como avaliar o confronto desta com a cultura apolínea europeia?”.

Contudo, assim como pode ser visto no texto de Tostão citado anteriormente, a percepção de que o futebol arte é o único caminho que deve ser adotado pela seleção brasileira para alcançar o sucesso já não parece ser uma unanimidade entre a imprensa esportiva na contemporaneidade.

Um exemplo desta postura pode ser observado nas edições de jornais publicados dias após a derrota de 7 a 1 do Brasil para a Alemanha na Copa de 2014.

Naquele momento, um diagnóstico apresentado para o revés foi o de que o futebol brasileiro vive um momento de atraso frente ao futebol desenvolvido em outros países. Esta ideia aparece, por exemplo, na coluna de Fernando Calazans da edição de O Globo do dia 10 de julho: “O Brasil pode voltar a brilhar no futebol, pode retomar o lugar de ponta que já ocupou há anos – e não ocupa mais hoje em dia. Só que, em primeiríssimo lugar, é preciso reconhecer como caiu nesse século, reconhecer como está atrasado, equivocado, em relação às forças atuais”.

Outra explicação para a derrota que aparece nas narrativas da imprensa brasileira é a de que a seleção brasileira teria deixado de lado o seu suposto estilo de jogo tradicional, estilo este que seria a chave para a vitória em edições anteriores da Copa do Mundo. Esta ideia aparece, por exemplo, em artigo publicado no dia 10 de julho em O Globo pelo ex-jogador Zico. Segundo o ex-jogador, “a seleção brasileira não fez nenhuma atuação à altura do que se espera do Brasil”. Para Zico, “futebol é espetáculo, é se deliciar com a beleza do jogo, claro que sem perder a seriedade e o profissionalismo”.

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Pode-se dizer que o futebol-arte é o estilo da seleção brasileira? Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Na edição da Folha de São Paulo de 11 de julho outro ex-jogador com passagem pela seleção segue a argumentação de Zico. Em sua coluna, Tostão afirma que o técnico “Felipão é o responsável pela seleção, mas não é o criador do nosso atual e medíocre estilo de jogar”. O ex-jogador diz também que “desaprendemos a jogar coletivamente. Para Felipão e a maioria dos técnicos, trocar passes no meio-campo é frescura, um jogo bonitinho, improdutivo. O futebol brasileiro vive de correria, de estocadas e de jogadas aéreas (…) Queremos mais que isso”.

Além disso, há o argumento de que esta derrota foi ocasionada pela falta de renovação dos técnicos brasileiros, o que tornaria necessário um maior intercâmbio com técnicos estrangeiros, e quem sabe a presença de um deles no comando da equipe do Brasil. Paulo Vinícius Coelho apresenta esta possibilidade, em sua coluna publicada na edição de 10 de julho da Folha de São Paulo, ao comentar a explicação dada pelo técnico Luiz Felipe Scolari para a goleada sofrida pelo Brasil, um apagão: “É preciso criar um fato novo! Ir à procura de Pep Guardiola ou de alguém com experiência na Europa. Alguma coisa precisa acontecer (…) O apagão teve causas táticas, sumiço da posse de bola, e emocionais, ausência das referências”.

Progresso x tradição

A leitura destes argumentos, um pequeno extrato de um universo bem maior, permite que se perceba que na atualidade não há uma uniformidade de opiniões na imprensa esportiva quando se fala do melhor estilo de jogo a ser adotado pela seleção. Enquanto alguns defendem o estilo chamado de futebol arte – que teria elementos como a ginga, a beleza e o drible -, outros jornalistas afirmam que o melhor caminho é o do jogo coletivo.

De um lado, pode-se observar um grupo que aponta para o progresso, defendendo a adoção de novas táticas e técnicas de jogo, inclusive com a possibilidade de colaboração de técnicos estrangeiros.

Por outro lado, há os que defendem o retorno de uma tradição, a do futebol arte, na qual elementos como a inventividade, a malandragem e a ginga são centrais.

Desta forma, pode-se perceber que o debate em torno do estilo de jogo da seleção brasileira permanece em aberto, debate este que, acredito, perdurará até uma nova conquista da seleção.

Notas:

1- Freyre cria a nomenclatura Foot-ball Mulato em artigo publicado no dia 17 de junho de 1938 no Diário de Pernambuco para descrever o estilo de jogo dos atletas brasileiros. Hoje, o que Freyre chamou então de Foot-ball Mulato, é identificado como o futebol-arte.

Referências:

SARMENTO, Carlos Eduardo. A construção da Nação Canarinho: uma história institucional da seleção brasileira de futebol, 1914-1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fábio Aguiar Lisboa

Mestre em Comunicação pelo do Programa de Pós-Graduação da UERJ (PPGCOM/Uerj) na linha Cultura de Massa, Cidade e Representação Social. Membro do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura (FCS/UERJ). Bacharel em Comunicação Social pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (2003), bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2009) e bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (2010). Trabalha na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo.

Como citar

LISBOA, Fábio Aguiar. O eterno debate do estilo brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 78, n. 4, 2015.
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