O Brasil é um cano estourado vazando jogador bom pra todo lado. Sempre foi.
É tranquila a tarefa de elencar um escrete canarinho de A a Z.
Uma seleção de jogadores pra cada letra do alfabeto. Tarefa esta que, inevitavelmente, desencadeia um tratado fantástico de lendas da mitologia ludopédica tupiniquim.
Este é o Brasil A, de Ataliba.
Atenção, a escalação não deve ser lida. Seria inexato, incompleto.
Um selecionado brasileiro deve ser sempre recitado, como poema que é, em redondilhas maiores, e métrica espaçosa. Verifique.
Aranha
Alfinete, Alfeu, Aldair, Athirson
Amaral, Adílio, Ademir da Guia
Amarildo, Adriano Imperador, Ataliba
Salta aos olhos o ataque. Como de praxe. Como deve ser.
Entretanto, antes, repare a ossatura do meio campo, e seus personagens.
Amaral, o carregador de piano, humilde, invisível para o torcedor, protege sem ser notado.
Adílio permeia os espaços vazios. Sobrevoa.
Ademir da Guia é raro exemplar de caboclo das sete encruzilhadas. O mago do meio de campo. Aquele para o qual não existem caminhos fechados. Todos são possíveis, intercambiáveis. Uma meia cancha sem um exemplar destes, inexiste, esfarela-se.
Agora, sim, o ponto que queria chegar. Venhamos e convenhamos, com este triplete na frente, francamente, pouco importa o resto. Poderíamos substituir Aranha por um cínico cone de trânsito. Seria indiferente. Não alteraria o resultado. Não pela capacidade do goleiro, mas sim pela impotência de atacar do time adversário. Os zagueiros, em sã consciência, apenas sentariam no gramado, e observariam o ataque jogar, como crianças no circo.
Poderia destrinchar as tabelas entremeadas possíveis entre Amarildo, o possesso, e Didico, do petardo mágico. Não vou. Gostaria de comentar duas palavras sobre Ataliba. Ainda bem que, em bom português, duas palavras significam mil.
Ataliba é o atacante bobo da corte. O brincalhão. O menino de cosme damião, saci-pererê atabalhoado, que se perde em uma brincadeira. Da mesma linhagem de tantos e irreverentes como Viola, Edmilson capetinha, Dadá Maravilha e incontáveis outros.
Ataliba surgiu no Juventus da Mooca. Fato que por si só já tipifica o arquétipo. O menino da rua Javari, que aplica travessuras contra os gigantes. Ataliba sempre marcava contra o Corinthians. Sempre. Impossível passar em branco. Tanto, que cansado de sofrer, o Timão contratou Ataliba, mais para não sofrer gols, do que para fazê-los. Dizem.
Caiu como uma luva, num time que tinha outro brincalhão em Biro-Biro, e um caboclo na meia cancha inigualável: Sócrates. Aliás, esperem para ver o Brasil do S, de Sócrates, Sávio e Servílio. Repito, esperem.
Atrapalhado, desengonçado por vezes, deixou de ser o saci-pererê que praticava travessuras avessas. Passou a marcar seus tentos pelo elenco preto e branco, em tabelas memoráveis com Casagrande.
Ataliba driblava até quem não estava em campo, como ele mesmo comenta:
“Foi o primeiro título, em 82, pelo Paulistão, onde eu fiz aquela jogada. Falam que eu passei pelo Oscar e pelo Dario Pereira, e na verdade não, era o Marinho Chagas e o Everton. Só que o pessoal persiste em falar que era o Oscar e o Dario, então eu falo `ah, eram eles mesmos´”, brinca.
Este é o Brasil A, de Ataliba.
Ganharia a Copa de 90 jogando apenas o primeiro tempo de cada partida.