168.26

Carlo Ancelotti e a síndrome do carnavalesco da escola de Belas Artes

Guilherme Trucco 26 de junho de 2023

 

Fernando Pamplona
Fernando Pamplona – Carnavalesco dos anos 60 e 70 da GRES Salgueiro – Fonte: reprodução/instagram

O carnavalesco é a figura da escola de samba que, liderando uma equipe de trabalho, é geralmente o responsável pela concepção do desfile como um todo, desde a temática do enredo, até a execução dele em cada alegoria e fantasia que vai para a avenida. Ao carnavalesco cabe a responsabilidade pela concretização da ideia em espetáculo visual.

Acontece que nem sempre foi assim. No princípio, quando o carnaval ainda era uma expressão popular, e não um espetáculo de camarotes vips (qualquer comparação com o futebol não é mera coincidência), houve uma época em que o enredo do carnaval era pensado pela Ala de Compositores de cada escola.

Segundo Nei Lopes e Simas (1):

“As primeiras agremiações do samba foram fundadas, quase sem exceção, por compositores. A Ala de Compositores, antigamente, constituía uma espécie de elite dentro da Escola. (…) Além do orgulho de sua condição, o compositor era também motivado por seus laços comunitários e pelo amor à sua bandeira. Uma Ala de Compositores, naqueles tempos, representava, realmente, a elite intelectual de uma agremiação, embora muitas vezes seus membros fossem iletrados e até analfabetos. Com a absorção das escolas pela sociedade de consumo e a transformação das composições em produtos pela indústria fonográfica, a condição de compositor foi perdendo o caráter amador (de arte pela arte) e espontâneo, para ser cada vez mais uma atividade semiprofissional.”

Ainda como efeito da espetacularização do carnaval, a concepção artística do carnaval saiu das mãos da Ala de Compositores, e foi parar nos bolsos dos Carnavalescos,  que geralmente nenhum laço possuem com a Escola, formados em altas universidades em cursos de Belas Artes.

Nomes como o de Fernando Pamplona, carnavalesco multicampeão que revolucionou os desfiles do Salgueiro na década de 60, foram um marco nessa transformação do carnaval que se via na avenida. De uma folia popular para um espetáculo cada vez menos autêntico, e cada vez mais ditado pelo capital.

Aqui entra a escolha de Carlo Ancelotti como técnico da Seleção Brasileira. A comparação é gritante. Espera-se que Ancelotti imprima no campo da Seleção Brasileira a estética que hoje se denomina futebol moderno, pensado por grandes técnicos europeus, e implementado por grandes conglomerados com investimento para obter a melhor preparação física de jogadores que, muitas vezes nem são tão talentosos, mas marcam o campo inteiro incessantemente e possuem a tal obediência tática. Tudo isso visto não por torcedoras, mas por consumidores em camarotes de estádios que mais se assemelham a shopping centers, ou mesmo no seu pay per view de escolha.

Carlo Ancelotti
Carlo Ancelotti em comemoração do título espanhol de 2022. Fonte: reprodução/instagram

O que orienta essa escolha? Vencer a qualquer custo a próxima Copa do Mundo. Assim como as Escolas de Samba se adaptaram ao mercad0,o e hoje em dia pagam altos salários para os carnavalescos mais renomados, em busca do título do Carnaval.

Ao final, se Ancelotti trouxer o caneco para o Brasil, terá sido uma boa escolha, se for eliminado com um gol na prorrogação, terá sido uma péssima escolha, independente do desempenho ou do estilo de jogo apresentado.

Que bom seria se a vitória, a meritocracia cega dos títulos, não fosse o único critério de escolha.

Em um futebol folguedo, minha escolha para técnico da Seleção Brasileira para a próxima copa seria o técnico senegalês Aliou Cissé. Não seria o critério da vitória rápida e efêmera, mas o critério dos caminhos a serem trilhados.

Em tempos de denúncias e mais denúncias de casos de racismo em estádios (e fora deles), colocar faixas em campo, fazer posts nas mídias sociais, e aplicar multas irrisórias já está provado que são medidas ineficazes. Colocar um negro africano em um cargo de superioridade e poder intelectual, sim, seria uma atitude antirracista, e que garante o melhor tipo de vitória, aquela que entra para a história, mesmo que a conquista da Copa não venha.

Aliou Cissé
Aliou Cissé. Fonte: reprodução/instagram

Referências

Dicionário da história social do samba – Nei Lopes e Luiz Antonio Simas – Civilização Brasileira – 2015

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Guilherme Trucco

Escangalho a porosidade das palavras. Rabisco um Realismo de Encantaria e futebol. Filho de Xangô e Iemanjá.

Como citar

TRUCCO, Guilherme. Carlo Ancelotti e a síndrome do carnavalesco da escola de Belas Artes. Ludopédio, São Paulo, v. 168, n. 26, 2023.
Leia também:
  • 178.30

    Ser (ídolo) ou não ser…

    Eduarda Moro
  • 178.28

    Projetos sociais e práticas culturais no circuito varzeano

    Alberto Luiz dos Santos, Enrico Spaggiari, Aira F. Bonfim
  • 178.27

    Torcida organizada e os 60 anos do Golpe Civil-Militar: politização, neutralidade ou omissão?

    Elias Cósta de Oliveira