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A Revolução Acriana de Plácido

Bruno Núñez 20 de janeiro de 2020
José Placido de Castro. Foto: Reprodução/A Pátria Brasileira.

Em 1902, o gaúcho José Plácido de Castro liderou cerca de dois mil seringueiros contra as forças armadas bolivianas e, após diversas batalhas, declarou aquele território a terceira República do Acre, o capítulo final da chamada Revolução Acriana que garantiu aos brasileiros o direito da exploração da borracha na região. Desde 1976, o nome desse militar batiza uma cidade de 18 mil habitantes no território onde ele fez história, separada por 95 km da capital Rio Branco. Lá, o futebol brinda uma cena pouco vista no Brasil: o clube do município é presidido por uma mulher. Mais uma revolução.

Rafaela Escalante preside o Plácido de Castro Futebol Club desde 2016, quando tinha apenas 25 anos de idade. “Sempre acompanhei, desde o início, em 2008. Comparecia aos jogos e tinha contato com os jogadores, já que alguns estudaram comigo”, relata a presidente da agremiação acriana. Mesmo fundado em 1979, o clube tem uma história profissional recente. O Campeonato Acriano de 2008 foi a primeira competição oficial da agremiação.

A presidente Rafaela Escalante, do Plácido de Castro. Foto: Reprodução/Facebook/Plácido.

A presidente sempre levantou bandeira pelo clube do pequeno município acriano. Antes de ser a mandatária do futebol, Rafaela era a líder da torcida organizada “Fanáticos Plácido” e viu como torcedora o Plácido de Castro ser campeão estadual em 2013, apenas o segundo time do interior a levantar a taça do torneio — a ADESG, de Senador Guiomard, foi a pioneira em 2006. Outro ponto alto da equipe foi a participação na Copa do Brasil de 2014, quando enfrentou o Figueirense logo na estreia. Um empate em 0 a 0 em Rio Branco levou a decisão da chave para Florianópolis, onde os donos da casa venceram por 3 a 1 e eliminaram a agremiação da Região Norte.

“Na época da organizada, eu, meu noivo, Paulo Cassaro, e seus primos, Jéssica e Ricardo Barros, tínhamos uma brincadeira. Quando um de nós ganhasse na Mega Sena, compraríamos o Plácido de Castro (risos). Isso não aconteceu, mas eu tinha contato com a diretoria e sempre falava disso com eles. Um dia, surgiu o convite de assumir a vice-presidência e representar o clube na capital Rio Branco, onde vivo desde 2009”, relata Rafaela. “Só que depois houve algum problema com o candidato a presidente e me chamaram para tomar posse do cargo. Escolhi minha vice, Jovelina Barros, e assim foi escrito na história”, diz.

Uma mulher na presidência de um clube no Brasil não é novidade. Em 2010, a ex-nadadora brasileira Patrícia Amorim foi eleita para o cargo no Flamengo. Ainda assim, muito mais jovem, Rafaela tem outro tipos de desafios em um pequeno time do interior acriano. “Desde o início da minha gestão declarei que o Plácido de Castro não ia adquirir mais dívidas e estamos conseguindo até o momento. Não houve resistência interna dos diretores. Sou muito respeitada por todos. Ganhei a admiração deles”, relata.

Com sua formação em administração e especialização em finanças, Rafaela trouxe inovações para o pequeno clube. “Algumas coisas estavam erradas, com o meu conhecimento em administração, implantei algumas coisas simples, que não faziam por falta de capricho. A forma de contratação, a forma de organizar a alimentação e alojamento, materiais de treinos e jogo. Creio que melhorei esses itens”, explica.

Uma das maiores conquistas de Rafaela no comando do Plácido foi que a equipe seja local na cidade de 18 mil habitantes pela primeira vez em sua curta história no profissionalismo. O estádio José Ferreira Lima, o Ferreirão, com capacidade para mil espectadores, foi liberado e utilizado no último Campeonato Acriano e Brasileiro da Série D, um fato inédito para um clube do interior do Acre. Normalmente, os jogos eram sediados em Rio Branco, na Arena da Floresta, construído para albergar 20 mil torcedores, maior que o município de Plácido de Castro.

O Ferreirão tem capacidade para 1.000 espectadores. Foto: Reprodução/Plácido de Castro F.C./Facebook.

A medida deu certo. “Com os jogos em casa, tivemos o melhor público do Acriano, perdendo apenas para a final geral do Estadual”, conta Rafaela Escalante. Infelizmente, nos resultados, o Plácido de Castro não conseguiu a classificação para competições nacionais em 2019. Terminou na quarta colocação, atrás do campeão Rio Branco, Galvez e Atlético Acreano. Já na Série D, o elenco ficou na última posição do Grupo A2, com direito à maior goleada sofrida na competição: 8 a 1 diante do Santos, do Amapá.

Ainda assim, a fé segue intacta. Rafaela nos conta a dificuldade de fazer um clube de uma pequena cidade do Brasil crescer: “As empresas do município são pequenas, com 18 mil habitantes, não temos uma grande companhia para patrocinar o clube, mas temos boas ajudas, por pequenas que sejam, são muito importantes”.

O Plácido de Castro é conhecido também como o Tigre da Fronteira. Esse apelido vem pelo fato de a pequena cidade do Acre fazer divisa com a Bolívia. Do outro lado do Rio Abunã está a comunidade Puerto Evo Morales, pertencente ao município de Bella Flor. Diferentemente dos tempos da Revolução Acriana liderada pelo militar que dá nome ao clube, os tempos são de paz com os vizinhos bolivianos.

“Nós temos um diretor que é boliviano, o dentista Dr. Fernando. Também fazemos amistosos com times de lá. Eles gostam muito de futebol e vêm até a cidade para assistir aos jogos do Plácido”, afirma Rafaela. Normalmente, os rivais são clubes do Departamento (equivalente ao Estado no Brasil) de Pando. Além disso, o nome completo da agremiação é Plácido de Castro Futebol Club, sem o “e”, como seria o correto na língua portuguesa. Sobre isso, a presidente afirma não saber se tem relação com o idioma espanhol. “Eu desconheço a origem, foi escrito assim no estatuto, mas não sei se foi de propósito (risos)”, revela.

Rafaela fez com que o Plácido de Castro mandasse as partidas em sua cidade natal. Foto: Reprodução/Facebook/Plácido de Castro.

Agora, é esperar para ver se Plácido de Castro é capaz de mais uma revolução. O objetivo, segundo Rafaela Escalante, é alcançar em alguns anos a Série C do Campeonato Brasileiro. Porém, o líder para seguir este caminho será outro. Em agosto de 2018, a presidente deixou o seu cargo no clube.


 *Publicado originalmente no Gandulla, em setembro de 2018

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Como citar

NúñEZ, Bruno. A Revolução Acriana de Plácido. Ludopédio, São Paulo, v. 127, n. 20, 2020.
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