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Porcomunas: por um Palmeiras mais inclusivo e combativo

Mariana Mandelli 22 de março de 2021

A série “Práticas torcedoras em territórios palmeirenses” é baseada na dissertação de mestrado de Mariana Mandelli, intitulada “Allianz Parque e Rua Palestra Itália: práticas torcedoras em uma arena multiuso” (Antropologia-USP, 2018). A pesquisa de campo foi realizada entre 2015 e 2017 nos arredores do Allianz Parque com o objetivo de investigar os efeitos da modernização do estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras entre a torcida. Confira a série de textos aqui.

Mancha Verde Palmeiras
Foto: Mariana Mandelli

Em tempos de veto à presença de torcidas nos estádios por conta da pandemia que já matou mais de 294 mil brasileiros e brasileiras, impulsionada pela gestão genocida de um país em frangalhos, tem sido perceptível o movimento de coletivos de torcedores que se mobilizam por pautas progressistas e atos de solidariedade. É o caso do Porcomunas, um grupo de palmeirenses de esquerda que une torcedores e torcedoras de diversos posicionamentos dentro desse espectro político, como socialistas, comunistas e anarquistas.

“Não podemos naturalizar 2.286 mortes em apenas um dia! Exigimos auxílio-emergencial e vacina para todos! E que o genocida Jair Bolsonaro seja responsabilizado pelas mortes e pela crise! Com ele, o pior dia é sempre o próximo”, diz um dos textos postados pelo coletivo em março, mês em que o Brasil bateu recorde atrás de recorde no número de óbitos diários por Covid-19.

Fundado em julho de 2014, em meio a um ano difícil para os palmeirenses[1], o grupo tem uma coordenação horizontal de oito pessoas no dia a dia. “O Porcomunas é um coletivo que une a paixão pelo Palmeiras e a chama revolucionária. É um espaço para discussões e pela luta em prol de uma sociedade mais justa, em defesa do trabalhador, e por um futebol acessível a todos e todas”, disse Pedro[2], um dos membros do coletivo em entrevista concedida a mim.

Hoje, o coletivo conta com cerca de 3 mil seguidores e simpatizantes que acompanham suas ações. “Mantemos contato com todos os grupos progressistas do clube, do Brasil e até do mundo”, citou Pedro, lembrando a existência de coletividades como Palestra Sinistro, Palmeiras Antifascista e Porco Íris, alguns dos agrupamentos políticos que dividem algumas lutas com o Porcomunas.

Porcomunas
Foto: Reprodução Redes Sociais

Com um ideal centrado nas ideias comunistas, é comum, portanto, o Porcomunas se manifestar virtual e presencialmente sobre temas de interesse dos trabalhadores, como greves de servidores, cerceamentos de direitos e atos contra o atual governo, como ocorreu nos protestos das torcidas antifascistas[3] em junho de 2020, movimentação que virou notícia na imprensa tradicional por reunir palmeirenses e corintianos na Avenida Paulista, em São Paulo.

O grupo se organiza também para realizar intervenções urbanas, como a fixação de lambes e faixas com os dizeres “Ditadura Nunca Mais” na Passarela da Arrancada Heroica 1942, na região do clube social do Palmeiras e do Allianz Parque[4]. A ação foi motivada pela exaltação de torturadores da Ditadura Militar como heróis nacionais por autoridades públicas bolsonaristas, algo que se tornou comum nos últimos anos no Brasil – e que explica muito do que vivemos hoje em meio a uma crise sanitária, econômica, educacional e moral. As mesmas bandeiras também foram levadas à porta do antigo Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) de São Paulo, o maior símbolo de tortura, violência e estrangulamento de direitos humanos do período militar brasileiro.

Porcomunas
Foto: Reprodução Redes Sociais
Porcomunas
Foto: Reprodução Redes Sociais

Nas mídias sociais, além da divulgação e registro das ações, é possível encontrar conteúdos sobre figuras importantes do pensamento de esquerda e atores relevantes em revoluções ideológicas desse tipo mundo afora. Também são publicadas informações sobre projetos de lei de interesse público, efemérides políticas e campanhas de assistência social, como é o caso da produção e distribuição de marmitas solidárias, financiadas pelo Porcomunas por meio da venda de rifas.

Porcomunas
Foto: Reprodução Redes Sociais

O Porcomunas também é bastante crítico em relação à atual gestão do Palmeiras e a consequente relação da instituição com a patrocinadora Crefisa. “Nós nos preocupamos com o abuso do poder econômico que a Leila [Pereira] está fazendo”, explica Pedro. O grupo cobra transparência sobre os processos e transações do clube.

Os integrantes também são enfáticos no combate a uma tendência que vem ganhando força recentemente entre coletivos e torcedores rivais: a de classificarem a torcida palmeirense como um grupo homogêneo, imputando a ela o rótulo de direitista e fascista. Para o Porcomunas, tal associação rasa e revisionista é fruto de uma leitura equivocada e clubista sobre a origem imigrante do Palmeiras.

“Todos os clubes têm uma maioria de dirigentes conservadores e de direita. Essa pecha contra o Palmeiras é em razão da fundação italiana. Mas o clube foi fundado por imigrantes e não investidores italianos. Essa questão nós temos resolvido mostrando a verdadeira história, as perseguições, o jogo contra o Corinthians para arrecadar fundos para os movimentos operários, etc”, diz ele, citando a Arrancada Heroica e o chamado Jogo Vermelho, partida organizada por Palmeiras e Corinthians em 1945 para arrecadar fundos para o Partido Comunista Brasileiro[5].

Na percepção de Pedro, o Palmeiras tem se posicionado mais em pautas, causas sociais e temas relativos aos diretos humanos, especialmente em seus canais de comunicação. Segundo o torcedor, esse movimento tem a ver com a intervenção do Porcomunas e dos outros coletivos nas instâncias institucionais do clube. “Combatemos essa elitização que descarta os torcedores com menos recursos e, nesse processo, enfrentamos preconceitos e racismos que discriminam palmeirenses”, ressalta.

 

Notas

[1] Em 2014, o Palmeiras ficou em 16º lugar no Campeonato Brasileiro, com apenas 40 pontos.

[2] O nome do meu interlocutor foi trocado com a finalidade de proteger a sua identidade.

[3] Ver em Democracia e antifascismo: quem são os torcedores que realizaram protestos pelo Brasil no domingo. GE, 2 de junho de 2020. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[4] Diversos logradouros dessa região fazem referência ao Palmeiras. Explorei isso na minha dissertação de mestrado, mostrando como isso ajuda a configurar um território palmeirense na zona oeste paulistana.

[5] Tal história é detalhada no livro Palmeiras x Corinthians 1945: o Jogo Vermelho, de Aldo Rebelo.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Mariana Mandelli

Doutoranda em Antropologia Social na USP, com mestrado na mesma área e instituição, com pesquisa que investigou o processo de "arenização" do Allianz Parque. É graduada em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e em Ciências Sociais pela USP.

Como citar

MANDELLI, Mariana. Porcomunas: por um Palmeiras mais inclusivo e combativo. Ludopédio, São Paulo, v. 141, n. 44, 2021.
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