5 toques para conhecer a obra de Gilmar Mascarenhas
Nesta edição especial da coluna, apresentamos cinco indicações para se conhecer mais sobre a obra de Gilmar Mascarenhas. A data da publicação foi especialmente escolhida. Hoje, não fosse sua partida prematura, Gilmar completaria 60 anos. Nascido em 20 de junho de 1962, apenas três dias após o bicampeonato da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira, ele teve seu nome escolhido em homenagem ao goleiro titular daquela conquista. Começava-se, assim, uma relação com o futebol que se estenderia por toda sua carreira como geógrafo, professor e pesquisador.
Gilmar Mascarenhas era professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e membro do quadro permanente do Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO-UERJ). Foi líder e mentor do Grupo de Pesquisa Megaeventos Esportivos e Cidades. Era pesquisador do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN-IPPUR-UFRJ) e membro da rede Núcleo de Estudos em Espaço e Representações (NEER).
Gilmar desenvolveu pesquisas que envolveram território, cidade, cultura, cotidiano e políticas urbanas, inserindo neste campo de reflexões os esportes. Publicou cinco livros e dezenas de artigos em diversos países, com destaque para Entradas e Bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol, indicado para a Feira de Frankfurt, 2014.
No Ludopédio, Gilmar fez várias contribuições. Destaca-se a entrevista que ele concedeu aos editores do portal em 2013 e a coluna Futebol e Cidade, publicada entre 2017 e 2019.
Para a indicação de obras de nosso homenageado, foi escalada uma seleção de pesquisadore(a)s que se relacionaram com Gilmar Mascarenhas em diferentes momentos de sua trajetória. Assim, contamos com as contribuições de Victor Andrade de Melo, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuando nos programas de Pós-Graduação em História Comparada/Instituto de História e de Pós-Graduação em Educação; Arlei Damo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), com atuação no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social; Fernando da Costa Ferreira, professor de Geografia do ensino básico, técnico e tecnológico (EBTT) do Instituto Benjamin Constant; Leda Costa, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCOM-UERJ); e Sérgio Giglio, professor no curso de graduação e pós-graduação em Educação Física da Universidade Estadual de Campinas e editor do Ludopédio. Vamos às dicas de obras de Gilmar Mascarenhas feitas pelo(a)s convidado(a)s:
1º toque: Construindo a Cidade Moderna: A introdução dos Esportes na Vida Urbana do Rio de Janeiro, 1999
Dica de Victor Andrade de Melo
O artigo, publicado no número 33 da revista Estudos Históricos, nos permite perceber os movimentos do jovem pesquisador Gilmar em seus anos iniciais de reflexão sobre o esporte, o que de maneira alguma torna a contribuição menos importante. Muito pelo contrário, ali já se vislumbra algumas marcas do seu olhar original que, no meu modo de entender, no tocante a essa abordagem adotada, teria como auge sua tese de doutorado, na medida em que, a posteriori, o investigador desviaria seu olhar para outros temas (como o turismo) e se dedicaria profundamente a novas causas (falo aqui da sua importante produção e militância no que tange aos impactos dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro). No artigo de 1999, gostaria de destacar uma contribuição central que marcou toda trajetória de Gilmar: operar e chamar a atenção para a importância da utilização das ferramentas da Geografia para o estudo do esporte e do lazer na sua inextricável relação com a cidade. Mais ainda, deve-se ressaltar seu uso da Geografia Histórica, promovendo um diálogo disciplinar que era verdadeiramente de vanguarda àquele momento. Uma informação pessoal, de quem teve o prazer de desfrutar da amizade de Gilmar. Pouco antes do acidente trágico que o levou de nós, ele andava planejando retomar essa linha de investigação, também me estimulando a fazer o mesmo, sabedor de meus interesses pelas cidades. Em sua banca de titular da UERJ, da qual tive a honra de participar, mais uma vez ele lembrou nosso velho desejo de escrever um livro juntos. Não deu tempo. A violência das cidades contra o qual sempre lutou acabou impedindo mais esse entre tantos sonhos daqueles que admiravam sua obra e trajetória.
2º toque: O futebol da canela preta: o negro e a modernidade em Porto Alegre, 1999
Dica de Arlei Damo
O artigo foi publicado na revista Anos 90 à época em que Gilmar realizava pesquisa para a tese de doutoramento, A bola nas redes e o enredo do lugar, defendida em 2001. A Liga Riograndense de Futebol, pejorativamente apelidada de Liga da Canela Preta, não estava no roteiro da tese, e por isso foi publicada como uma “descoberta” avulsa, conquanto o enquadramento teórico esteja alinhado à tese. Como o próprio Gilmar destaca no texto, a Liga da Canela Preta – a designação foi adotada pela bibliografia de forma afirmativa – era a prova da existência de múltiplas experiências de modernidade vividas através do futebol, neste caso, por parte de um segmento subalternizado, quase apartado da cidade de Porto Alegre, marcada pela forte presença de imigrantes europeus aportados a partir da segunda metade do século XIX. O texto de Gilmar contribuiu, sobremaneira, para resgatar uma parte importante da história do futebol e da modernidade que por pouco não se perdeu, dada a escassez de registros, como provam trabalhos a posteriori, entre os quais Liga da Canela Preta – a história do negro no futebol, de José Antônio dos Santos.
3º toque: O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades, 2011
Dica de Fernando da Costa Ferreira
Organizado em conjunto com os arquitetos Fernanda Sánchez e Glauco Bienenstein, e escrito com a colaboração de uma equipe multidisciplinar, o livro estabelece uma crítica à adoção de um modelo neoliberal de desenvolvimento urbano, ancorado na combinação de dois fatores: a organização de megaeventos esportivos internacionais de grande visibilidade e projeção midiática, que reforçariam a imagem das cidades-sede como espaços modernos e conectados, capazes de atrair investimentos privados em meio a um cenário global altamente competitivo; e o emprego do modelo de planejamento e gestão das cidades por meio de projetos estratégicos. Tais intervenções, financiadas, majoritariamente com recursos públicos, em vez de atender à cidade como um todo e a seus habitantes, privilegiam determinadas porções do espaço urbano, com grande potencial para a reprodução do capital privado, em detrimento das reais necessidades da parcela mais pobre da população, ampliando as desigualdades socioeconômica e socioespacial.
4º toque: Entradas e Bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol, 2014
Dica de Leda Costa
Este é um livro que possui uma escrita generosa, teoricamente refinada, que nos conta um pouco da história de um país que fez do futebol uma de suas mais importantes linguagens. Dos campinhos de terra aos estádios, a linguagem do futebol se inscreve nas cidades, sendo parte de sua paisagem e de seus significados. A obra de Gilmar Mascarenhas atenta para a importância da relação entre futebol e o processo de integração do território nacional, marcado por profundas desigualdades regionais. Entradas e Bandeiras percorre a trajetória de um esporte que comporta os embates sociais e culturais entre o local e o global, de um esporte que movimenta interesses políticos e financeiros variados. O futebol, na obra de Gilmar Mascarenhas, é um esporte cuja força de resistência se manifesta, sobretudo, na festa popular promovida pela paixão clubística. Festa que pode ser ouvida pela cidade, toda vez que soltamos um grito de gol.
5º toque: Futebol e Cidade, coluna do Ludopédio, 2017 a 2019
Dica de Sérgio Giglio
Futebol e cidade é o nome da coluna que o professor Gilmar Mascarenhas escreveu para o Ludopédio. Ao todo foram escritos 22 textos para a coluna. O primeiro foi ao ar em setembro de 2017 e o último texto foi publicado em julho de 2019. Todo mês, ao longo destes dois anos, Gilmar ficava feliz tanto no processo de produção do texto quanto de sua publicação. Em sua coluna abordou vários estádios do mundo, passou pelos estádios construídos para a Copa do Mundo de 2014 e sua série final falou do futebol no México, Bolívia e Estados Unidos. O último texto publicado não foi de fato o último escrito. O último texto escrito pelo botafoguense Gilmar foi sobre o urubu como símbolo do rival Flamengo. Dias antes do acidente que sofreu, Gilmar pediu para alterarmos a ordem de publicação (colocando no ar este texto sobre o urubu) e adiar a publicação do texto sobre a Euro de 2016 para o mês de julho. Portanto, para quem se interessa pelo tema do Futebol e Geografia, a coluna do Gilmar no Ludopédio é imperdível!