94.4

A Chape e a grandeza de nossa pequenez diária

Leandro Marçal 4 de abril de 2017

Pouco depois das 19h15, já que a pontualidade em competições sul-americanas é tão rara quanto o bom senso, a bola vai rolar na cidade de Chapecó para um dos confrontos mais emblemáticos nos últimos tempos.

E se tudo já foi e será sempre falado por meio de lágrimas e homenagens desde o fatídico e eternizado 29 de novembro de 2016, o que entra em jogo na noite de hoje em Santa Catarina é aquele sentimento de identificação de nós, os pequenos lutadores desse Brasil cruel, com uma equipe que hoje ocupa com mais plenitude o lugar outrora destinado ao São Caetano ou Paysandu.

Porque se os grandes clubes, mais estruturados e com aquela cobrança todos os anos por mais títulos e contratações de peso, além das cotas de televisão pornográficas se pensarmos num sonho utópico de mais equilíbrio para nossos campeonatos, a Chape nos comove porque ela é aquele trabalhador braçal que se levanta às 5h30 da manhã em busca do necessário para a sobrevivência sem luxos Brasil adentro.

Como o futebol é o retrato da vida com suas idiossincrasias e injustiças cotidianas, a Chapecoense é a representação do gigantismo que permeia nossa pequenez como os mais pobres na luta diária para conseguir migalhas de pão a cada dia. Num país que se derrete e se cercam cada vez mais os direitos do povo, cada vitória tem um sabor mais adocicado frente ao gosto amargo do capitalismo patrimonialista que privilegia os mesmos de sempre. Isso tanto no esporte mais popular do mundo com aqueles times grandes que torcemos quanto fora dos campos, quando são os mesmos a usurpar do poder e do suor sangrento das massas.

19/03/2017- Chapecó- SC, Brasil-  Campeonato Catarinense, Chapecoense 7 x 0 Atlético Tubarão na Arena Condá Foto: Sirli Freitas / Chapecoense
Pra sempre Chape. Foto: Sirli Freitas/Chapecoense.

São as vitórias de uma Chapecoense que nos mostram que é possível ser e chegar mais longe do que o curto e limitado caminho traçado por um sistema destinado a sugar o máximo de nossas almas com poucos e mirrados ganhos em troca. Isso nos engrandece como torcedores e nos dá força para lutar mais como cidadãos.

No dia a dia, a estratosférica maioria de nós não é Flamengo, Corinthians, São Paulo ou quaisquer desses outros gigantescos clubes repletos de histórias, estádios lotados, benefícios de arbitragens que sempre pendem para os grandes e mais dinheiro do que os coirmãos.

Quando lutamos por mais direito à saúde ou educação, passamos o dia inteiro longe do lar estudando e trabalhando, nos vemos em meio à banalidade do absurdo em hospitais precários ou escolas sem estrutura, não somos “meu Barça/Real/PSG/City” feito novos ricos queimando dinheiro ou como os mesmos oligarcas de sempre fazendo o possível para manter as coisas como estão, acima dos demais.

Somos a Chapecoense com uma pequenez que nos faz gigantes, nos faz mais povo, mais humanos, sofridos, batalhadores de uma guerra sem fim contra tantos monstros invisíveis, dominantes, massacrantes e perversos. Ela, sim, nos representa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. A Chape e a grandeza de nossa pequenez diária. Ludopédio, São Paulo, v. 94, n. 4, 2017.
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