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A CONMEBOL tentou imitar os europeus e falhou miseravelmente

Diego Martins 30 de junho de 2024

O futebol sul-americano é único. É uma maneira que só nós temos de praticar, de enxergar e de sentir o jogo. Aqui o Futebol envolve paixão, sentimento e valores, tudo isso entra em campo. Temos que enfrentar as distâncias, a altitude, o deserto, a catimba, os ambientes hostis dos estádios dentro dos bairros. Tudo isso faz parte da nossa essência.

Estamos presenciando duas competições continentais em 2024: a Euro e a Copa América, distintas em vários aspectos. A Euro está sendo disputada na Alemanha, país tradicional no futebol, quatro vezes campeã do mundo em estádios históricos como o Olímpico de Berlim e o Signal Iduna Park em Dortmund. Já a Copa América ocorre nos Estados Unidos, 11º no ranking da FIFA com tradição somente no futebol feminino e disputado em estádios da NFL com campos de dimensões reduzidas. Nas transmissões da Euro vemos as torcidas eufóricas e cantando o jogo todo com os Ultras ditando o ritmo com seus instrumentos. Na Copa América temos um público frio, que não canta nem vibra, tendo uma experiência adaptada por estadunidenses que assistem jogos para se entreter e se empanturrarem de cachorro quente.

State Farm Stadium
State Farm Stadium, da NFL e sede da Copa América. Foto: C5Media/Depositphoto.

Já quero esclarecer aqui que não sou nenhum puxa saco de europeu. Não estou fazendo um comparativo de quem torce mais. Essa derrocada do nosso futebol começou há praticamente uma década, no qual darei mais detalhes. Alejandro Dominguez é um paraguaio metido a estadunidense e preside a Confederação Sul-Americana de Futebol desde 2016. Como todo cartola raiz, Alejandro também esteve envolvido em esquemas de corrupção. Foi o grande responsável pela transformação das competições da CONMEBOL. A primeira delas foi a realização da edição centenária da Copa América nos EUA. A mais antiga competição de seleções aconteceu longe do povo sul-americano. As edições seguintes também foram criticadas, a de 2019 com convidados intrusos e 2021, num momento de pandemia. O alto valor dos ingressos e a baixa procura contribuíram para o fiasco.

alejandro dominguez conmebol
Alejandro Dominguez, presidente da CONMEBOL (segundo da esquerda para a direita) posa ao lado de Fernando Sarney, presidente do Conselho do Comitê Organizador da Copa América 2019, o então presidente Jair Bolsonaro e Rogério Caboclo, que era o presidente da CBF. Foto: Marcos Corrêa/PR.

A Copa Libertadores também foi alvo de mudanças. A CONMEBOL aumentou a duração e o número de participantes. Os clubes brasileiros precisam ser organizar logo no início da temporada devido ao calendário cheio. O planejamento e a forma como a entidade lida com as adversidades é outro ponto negativo. Na final em 2018 o ônibus do Boca foi atacado por torcedores do River. Apesar do claro desleixo das autoridades, isentadas em qualquer caso semelhante, a punição caiu sobre o River que teve a partida tirada da sua casa.

A Copa Libertadores carrega esse nome em homenagem aos principais líderes da indpendência de cada país colonizado pelos espanhóis e portugueses. Mesmo com outras opções, Alejandro e sua cúpula tiveram a brilhante ideia de mandar a segunda partida para a Espanha, país que colonizou metade do continente, sendo realizado na casa do Real Madrid, clube mais beneficiado na era da ditarura Franquista. A Copa que é um símbolo de orgulho sul-americano foi erguida em solo responsável por escravizar e matar nosso povo e saquear nossas riquezas.

A partir de 2019 as finais foram em jogo único. A decisão da CONMEBOL por esse modelo foi unicamente para copiar a UEFA Champions League. Além de diminuir as chances de ver o time ser campeão em seu estádio, o deslocamento e as despesas são maiores, bem diferente da Europa que há um sistema de transporte bem estruturado. Os tradicionais recebimentos com foguetórios, chuvas de papel picado, bandeirões e o clima hostil para o adversário foram substituidos pelo espetáculo midiático nos moldes do Super Bowl com shows forçados para entreter o público – com excessão da grandiosa apresentação do Los Palmeras – em nome de uma experiência que não traduz em nada a verdadeira essência das nossas competições.

Estádio Centenário vazio para a final da Sul-Americana em 2019 entre Athletico-PR x RB Bragantino | Reprodução/ESPN

 

Outro ponto de questionamento é a proibição da festa nas arquibancadas brasileiras e liberada nos estádios dos países vizinhos. Entretanto, em competições de clubes da UEFA é cada vez mais comum a festa nas arquibancadas, pois dezenas de sinalizadores acesos pela torcida do Borussia Dortmund na final da Champions. Também está acontecendo em jogos dessa Euro. Aqui paralisam a partida imediatamente. As entidades organizadoras do futebol em alguns países europeus estão revendo algumas questões sobre a arquibanada, como a retirada de cadeiras em setores mais baratos.

Conclusão

O povo sul-americano tem orgulho de sua terra. Somos apaixonados por nossas raízes e nossas culturas. Além disso, temos o talento, o toque de bola diferenciado que o outro lado do continente nunca terá, pois já nascemos jogando futebol. Infelizmente falta esse orgulho da parte de Alejandro e sua cúpula na CONMEBOL, de entender que nosso jogo não está à venda, que nossa maneira de torcer é autêntica e nossa paixão pelo esporte é algo que vai além das 4 linhas. Os europeus se organizam e se fortalecem. É impensável a UEFA mandar uma final de Champions League ou uma Euro para outro continente, ou convidar clubes de continentes vizinhos para sua disputa.

A tentativa desesperada de criar uma experiência mascarada, modernizar competições, copiar moldes e protocolos, com o único objetivo de ganhar dinheiro, a CONMEBOL exterminou boa parte da essência sul-americana e vendeu nosso futebol para quem nunca mereceu e valorizou.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Diego Felizardo Martins

Atleticano, fotógrafo e pesquisador de história. Graduado em Design Gráfico no UniBH. Frequentador assíduo da arquibancada que já viveu ela de várias formas. Amante de buteco como todo belo-horizontino. Administrador do projeto Galo Memória e BH no Tempo.

Como citar

MARTINS, Diego. A CONMEBOL tentou imitar os europeus e falhou miseravelmente. Ludopédio, São Paulo, v. 181, n. 30, 2024.
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