Faltando poucos dias para a Copa do Mundo, é possível notar que o evento é assunto da maior parte das rodas de conversas em mesas de bares, nas bancas de jornal, em aplicativos de bate-papo e nas redes sociais. A Copa do Mundo também é tema de aniversários, de álbuns de figurinhas e contagia as crianças pelo país a fora. Muitos levantam a bandeira contra a realização do evento no Brasil, e ainda assim, a Copa persiste como foco dos debates.

É claro que nas escolas e nas universidades o tema também é muito abordado. E dentro da sala de aula, a Copa do Mundo no Brasil pode ser explorada das mais variadas formas, provocando o debate e novas experiências aos alunos. A proximidade do evento e do tema, desperta análises críticas, apaixonadas e até o sentimento de que #nãovaitercopa, enriquecendo a prática do aprendizado.

Torcedores seguram a bandeira do Brasil. Foto: Tânia Rêgo – Agência Brasil.

Dessa forma, apresento a experiência em sala de aula com alunos do curso de Marketing Esportivo da Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O assunto abordado na discussão de fim de curso foi o Código de Conduta do Torcedor, exemplificando como deve ser o comportamento do torcedor padrão FIFA durante os jogos da Copa do Mundo no Brasil. Este manual veio acompanhado do Guia de Ingresso para as partidas de futebol (e também está disponível no site do órgão) e tem sido tema de matérias na mídia. (Folha de S. Paulo – 04/06/2014).

A análise desses estudantes, entre 19 e 23 anos, acostumados a frequentar estádios de futebol, a maioria torcedores apaixonados pelo esporte e com um olhar crítico sobre o evento, nos permite entender como os jovens, ou ao menos uma parcela deles, enxergam a mobilização no país por conta da Copa do Mundo. E os questionamentos sobre um padrão FIFA de comportamento do torcedor no estádio demonstraram aquilo que para eles seria uma forma da entidade impor uma ordem padrão que descaracteriza o torcedor brasileiro e seu modo peculiar de expressar a paixão pelo futebol.

O Código de Conduta inicialmente descreve medidas e políticas de segurança aplicáveis para a conduta das pessoas que estarão nos estádios durante os jogos, como espectador ou a trabalho, e informa ainda que o código poderá sofrer alterações. Esclarece que a partir do momento em que o torcedor adquire ingresso para determinada partida, está de acordo com as regras ali descritas. E também lembra que “outras instruções obrigatórias podem ser dadas pelas Autoridades da Copa do Mundo da FIFA para assegurar a segurança no Estádio, visando prevenir ou eliminar qualquer risco à vida, saúde ou bens pessoais”.

O ponto do código mais questionado pelos alunos refere-se aos itens proibidos dentro dos estádios, sendo que alguns deles também estão proibidos nos campeonatos realizados no Brasil. O padrão FIFA conta ainda com algumas exigências estruturais como as cadeiras numeras com um espaço mínimo entre elas, o que reduz a capacidade dos estádios e eliminação dos setores populares; e ainda algumas exigências comportamentais como não ficar de pé durante os jogos, não levar instrumentos nem cartazes, não filmar os jogos, não ficar sem camisa, não xingar e não portar bandeiras maiores que a medida estabelecida pela instituição.

Esse comportamento padrão imposto vai contra as estratégias do marketing esportivo quando se refere ao torcedor enquanto consumidor esportivo da experiência de participar de um megaevento como a Copa do Mundo. E vai além quando essa imposição pode descaracterizar a forma de torcer no Brasil.

Protestos contra a Copa. Foto: Fernando Frazão – Agência Brasil.

O torcedor hoje é mais crítico e analista, está propenso à interatividade, deseja a satisfação instantânea, exige mais dedicação e desempenho dos atletas e “é inteligente, ativo, participante, crítico, analítico com elevado poder de compra, de conexão e de interatividade, bastante exigente em termos de conteúdo e desempenho esportivo e que busca no esporte e através do esporte satisfação instantânea” (Kotler, 2000).

Ao pensarmos sobre as estratégias do marketing esportivo lembramos que o comportamento do consumidor é influenciado por quatro fatores: culturais (cultura, classe social), sociais (família, amigos), pessoais (idade, personalidade, estilo de vida) e psicológicos (motivação, percepção, atitude). Esses fatores influenciam o grau de envolvimento, satisfação e comprometimento do público com o esporte.

Para os alunos, o valor do ingresso para cada jogo da Copa do Mundo no Brasil deve ser recompensado pela satisfação da experiência do entretenimento e de ver um bom jogo em campo, deixando de lado a preocupação em respeitar os itens do Código de Conduta.

Para Lucas, “o código FIFA transforma os torcedores em espectadores, indo na contramão da tentativa dos clubes de transformar torcedores superfiais em ‘deep fans’. O padrão de comportamento imposto pela FIFA visa apenas elevar o padrão econômico dos espectadores, buscando somente atender seus próprios interesses comerciais”.

Outro ponto bastante questionado pelos alunos e que provoca grande debate é a permissão do consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios, o que é proibido no Brasil desde 2010, com a Lei Federal 10.671 ( Estatuto do Torcedor ).

Como afirma Gabriel, “Apesar de não ser permitido o uso de bebidas alcoólicas em estádios de futebol com a finalidade de diminuir os casos de violência, a FIFA impôs sua vontade e fez com que as regulamentações da cartilha das ‘Arenas Padrão FIFA’ supere as leis nacionais”.

Também a reflexão do aluno europeu, vivenciando o debate em sala de aula no Brasil através do intercâmbio entre universidades, apresenta a visão do estrangeiro sobre o brasileiro enquanto torcedor de futebol e enriquece o debate ao afirmar que “o guia abrange todos os torcedores de todos os países e não só brasileiros”. Mas para Alex, “é óbvio que o guia foi elaborado com o propósito de anular a paixão nos estádios durante a Copa do Mundo ao influenciar o comportamento dos torcedores”.

Ingresso para partida da Copa do Mundo de 2010. Foto: Tânia Rêgo – Agência Brasil.

Outros pontos do Código de Conduta no estádio foram questionados pelos alunos, assim como são questionados pelos torcedores que conseguiram comprar os ingressos. Entre os pontos, destacam-se os altos valores das entradas e a segmentação do público que poderá ir aos estádios, os xingamentos aos juízes, as obras das arenas.

Mas nenhum desses itens parece ser problema para esses jovens torcedores, e sim o que foi investido no evento. Todos olham de forma crítica para a realização da Copa do Mundo no Brasil, mas conseguem também reconhecer a importância do evento para movimentar a economia do país. A reflexão desses jovens é um aprendizado também para a professora aqui.

E é por experiências em sala de aula como essas é que afirmo que a Copa do Mundo já rende bons resultados, principalmente na formação de jovens e crianças. Como nós, eles estão vivendo o evento, refletindo e questionando a Copa do Mundo, e nada disso me surpreende. E também é por isso que afirmo: Vai ter Copa!

 

Referências:

KOTLER, P. Marketing Esportivo. 2000.

MELO NETO, F.P. Marketing Esportivo: O esporte como ferramenta de marketing moderno. 2013.

Site Oficial da FIFA: http://pt.fifa.com/worldcup/index.html

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Camila Augusta Alves Pereira

Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com bolsa da Capes, na linha de pesquisa Cultura de Massa, Cidade e Representação Social (2018). Mestre pela mesma instituição (2012). Possui experiência em pesquisa sobre marketing, idolatria, representação, identidade, publicidade, jornalismo, jovem, consumo, rádio e recepção em Copas do Mundo de Futebol. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá (2005), com habilitação em Publicidade e Propaganda. É professora na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e nas Faculdades Integradas Hélio Alonso - FACHA. Possui experiência de docência em universidades públicas e privadas nos cursos de Comunicação Social e Gestão Desportiva, em disciplinas teóricas e práticas como Criação em Mídia Contemporânea, Produção para Internet, Comunicação e Cultura, Comunicação e Imagem, Teoria de Publicidade e Propaganda, Marketing Digital, Agência Digital, Direção de Arte, Metodologia de Pesquisa ? Trabalho de Conclusão de Curso, Pesquisa de Opinião e Mercado, Marketing Esportivo, Comunicação Aplicada ao Esporte, Teoria e Fundamentos do Jornalismo, entre outras. Bolsista Qualitec do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura (FCS/UERJ), cadastrado no CNPQ, e do Laboratório de Esporte e Mídia da UERJ. Membro do Grupo de Pesquisa ReC - Retóricas do Consumo (UFF), cadastrado no CNPQ.

Como citar

PEREIRA, Camila Augusta Alves. A Copa na sala de aula. Ludopédio, São Paulo, v. 60, n. 3, 2014.
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