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A freguesia do Grêmio diante do Flamengo e a confusão que se faz com o que é belo e moderno

Victor Eduardo Rodrigues Santos 19 de novembro de 2019

A discussão sobre o que é belo e atual não é algo novo na sociedade. Na arte, ela se fez mais presente do que em qualquer outra vertente, já que muitas das primeiras expressões artísticas se comprometiam apenas com o belo, mesmo que ele tivesse pouco a ver com a realidade. No futebol, tal discussão também pode estar presente, e ela ajuda a explicar um pouco sobre o ponto em que este texto quer chegar.

Em 2014, depois da histórica goleada alemã sobre a seleção canarinho, em pleno Mineirão, a discussão sobre o nível do futebol jogado por aqui tomou conta das mesas redondas esportivas. Falávamos da qualidade dos nossos jogadores, suas mentalidades, mas, principalmente, sobre o quão atrasada estava nossa maneira de ver o jogo.

Desde então, conseguimos uma pequena evolução, mas alguns fatos pontuais elucidam como nossas ideias ainda estão distantes do que é feito no principal centro futebolístico do planeta: a Europa. As chegadas de Sampaoli e, posteriormente, Jorge Jesus no país são alguns destes fatos, já que estes treinadores nos proporcionaram ter contato com métodos de trabalho bem diferentes daqueles que imperam em terra brasilis.

Jorge Jesus orienta jogadores na vitória do Flamengo sobre o Grêmio por 1 a 0, na Arena, em partida válida pelo Brasileirão 2019. Foto: Fotos Públicas/Alexandre Vidal/Flamengo.

O português, principalmente, levantou o sarrafo e fez jogadores, dirigentes, jornalistas e torcedores terem outra visão sobre o futebol nacional. E sobrou até para um dos mais conceituados dentro da classe: Renato Gaúcho. Treinando uma equipe de futebol bonito e envolvente, Renato foi campeão da Copa do Brasil em 2016 e da Libertadores em 2017, mas tomou um vareio do Flamengo em 2019, com direito a quatro jogos disputados e apenas um empate, que se somou a outras três derrotas.

A superioridade foi tamanha que o Grêmio, em todos estes confrontos, esteve longe de impor o estilo de jogo que o caracteriza desde 2015. No primeiro jogo das semifinais do principal torneio continental o Flamengo dominou totalmente a partida no primeiro tempo, com um equilíbrio maior entre os times na etapa final. Na volta, um sonoro 5 a 0. E Renato Gaúcho, de um dos principais treinadores brasileiros e possível substituto de Tite na seleção brasileira, passou a entrar no rol dos contestados.

Reação de Renato Gaúcho diante da goleada do Flamengo sobre o Grêmio por 5 a 0 na semifinal da Copa Libertadores da América. Foto: Reprodução.

Isso porque seu time, apesar de jogar um futebol, inegavelmente, elegante, demonstrou utilizar métodos tão antiquados quanto a maioria dos outros clubes brasileiros. É fato que o Grêmio ainda mantém (ou tenta) seu DNA de toque de bola, mas toda vez que o Flamengo, dentro desses quatro confrontos, adiantava a marcação, os comandados de Renato Gaúcho se viam obrigados a apelar para a ligação direta, algo inimaginável dentro do conceito de jogo gremista.

A distância entre os setores e o estilo de marcação também ajudam a exemplificar como até Renato Portaluppi se apoia em ideias ultrapassadas. Enquanto o Flamengo joga em, no máximo, 30 metros, algo comum no futebol europeu e que permite uma melhor circulação da bola e o oferecimento de poucos espaços ao adversário, o Grêmio apresenta uma grande lacuna entre sua defesa e o meio campo, algo que ajuda a explicar a dificuldade na saída de bola quando o Flamengo avançava suas linhas.

Já a marcação era feita de maneira individual, com cada jogador sendo responsável por perseguir um atleta adversário em todas as partes do campo! Atualmente, as grandes equipes guiam sua marcação através da ocupação dos espaços, o que desgasta muito menos os jogadores e mantém a estrutura da equipe bastante sólida. Marcar individualmente um time como o Flamengo, que conta com jogadores rápidos e de fácil e intensa movimentação, é praticamente um suicídio!

Jogadores comemoram gol que deu vitória ao Flamengo sobre o Grêmio, na Arena, pelo Brasileirão 2019. Gabigol ainda provoca com menção à goleada de 5 a 0 no Maracanã. Foto: Fotos Públicas/Alexandre Vidal/Flamengo.

Porém, por incrível que pareça, a superioridade do técnico português sobre o brasileiro ficou ainda mais evidente no confronto da 33ª rodada do Campeonato Brasileiro, apesar de a vitória ter sido pelo placar mínimo. Com uma escalação praticamente reserva, o Flamengo foi novamente dominante e ganhou o jogo sem ver seu goleiro trabalhar tanto. Nem a infantil expulsão de Gabigol foi capaz de atrapalhar o triunfo rubro-negro.

Não pretendo, por meio desse texto, impor uma maneira única de se jogar futebol. Um dos motivos que fazem deste esporte o mais apaixonante do planeta é a diversidade com que podemos praticá-lo. Mas para aqueles que se dispõem a serem competitivos e atuarem em alto nível, alguns conceitos são quase universais.

Jorge Jesus e Sampaoli vieram para nos mostrar isso. A aula está aí, ocorrendo de semana em semana, jogo após jogo, e o desafio é engolir o orgulho e admitir que talvez seja hora de virar um aluno, mesmo que até pouco tempo atrás fosse você quem lecionasse.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Victor Eduardo Rodrigues Santos

Formado em jornalismo pelo Unileste, Coronel Fabriciano, sou um apaixonado por futebol que ama explorar todas as vertentes deste esporte maravilhoso.

Como citar

SANTOS, Victor Eduardo Rodrigues. A freguesia do Grêmio diante do Flamengo e a confusão que se faz com o que é belo e moderno. Ludopédio, São Paulo, v. 125, n. 25, 2019.
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