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A importância da História Regional para os estudos sobre esportes no Brasil

Glauco José Costa Souza 19 de dezembro de 2023

A História Regional é um instrumento importante para conectar realidades locais ao âmbito nacional. As realidades díspares existentes ao longo do território brasileiro não nos permitem afirmar que vivenciamos ao longo dos anos um processo histórico monolítico, tão pouco há unanimidade nas interpretações do mesmo. Assim, é preciso encontrar maneiras de superar os desafios que segregam experiências regionais e, muitas vezes, as distanciam do que chamamos de nacional.

O processo de desenvolvimento historiográfico no Brasil formulou perspectivas tradicionais que vêm sendo desconstruídas nas últimas décadas e um dos pilares para isso é o maior desenvolvimento da História Regional. Ela pode permitir conexões entre realidades locais e nacionais, possibilitando o surgimento de novas vozes, identidades e culturas.

Historicamente, a região Sudeste goza de maior primazia em relação às demais regiões do Brasil no que se refere às análises históricas. Essa diferenciação criou dificuldades de identificação de padrões culturais distantes do Rio de Janeiro e São Paulo com o que seria algo típico do Brasil. No campo dos estudos esportivos, foi a partir do eixo Rio-São Paulo que se começou a analisar a História dos Esportes. Tomando como exemplo o futebol, é com Charles Miller que se tem, oficialmente, os primeiros chutes em nosso país.

No Rio de Janeiro, o bairro de Bangu, mais recentemente a partir das pesquisas de Carlos Molinari, busca reivindicar o pioneirismo neste jogo, sem desconsiderar a antiga disputa a respeito da prática futebolística de marinheiros ingleses no bairro da Glória. Ainda assim, temos um foco quase exclusivo no Sudeste.

Por décadas, a História Esportiva no Brasil ficou concentrada em análises que majoritariamente concentravam-se no Sudeste. Não obstante, com o crescimento da História Regional e das possibilidades de novas fontes de estudo, essa realidade tem mudado. Cléber Dias, por exemplo, tem se lançado em análises que permeiam estudos envolvendo o futebol na região Centro-Oeste, concomitantemente ao aumento de análises sobre outros processos históricos feitos nessa localidade. Isso mostra o quanto temos podido avançar em abordagens que vão além do tradicional nas análises regionais sobre os estudos esportivos.

Assim, podemos identificar que por meio da História Regional podemos superar lacunas e conectar realidades locais ao que chamamos de nacional em diversos segmentos, inclusive nos estudos sobre esporte. Sozinhos, este ramo dos estudos históricos não pode servir para revelar realidades outrora escondidas, mas ele pode ser visto como parte dos avanços historiográficos de possibilitar novas áreas de análise que busquem avançar ao que já produzimos. Todavia, é sempre bom destacar que isso não significa um abandono aos estudos em regiões já bastante analisadas. Nesses locais, e tomando como exemplo o Rio de Janeiro, ainda há no que se avançar em novos objetos de observação e em outras possibilidades de reflexão. 

Quando nos debruçamos sobre as partidas de futebol ocorridas no Rio de Janeiro no início do século passado podemos perceber que há diferenciação entre as regiões sobre não só a ocorrência das pelejas, mas também sobre a frequência e, como se percebe com ênfase na imagem abaixo, na concentração dos campos de jogos. De maneira geral, podemos identificar que os estádios se encontram no primeiro quartel dos anos de 1900 instalados com maior pujança nas áreas que compõem as regiões central e sul/sudeste da Capital Federal.

A importância da História Regional para os estudos sobre esportes no Brasil

Embora a participação popular não tenha sido registrada de forma escrita na mesma proporção que em outros momentos da História Mundial com as elites, ela fez parte da dinâmica política da sociedade em que ocorreu e a utilização de novas fontes ajuda a perceber isso. Mattos, relacionando informações de periódicos, censos e dados cartográficos, contribui de forma bastante didática para isso e permite valorizar processos históricos outrora desconhecidos, uma vez que “embora os seus movimentos pareçam cegos e evasivos quando comparado aos de tipo moderno, eles não são sem importância ou sequer marginais”.

O que nem sempre permitiu o desenvolvimento desta concepção foi a falta de fontes produzidas pelos próprios agentes históricos. Durante muito tempo, a restrição a respeito do que poderia ser uma fonte impediu de se dar atenção a estes aspectos que, por conseguinte, não se tornaram objetos de estudos em larga escala.

A utilização da mais ampla documentação, por outro lado, permitiu que objetos outrora ignorados se tornassem estudos nas academias e permitissem, assim, dar mais voz aos antes excluídos. O futebol foi, portanto, um dos elementos que nos serviram para refletir sobre a maneira como aqueles que não se enquadram no conceito de elite que utilizamos no presente trabalho se posicionassem diante de situações do cotidiano em que se tentou excluí-la. O esporte bretão, praticado em seus primeiros momentos pelos jovens esportistas endinheirados do Rio de Janeiro, não ficou restrito a eles.

A perspectiva que se consolidou no Brasil dos estudos sobre a História do Futebol, assim como em outras áreas, tendeu a privilegiar determinados grupos sociais que fizeram valer sua influência para reforçar visões específicas de mundo. De forma bastante sintética, podemos dizer que a leitura de mundo de um grupo se sobrepôs sobre a de outros e, por isso, determinadas narrativas históricas tiveram mais influência, permitindo, ainda que não fosse objetivo primário, o predomínio de uma região (Sudeste, Centro-Zona Sul do Rio de Janeiro) sobre outras (demais regiões, os Subúrbios Cariocas). A História Regional é, portanto, uma alternativa viável para quebrar esse modelo e permitir que novas vozes se apresentem como parte do desenvolvimento esportivo no Brasil. 

 

Este texto foi originalmente publicado no Blog Comunicação, Esporte e Cultura.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Glauco Costa

Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), também possui graduação em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2015). Tem experiência nas áreas de pesquisas sobre História Econômica, História Social e História Cultural, bem como na produção de textos jornalísticos.

Como citar

SOUZA, Glauco José Costa. A importância da História Regional para os estudos sobre esportes no Brasil. Ludopédio, São Paulo, v. 174, n. 19, 2023.
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