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A primeira árbitra de futebol credenciada pela FIFA é brasileira

Silvana Vilodre Goellner 26 de janeiro de 2015

Léa Campos (Asaléa de Campos Micheli), nascida em Belo Horizonte no ano de 1945, é uma mulher avante do seu tempo. Em plena Ditadura Militar formou-se árbitra pela Federação Mineira de Futebol, a despeito dos papéis de gênero estabelecidos como adequados para aquele contexto cultural. Diplomada em Educação Física e Jornalismo, teve muito trabalho para fazer valer sua vontade e o reconhecimento de seu diploma pela FIFA se deu apenas no ano de 1971. Para tanto, enfrentou pessoas e instituições como a CBF e seu presidente João Havelange que não reconhecia nem permitia que desempenhasse sua função. Léa buscou apoio de diferentes modos recorrendo, inclusive, ao então presidente Emílio Garrastazu Médici, que ao recebê-la assinou uma carta autorizando-a a atuar.

Uma vez reconhecido o seu título pelo governo brasileiro, Léa arbitrou em vários estados e em países da Europa e das Américas sendo elogiada pela sua competência e dedicação.

Praia de Atlântida, Rio Grande do Sul – década de 1970 (reprodução).

Em 1971 representou o Brasil em um Campeonato Mundial de Futebol Feminino realizado no México, competição que possibilitou o reconhecimento de seu diploma pela FIFA. Vale lembrar que neste período estava em vigência a Deliberação n. 7 de 2 de agosto de 1965 do Conselho Nacional de Desportos (CND) que nomeava as modalidades proibidas às mulheres complementando, assim a determinação do Decreto Lei n. 3199, de 14 de abril de 1941 que considerava a prática de alguns esportes incompatíveis com a “natureza feminina”. O Decreto, assinado pelo então Presidente do CND, General Eloy Massey Oliveira de Menezes, asseverava que não era permitida às mulheres a prática de lutas , futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo-aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball. Ou seja, as mulheres não podiam praticar jogando mas nenhuma referência era feita à prática da arbitragem. O que conferiu à Léa o direito de atuar.

Praia de Atlântida, Rio Grande do Sul – década de 1970 (reprodução).

Em 1974 Léa sofreu um acidente que prejudicou sobremaneira sua carreira. Com dificuldades de locomoção por dois anos usou cadeiras de rodas. Recuperada do acidente aproximou-se do universo das lutas dedicando-se à luta livre e o boxe, modalidades que como sabemos não eram (e não são) recomendadas para as mulheres.

Exitosa em sua trajetória, o protagonismo de Léa Campos evidencia que a presença das mulheres na arbitragem é um direito de quem deseja seguir a profissão. Sua presença nos campos abriu caminhos para que muitas mulheres possam concretizar este desejo, pois faz ver que não existem justificativas plausíveis que limitem ou impeçam essa atuação senão o preconceito e a ignorância. Por essas é outras que se torna fundamental narrar a sua história e reconhecer a importância que esta mulher tem para a história do esporte brasileiro. Quiçá possamos ver publicada no Brasil a biografia Lea Campos: rules can be broken, escrita por Luis Eduardo Medina em 2001. Quiçá possamos conhecer mais além dessas parcas informações que aqui registro. Este é um de meus objetivos para 2015. Aguardem!!!!

 

Esse texto foi originalmente publicado no blog História (s) do Sport e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Silvana Goellner

Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Aposentada).  Ex-coordenadora do Centro de Memória do Esporte (CEME) e  Vice-Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Esporte Cultura e História (GRECCO). Pesquisadora e ativista do Futebol de Mulheres. Integrante do Grupo de Estudos Mulheres do Futebol (GEMF).

Como citar

GOELLNER, Silvana Vilodre. A primeira árbitra de futebol credenciada pela FIFA é brasileira. Ludopédio, São Paulo, v. 67, n. 8, 2015.
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