A Rainha dos Sports: Paixão e Pertencimento Clubístico na Belo Horizonte de 1927
O início do ano de 1927 trouxe um acontecimento que iria impactar toda a cidade de Belo Horizonte, mobilizando milhares de pessoas em torno dele. Talvez sequer o próprio Correio Mineiro não imaginasse o sucesso que alcançaria o concurso instituído por ele, denominado “Rainha dos Sports”. A idéia era relativamente simples, e consistia na escolha de uma das senhorinhas representantes dos principais clubes de futebol da Capital. A mais votada, ao final da promoção, obteria o título de a “Rainha dos Sports”. Os clubes ofereciam os nomes de suas “Rainhas”, escolhidas por critérios diversos. Destarte, havia as “Rainhas do Atlético”, as “Rainhas do Palestra”, e assim por diante. Melhor explicado pelas palavras do articulista da nota, na edição em que se lançava a proposta do concurso:
Para se ter uma noção da tamanha aceitação do público por parte deste evento, as notas da seção esportiva vibravam os ecos de tal movimento:
Certamente, o periódico vislumbrou, na paixão clubística, uma forma de obter lucros. Cada voto representava a compra de um exemplar do jornal, haja vista a necessidade do cupom da promoção (Fig. 01) ser recortado para posterior depósito nos locais indicados. Enxergava-se também, no concurso, uma possibilidade da demarcação de um campo de forças, onde a “Rainha dos Sports” acabaria por representar a torcida mais influente.
![FIG. 01 – Cupom do concurso “Rainha dos Sports”. Correio Mineiro, 01.03.1927, p. 2 (reprodução) rainha](http://www.ludopedio.org.br/v2/content/uploads/rainha.jpg)
O resultado do concurso não deixava nenhuma dúvida acerca do seu sucesso. O exemplar do dia 2 de abril anunciava a tão esperada vencedora. Na 1ª página, quase completamente tomada por comentários, fotos e notas referentes ao concurso, podia-se ler:
O título coube à torcedora do Club Athletico Mineiro, senhorinha Nenen Aluotto. O que mais impressionava, no entanto, era a quantidade de votantes, e a diferença da primeira colocada para as demais. Nada menos que 86 mil votos foram computados na apuração final. Ora, levando-se em consideração os censos de 1920 (55.563) e de 1930 (116.981), é possível estimarmos a população de Belo Horizonte no ano de 1927 em torno de 90.000 habitantes. 86.000 mil votos representava a quase totalidade dos moradores da cidade, e mostrava realmente a força de mobilização que o concurso atingira. As segunda e terceira colocadas receberam o título de Gran-Duquezas, cabendo às senhorinhas Horizontina Frederici (Palestra) e Amelia Vanucci (Fluminense) respectivamente, tal distinção. As fotos estampadas na primeira página do jornal (Fig. 02) ilustravam a importância do evento, e cumpriam uma das promessas de premiação da disputa.
![FIG. 02 - Correio Mineiro, 02.04.1927 (reprodução) Rainha_esportes](http://www.ludopedio.org.br/v2/content/uploads/Rainha_esportes.jpg)
A realização deste concurso é revelador de muitos aspectos acerca do torcer em Belo Horizonte. Primeiramente, o caráter de time popular posto sobre o Club Athletico Mineiro parecia se confirmar. A quantidade de votos destinados ao clube não deixava margem para dúvidas quanto a isto. Apenas a vencedora obteve 34.471 votos – bem mais que a soma das gran-duquezas, 17.801 e 4.785 respectivamente – porém, somando-se todos os votos destinados às torcedoras do Athletico, tem-se o expressivo número de 35.056, o que equivale dizer que 40% do montante de votos tomaram a direção da equipe alvi-negra.
Por outro lado, o America justificava a preocupação de parte da imprensa e da torcida quanto à sua decadência. A americana melhor colocada no concurso ficou com a pouco honrosa colocação de sétimo lugar, com 3.285 votos recebidos. Ao todo, o clube alvi-verde arrebanhou 5.194 indicações, distribuídas entre as candidatas que o representavam. Percentualmente, o time da elite conseguiu obter pouco mais de 6% dos votos, ficando atrás do clube da colônia italiana, o Palestra, que obteve 18.220 indicações (21%).
Ter uma torcedora símbolo, com o emblemático título de Rainha, fazia com que cada clube projetasse nas suas adeptas apaixonadas um elemento de identidade e de pertencimento, e avivava as rivalidades recém-constituídas na década de 1920 na cidade de Belo Horizonte.