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A Rainha dos Sports: Paixão e Pertencimento Clubístico na Belo Horizonte de 1927

Georgino Jorge de Souza Neto 9 de maio de 2010

O início do ano de 1927 trouxe um acontecimento que iria impactar toda a cidade de Belo Horizonte, mobilizando milhares de pessoas em torno dele. Talvez sequer o próprio Correio Mineiro não imaginasse o sucesso que alcançaria o concurso instituído por ele, denominado “Rainha dos Sports”. A idéia era relativamente simples, e consistia na escolha de uma das senhorinhas representantes dos principais clubes de futebol da Capital. A mais votada, ao final da promoção, obteria o título de a “Rainha dos Sports”. Os clubes ofereciam os nomes de suas “Rainhas”, escolhidas por critérios diversos. Destarte, havia as “Rainhas do Atlético”, as “Rainhas do Palestra”, e assim por diante. Melhor explicado pelas palavras do articulista da nota, na edição em que se lançava a proposta do concurso:

Iniciamos hoje o nosso concurso para sabermos qual será a Rainha do Sport em Bello Horizonte. O votante deverá encher o coupon que publicaremos diariamente, escrevendo o nome da candidata, o club de que a mesma é “torcedora” e o seu nome. Este coupon deverá ser remettido ao redactor sportivo do CORREIO MINEIRO, para a nossa redacção, ou para a caixa postal nº. 134. A apuração será feita aos sabbados e o resultado será publicado diariamente. As canditadas collocadas até o 3º logar serão premiadas com lindos premios que vamos instituir brevemente e terão, tambem, estampada em nossas columnas sua photographia1.

Para se ter uma noção da tamanha aceitação do público por parte deste evento, as notas da seção esportiva vibravam os ecos de tal movimento:

O NOSSO CONCURSO – QUAL SERÁ A RAINHA DOS SPORTS EM BELLO HORIZONTE? Cada dia que passa e o enthusiasmo dos nossos desportistas augmenta pelo resultado final do nosso concurso para a eleição da Rainha dos Sports em nossa capital. O sport, tambem, necessita de uma imagem que guie os seus athletas no campo de lucta e é por isso que tomamos esta iniciativa, que felizmente foi recebida com applausos geraes pelo mundo sportivo horizontino. Diariamente augmenta o numero de candidatas ao titulo de Rainha dos nossos Sports. Hoje já temos uma nova candidata, a senhorita Sylvia Maia, do Club Ludopedio Calafate. O Club Athletico Mineiro apresenta mais uma candidata na pessôa da distincta senhorita Lucia Morandi, que hoje começa a ser votada2.

Certamente, o periódico vislumbrou, na paixão clubística, uma forma de obter lucros. Cada voto representava a compra de um exemplar do jornal, haja vista a necessidade do cupom da promoção (Fig. 01) ser recortado para posterior depósito nos locais indicados. Enxergava-se também, no concurso, uma possibilidade da demarcação de um campo de forças, onde a “Rainha dos Sports” acabaria por representar a torcida mais influente.

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FIG. 01 – Cupom do concurso “Rainha dos Sports”. Correio Mineiro, 01.03.1927, p. 2 (reprodução)

O resultado do concurso não deixava nenhuma dúvida acerca do seu sucesso. O exemplar do dia 2 de abril anunciava a tão esperada vencedora. Na 1ª página, quase completamente tomada por comentários, fotos e notas referentes ao concurso, podia-se ler:

RAINHA DOS SPORTS – DIVA DA FORÇA E DA GRAÇA
Rumorejou em largas ondulações de fremente enthusiasmo a acclamação da Rainha dos Sports, cujo sceptro foi ter às mãos de Nenen Aluotto. Os eleitores da graciosa soberana fizeram vibrar os corações em fogosas expansões de alegria, debulhando em alacres clamores de triumpho a satisfação que produziu a noticia do resultado da ultima apuração, processada na séde da Liga Mineira. Não obstante o caloroso empenho – nunca verificado em certamens desta natureza, em Bello Horizonte – com que foi disputada a realeza dos sports, dando cada grupo, cada club o maximo de seus esforços pela collocação de sua candidata no concurso, o pleito defluiu num ambiente de perfeita serenidade, sem o menor incidente que o tisnasse. […] Estamos satisfeitos com o exito do nosso certamen, que tão bem impressionou a sociedade de Bello Horizonte3.

O título coube à torcedora do Club Athletico Mineiro, senhorinha Nenen Aluotto. O que mais impressionava, no entanto, era a quantidade de votantes, e a diferença da primeira colocada para as demais. Nada menos que 86 mil votos foram computados na apuração final. Ora, levando-se em consideração os censos de 1920 (55.563) e de 1930 (116.981), é possível estimarmos a população de Belo Horizonte no ano de 1927 em torno de 90.000 habitantes. 86.000 mil votos representava a quase totalidade dos moradores da cidade, e mostrava realmente a força de mobilização que o concurso atingira. As segunda e terceira colocadas receberam o título de Gran-Duquezas, cabendo às senhorinhas Horizontina Frederici (Palestra) e Amelia Vanucci (Fluminense) respectivamente, tal distinção. As fotos estampadas na primeira página do jornal (Fig. 02) ilustravam a importância do evento, e cumpriam uma das promessas de premiação da disputa.

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FIG. 02 – Correio Mineiro, 02.04.1927 (reprodução).

A realização deste concurso é revelador de muitos aspectos acerca do torcer em Belo Horizonte. Primeiramente, o caráter de time popular posto sobre o Club Athletico Mineiro parecia se confirmar. A quantidade de votos destinados ao clube não deixava margem para dúvidas quanto a isto. Apenas a vencedora obteve 34.471 votos – bem mais que a soma das gran-duquezas, 17.801 e 4.785 respectivamente – porém, somando-se todos os votos destinados às torcedoras do Athletico, tem-se o expressivo número de 35.056, o que equivale dizer que 40% do montante de votos tomaram a direção da equipe alvi-negra.

Por outro lado, o America justificava a preocupação de parte da imprensa e da torcida quanto à sua decadência. A americana melhor colocada no concurso ficou com a pouco honrosa colocação de sétimo lugar, com 3.285 votos recebidos. Ao todo, o clube alvi-verde arrebanhou 5.194 indicações, distribuídas entre as candidatas que o representavam. Percentualmente, o time da elite conseguiu obter pouco mais de 6% dos votos, ficando atrás do clube da colônia italiana, o Palestra, que obteve 18.220 indicações (21%).

Ter uma torcedora símbolo, com o emblemático título de Rainha, fazia com que cada clube projetasse nas suas adeptas apaixonadas um elemento de identidade e de pertencimento, e avivava as rivalidades recém-constituídas na década de 1920 na cidade de Belo Horizonte.

 


[1] CORREIO Mineiro. Belo Horizonte, 17 fev. 1927. Seção Jogos e Desportos, p. 2.
[2] CORREIO Mineiro. Belo Horizonte, 01 mar. 1927. Seção Jogos e Desportos, p. 2.
[3] CORREIO Mineiro. Belo Horizonte, p. 1, 02 abr. 1927.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Georgino Jorge Souza Neto

Mestre e Doutor em Lazer pela UFMG. Professor da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Membro do Grupo de Estudos Sobre Futebol e Torcidas/GEFuT-UFMG. Membro do Laboratório de Estudo, Pesquisa e Extensão do Lazer/LUDENS-UNIMONTES. Membro do Observatório do Futebol e do Torcer/UNIMONTES. Torcedor do Galo...

Como citar

SOUZA NETO, Georgino Jorge de. A Rainha dos Sports: Paixão e Pertencimento Clubístico na Belo Horizonte de 1927. Ludopédio, São Paulo, v. 11, n. 3, 2010.
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