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A transmissão audiovisual e a importância do padrão tecno-estético: fundamentação para a Copa do Nordeste

Este texto traz uma discussão teórica inicial realizada para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica (PIBIC/UFAL 2023-2024) intitulado “Estruturação, mercantilização e espacialização nos primeiros 10 anos da fase contemporânea da Copa do Nordeste (2013-2022)”.

Aqui faremos a apresentação de quatro textos que já foram lidos e discutidos neste projeto de pesquisa a partir do plano de trabalho ” Estruturação da marca da Copa do Nordeste (2013-2022) e sua espacialização midiática”, com o objetivo de interligar estas obras e a base que elas trazem para o plano. O intuito maior é entender qual o papel da transmissão audiovisual na Copa do Nordeste, no período de 2013 a 2022, e sua importância no contexto futebolístico deste campeonato.

As obras que baseiam a análise são: “Um Pensamento Materialista em Comunicação  ( Bolaño; Bastos, 2020), ; “As barreiras à entrada dos processos televisivos” (Brittos, 2005); Padrão tecno-estético: hegemonia e alternativas” (Brittos; Rosa, 2010); e “Futebol e Economia Política da Comunicação: revisão de literatura e propostas de pesquisa” (A. Santos; I. Santos, 2015).

Logo a seguir, apresentamos as ideias principais dessas obras, interligando-as e compreendendo, ainda de forma inicial, a estruturação e a implantação de características que fazem as transmissões audiovisuais da Copa do Nordeste funcionarem como demarcador de uma identidade regional (ainda que construída).

Copa do Nordeste
Foto: Amanda Paiva/CBF

Um pensamento materialista  sobre padrões de transmissão

A fundamentação teórica deste plano de trabalho teve a preocupação de iniciar demarcando a bate teórico-metodológica para a análise da transmissão do futebol.

O capítulo construído por César Bolaño e Manoel Dourado Bastos traz o debate da Economia Política da Comunicação (EPC) como uma área extremamente importante para o entendimento do funcionamento das mídias. O material é valioso por montar as primeiras peças do quebra-cabeça da comunicação atrelada à economia política, com análise sobre o desenvolvimento de pesquisas sobre efeitos das tecnologias digitais de informação e comunicação

Categoria criada por Adorno e Horkheimer para “expressar, na forma de conceito, uma contradição real: o amálgama próprio daquele contexto em que a massificação era a realização do esclarecimento como mecanismo de mistificação” (Bolaño; Bastos, 2020, p. 171), a Indústria Cultural é resgatada pelos estudos da EPC para repor a sua problemática para “compreender essa forma social para além de seu confinamento no âmbito ideológico”” (Ibid., p. 173).A partir desse olhar que parte da teoria marxista, com a contribuição dos estudos sociais críticos, que os autores indicam uma definição deste subcampo científico:

Podemos definir a EPC, seguindo a melhor tradição da economia política marxista, como o estudo das relações de produção capitalistas relativas à estrutura dos sistemas de mediação social, tendo por pressuposto o desenvolvimento das forças produtivas. Em outros termos, trata-se em essência da ampliação do ferramental crítico da crítica da economia política para a compreensão das estruturas de mediação social características do modo de produção capitalista, especialmente aquelas desenvolvidas a partir das transformações sistêmicas que se traduziram na constituição do chamado capitalismo monopolista, na virada do século XX (Bolaño; Bastos, 2020, p. 177-8).

A mediação social é conceito-chave pela EPC por sua característica dupla, “envolvendo elementos de ordem político-institucional, de um lado, e psicológico-cognitivo, de outro” (Bolaño; Bastos, 2020, p. 178). Estes processos, ao menos no caso da construção de mercadorias artísticas e culturais, como a transmissão de um jogo de futebol, passam pela mediação do trabalho.

É a partir disso que os autores indicam o padrão tecno-estético como algo que permite “definir certos elementos que caracterizam a ação mediadora, de cada capital cultural individual em concorrência, entre o público (transformado assim em audiência) e os poderes (anunciantes e Estado) que pretendem comunicar-se com ele” (Bolaño; Brittos, 2020, p. 179).

Chegando neste conceito, avançamos a análise dos desdobramentos da EPC a partir do artigo “As barreiras à Entrada dos Processos Televisivos” (Brittos, 2005). Nele, Brittos (2005) reafirma a sua divisão das barreiras à entrada nos mercados comunicacionais, ou seja, as “travas” que emissoras enfrentam para ocupar um espaço em determinado mercado midiático em meio às grandes companhias midiáticas, como a Rede Globo, por exemplo.

As dificuldades enfrentadas vão desde alcançar o padrão tecno-estético definido e controlado pelas grandes empresas televisivas até os processos de regulação, quer dizer, leis e fiscalização de concorrência para atuar legalmente no país. Define-se assim as barreiras: estético-produtivas e político-institucionais.

No futebol, a dificuldade de crescimento de outras emissoras faz com que apenas algumas específicas sejam as detentoras das transmissões das partidas de diferentes campeonatos na TV aberta, o que deixa mais distante a possibilidade de campeonatos que não estão na região Sudeste tenham a transmissão completa de cada rodada de seus jogos.

Outro aspecto importante apontado por Brittos (2005) e que servirá para a compreensão do recorte temporal da Copa do Nordeste tanto sobre a construção de estética de nicho quanto sobre a compra do Esporte Interativo pela (atual) Warner Discovery é que:

Em direção aos mercados internos ou externos, as indústrias culturais expandem-se, procedendo a alianças, realizando sinergias capazes de aumentar a rentabilidade de seus produtos e encontrando novos espaços. Diante disso, médias e pequenas corporações são absorvidas, sucumbem ou, com menos intensidade, assumem posições mercadologicamente periféricas, dirigindo suas ações a públicos restritos, desejosos de estéticas alternativas (p. 76).

Aprofundando-se na questão do padrão tecnoestético, o artigo “Padrão tecno-estético: hegemonia e alternativas” (Brittos; Rosa, 2009) trata do Grupo Globo, seu crescimento, envolvimento com política e padrões que foram definidos  como modelo a ser seguido mesmo pelas concorrentes, o que inclui a transmissão de futebol.

A obra desenvolve uma explicação sobre as construções estéticas, que são minuciosamente influenciadas pelos fatores econômicos e políticos da sociedade em que está sendo criada. Afinal: “[…] mesmo construções estéticas, e quaisquer outras construções simbólicas, estão profundamente relacionadas com o contexto social, especialmente com as relações de poder que se estabelecem entre os fatores econômicos e políticos de uma sociedade. Assim são constituídos os padrões característicos de cada organização de mídia” (Brittos; Rosa, 2009, p. 1).

Depois de entender sobre como é criado e moldado o padrão tecno-estético hegemônico, o artigo “Futebol e Economia Política da Comunicação: Revisão de literatura e propostas de pesquisa” (A. Santos; I. Santos, 2015) traz uma análise sobre a correlação entre o futebol e a Economia Política da Comunicação. Assim, esta prévia de leitura fecha um ciclo que começa com a discussão teórica crítica da Ciência da Comunicação e termina com suas possibilidades de análise desde o futebol enquanto observável.

Isso porque o futebol é um grandioso bem cultural, a nível global, que movimenta economia, cultura, política e vários outros pilares básicos de uma comunidade. Em meio a uma sociedade que utiliza da cultura para fabricar produtos e, consequentemente, lucros, a indústria também se apropriou do futebol, além de outras modalidades do esporte, como uma grande máquina de dinheiro, tanto para jogadores quanto para grandes clubes e empresas que injetam e recebem bilhões com o consumismo que envolve a Indústria Cultural no futebol.

Neste sentido, é importante entender que: “A indústria que se forma sobre o jogo começa a ditar certos padrões de estruturação a fim de potencializar sua rentabilidade, num esporte ainda marcado por relações arcaicas e amplamente aberto a apropriações para fins políticos e comerciais” (A. Santos; I. Santos, 2015, p. 383).

O mercado midiático é relevante nesse processo, de maneira que:

[…] o estudo do futebol na EPC precisará resgatar o papel dialético desempenhado entre Indústria Cultural, Estado e Capital. Para além das funções da IC é preciso compreender que a etapa histórica à qual o Estado seria o vetor de desenvolvimento do futebol já foi superada pela consolidação de diferentes e numerosos atores econômicos que hoje determinam os rumos dessa indústria (A. Santos; I. Santos, 2015, p. 388).

Considerações que ficam para o caso da Copa do Nordeste

Com os materiais abordados, é possível partir para nova leitura e análise do caso da Copa do Nordeste, que passou por uma reformulação completa após seu hiato, voltando em 2013, com uma visão completamente repaginada da competição. O objetivo era conseguir um “lugar na mesa” nas transmissões e na valorização social a nível nacional de um campeonato banhado da cultura nordestina e que leva os holofotes aos times que participam de cada fase. O desenvolvimento, o potencial e algumas ponderações serão tratadas em outros futuros produtos desta pesquisa.

Referências bibliográficas

BOLAÑO, C.; BASTOS, M. D. Um pensamento materialista em Comunicação. In: BIANCO, N. R. Del; LOPES, R. S. (Orgs.). O campo da comunicação: epistemologia e contribuições científicas. São Paulo: Socicom Livros, 2020. p. 165-187.

BRITTOS, V. C. As barreiras à entrada dos processos televisivos. Diálogos Possíveis, v. 4, n. 1. p. 75-88, 2005.

BRITTOS, V. C.; ROSA, A. M. O. Padrão tecno-estético: hegemonia e alternativas. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUL, 11., 2010, Novo Hamburgo. Anais… São Paulo: Intercom, 2010.

SANTOS, A. D. G. dos; SANTOS, I. S. da C. Futebol e Economia Política da Comunicação: revisão de literatura e propostas de pesquisa. Redes.com, Sevilha, n. 19, p. 379-395, 2015.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

CâNDIDO, Débora Alexandre da Silva; SANTOS, Anderson David Gomes dos. A transmissão audiovisual e a importância do padrão tecno-estético: fundamentação para a Copa do Nordeste. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 29, 2024.
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